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Professor escreve-se com 'P' de Político

Há alguns anos que todos - pais, políticos, professores, sindicalistas, a sociedade em geral - vêm afirmando que a escola e os professores são elementos cada vez mais importantes no combate a vários problemas sociais e ao processo de transformação da sociedade.

Vale a pena lembrar que esta afirmação pode tornar-se perigosa se não se verificarem modificações reais que possam permitir aos sistemas educativos desempenhar as múltiplas funções que lhe vão sendo atribuídas. Exigir que as escolas e os professores sejam agentes de mudança e militantes do combate aos problemas sociais sem que, em contrapartida, se actue, com sentido político, sobre as demais estruturas da sociedade, é pactuar com um discurso retórico, responsabilizador das estruturas escolares e dos professores, que estes não podem tolerar e devem denunciar.

Afirmam alguns políticos (de todo o mundo) que 'o meio mais eficaz para combater a pobreza e a exclusão social é a educação'. Sou obrigado a discordar. É que na minha opinião, o meio mais eficaz para combater a pobreza e a exclusão social é a adopção de uma política antagónica do neoliberalismo vigente, é uma repartição mais justa da riqueza das sociedades, é a adopção de políticas que contrariem os privilégios das minorias nacionais e internacionais, é a adopção de políticas que reduzam o poder de dúzia e meia de multinacionais, que tudo controlam, é, em suma, o respeito pelo trabalho e o reconhecimento de que o trabalho é um direito de todos e o principal produtor da riqueza dos países. Atribuir à educação a responsabilidade de combater a pobreza, o desemprego e a exclusão, mantendo as políticas que lhe dão origem, é uma forma de enganar a opinião pública e de manter a exploração e os problemas sociais tal como estão.

Aceitar este tipo de discurso (de responsabilização dos sistemas educativos) só na aparência é lisonjeiro para os professores. Aceitá-lo sem condições é, na prática, contribuir para acentuar a frustração de todos os que trabalham nas escolas.

Mas a solução não está nas chamadas condições de trabalho e de vida nas escolas, ainda que estas sejam fundamentais à mudança do processo educativo. Hoje há inúmeros países, com sistemas educativos evoluídos, bem equipados, onde os professores têm formação de excelência e ganham bem, que sofrem a multiplicação dos problemas sociais, onde progride a violência. na sociedade e na escola, onde desenvolve-se a criminalidade, sobe a percentagem dos desempregados e dos excluídos e aumentam as taxas do novo analfabetismo. Há países de sistemas educativos ditos evoluidos, onde é cada vez maior o número dos que são marginalizados e dos que vivem mal.

A melhoria das condições de trabalho nas escolas e a melhoria dos salários dos professores, desenquadradas de novas políticas económicas e sociais, não é por si só sinal de sucesso de nenhum sistema educativo.

Se nos virarmos apenas para dentro das escolas e dos problemas da classe docente, corremos o risco de perder de vista, de dissimular, de ajudar a ocultar, as verdadeiras causas dos problemas, os verdadeiros responsáveis pelos problemas sociais existentes. Corremos o risco de aumentar o nosso mal estar profissional e pessoal.

O que seria necessário fazer para que a educação fosse um verdadeiro elemento de transformação social? A resposta só pode ser construída com a participação de todos os interessados na educação.

É preciso desenvolver uma nova concepção da educação. Uma educação que promova, de facto, um conjunto de valores alternativos aos valores do discurso e das práticas hoje dominantes e que não seja apenas consolidadora do discurso social e politico existente e dos modelos de sociedade e de vida que lhe estão subjacentes. Uma educação que, na análise de si mesma, não despreze a política, antes a integre como elemento fundamental à compreensão do seu papel social, e assim se assuma como geradora de valores alternativos.

É necessário atribuir à educação recursos económicos suficientes, que permitam redimensionar os espaços educativos e adaptá-los às necessidades do novo tipo de alunos que temos e às novas concepções de educação e ensino, que permitam formar efectivamente melhor os professores, que permitam pagar melhor aos docentes e a todos os que trabalham na área da educação, que permitam dotar as escolas com os recursos que as novas práticas vão indicando como necessários, que permitam que os professores possam gerir o seu tempo lectivo para outros fins que não apenas a leccionação em sala de aula. Mas para que isto tenha consequências educativas positivas é necessário exigir uma alteração das prioridades reais dos recursos existentes em cada país.

É preciso questionar se os recursos se destinam a fortalecer, ainda mais, os poucos que já são fortes. É preciso saber se os impostos devem penalizar, ainda mais, os que menos ganham e se apresentam socialmente mais indefesos. É preciso saber se os apoios económicos devem ir para a educação, e para outras áreas sociais, ou se devem ser canalizados primordialmente para as empresas e para o bolso dos que já são verdadeiramente mais ricos.

Se queremos contribuir para a melhoria do que se passa no interior das escolas, não podemos seguir políticas de remedeio de problemas e situações. O mais importante não é saber como trabalhar com uma turma constituída por uns tantos alunos, muito pobres, e uns poucos muito ricos. Mais importante é explicar o insucesso e o abaixamento da qualidade do ensino, apontando as suas verdadeiras razões. Mais importante é explicar que se ele existe, tal se deve a uma sociedade cada vez mais injusta e desigual. Mais importante é exigir medidas de política que não criem nem reforcem as situações sociais que são causa do insucesso escolar e do abaixamento da qualidade da educação e do ensino.

Se queremos promover a qualidade da educação exijamos, ao mesmo tempo, mudanças nas políticas adoptadas para as diversas áreas da sociedade. Poderemos perguntar-nos quem deve protagonizar estas exigências de mudança. Naturalmente que, para além do esforço de cada um, estão as organizações politicas, sociais e as organizações sindicais. Mas os sindicatos, enquanto organizações de trabalhadores, obrigatoriamente mais perto da realidade social, devem tomar a dianteira nestas exigências. Os sindicatos não podem conformar-se a ser meras corporações defensoras de pequenos ou grandes interesses de um grupo profissional.

Os sindicatos têm a obrigação de se assumir como intelectuais colectivos, como foruns de discussão, para um vasto conjunto de trabalhadores e de cidadãos que também observam, analisam e processam a realidade social, económica e política. Aos sindicatos não lhes compete fazer reivindicações que têm apenas por objectivo acomodar os profissionais que os formam à situação vigente. Aos sindicatos compete-lhes perceber os interesses mais gerais da sociedade e pautar a sua actuação segundo tais interesses. Aos sindicatos compete-lhes serem agentes de transformação e não de conservação.

Hoje, pensar o ensino e a educação sem virar costas à política é essencial para favorecer as mudanças no ensino e promover uma educação de qualidade que responda, também ela, às muitas angústias do nosso tempo. Ficarmo-nos pela repetição de velhas práticas desgastadas, desligarmo-nos da análise política, reduzindo as nossas reivindicações a aspectos meramente corporativos e imediatistas e desempenhando a função de professor numa perspectiva meramente técnica, como querem alguns, é contribuir para a degradação do nosso já pobre sistema educativo e da nossa profissão.

José Paulo Serralheiro


  
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Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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