Detenho-me na actualíssima e polémica discussão em torno da chamada "Lei das 40 horas", a qual pretende, reduzir a duração semanal do trabalho. Num primeiro andamento, parece ser de constatar, a partir da indefinição reinante quanto ao concreto alcance da norma, uma certa ingenuidade - não quero falar em ineficácia... - negocial. De facto, e aparentemente, faltam garantias quanto à matéria negociada - redução do trabalho, - garantias essas que deveriam necessariamente impedir que viesse a ser posto em causa, fosse com que artifício fosse, o conteúdo essencial da norma pretendida. Ora, no caso, até me parece que estaremos perante uma propositada ambiguidade. Num outro registo, não contenho um desabafo: as nossas leis são más! Os passos dados, entre nós, no âmbito da ciência da legislação, são recentes, curtos e tímidos. Daí resulta que uma parte substancial da produção normativa é confusa, imprecisa, muitas vezes até abstracta, sendo por isso geradora de conflitos e tensões em sede de interpretação, quando seria desejável que, pelo contrário, estabilizasse expectativas... Se é certo que nenhuma norma pode - ou sequer deve - aspirar a constituir-se como um objecto normativo intrinsecamente completo, definitivamente acabado e insusceptível de interpretação - com o que esta significa de atitude autónoma em busca de um sentido -, também não é menos certo que não podemos de forma alguma navegar no extremo oposto, produzindo normas que suscitam permanentes e sistemáticas dúvidas em torno do seu próprio mínimo vital. E esta história da "Lei das 40 horas" é um pouco isso... Escolho agora uma dúvida para terceiro andamento desta reflexão em voz alta... Não sei se a discussão em torno da quantidade do trabalho, por si só, representará algo de essencial nos tempos que correm. Melhor dito: creio mesmo que o tema da quantidade do trabalho, e da sua redução, só permanece com características totalizadoras devido a um contexto em que as condições estruturais do trabalho são ainda típicas dos anos setenta e início da década de oitenta. Agora o que parece claro é que tais condições - e as correspondentes reacções que suscitam... - dificultam e impossibilitam mesmo a emergência das questões em torno da qualidade do trabalho, as quais, num futuro certo, representarão a principal exigência com que nos defrontaremos. Mas o que verdadeiramente me deixa perplexo nesta discussão pública, é um certo regresso do discurso do "trabalhinho", pelo qual me assalta a assuntadora e inevitável conotação etimológica da palavra "trabalho" (do Latim "tripaliu", que designava um aparelho de tortura...). A conversa do "só pagamos trabalho", traz de novo, no seu pior, o protagonismo de modelos de compreensão pré-sociais, os quais desprezam todo o percurso histórico-cultural de afirmação e procura da dignidade, do sentido e da valorização da própria actividade laboral humana, percurso esse que, designadamente no último século, marcou a própria história dos homens. Rui Assis
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