No calendário do mês anterior, o de Janeiro, publicado em Fevereiro, dizia-se, citando O Seringador, que algumas prenhezes redundariam em abortos. Meu dito, meu feito, o mês segundo, que foi o do Carnaval, ficará também conhecido como sendo o do aborto. Perante a apresentação, na Assembleia da República, de três projectos lei, a alargar as situações em que as mulheres podem interromper a gravidez sem risco de penalização judicial, Portugal foi inundado de propaganda dita anti-aborto que transformou o debate numa guerra sem ética. Desde a publicação, para distribuição gratuita, de um panfleto, intitulado Não matem o Zezinho, que mereceu repúdio unânime, mesmo de quem defendia a ilegalização total do aborto, até à publicação de anúncios enganosos que mostravam um feto, alegadamente de 16 semanas, como se fosse de 12, tudo valeu para assegurar a continuidade do negócio do aborto ilícito. Nem todos os políticos, chamados a terreiro sobre esta matéria, responderam como deles se esperava. Alguns deputados socialistas votaram contra os projectos de lei do Partido Comunista e da Juventude Socialista, enquanto que o senhor primeiro-ministro manifestava simpatia pelas mesmas posições que o PSD e o PP defendiam Os, também inesperados, votos dos deputados Pacheco Pereira, Rui Rio e Silva Marques, os três do PSD e os três a dizerem sim aos projectos do PCP e da JS, foram insuficientes para que a esquerda ganhasse. Manuel Alegre disse que a esquerda perdeu por um voto e que a direita ganhou com o apoio de alguns militantes do PS. Estes protagonismos dos eleitos para a Assembleia da República até fizeram esquecer que o Tribunal de Contas pediu a 23 deputados para que repusessem dinheiros públicos gastos indevidamente. É o velho caso dos voos em classe turística, pagos à tabela da classe executiva. Outros casos, noutros tribunais, começaram a dar que falar. Em Monsanto iniciou-se o julgamento dos neonazis acusados de genocídio e da morte, a pontapé, de um jovem negro, num 10 de Junho de triste memória para o Bairro Alto. Noutra instância, foi sentenciado a pena de quatro anos de prisão, por negligência grosseira, o autor do disparo do very light que matou um adepto do Sporting no final da Taça de Portugal, em futebol. Os emigrantes continuam a ser vítimas de discriminação e de desconfiança, até mesmo na França da Revolução Francesa, onde o Governo tenta aprovar e fazer aplicar legislação xenófoba. Na Espanha, um camionista francês, de origem portuguesa, atropela mortalmente, um camarada espanhol em greve. Greve, é como quem diz lock-out, pois o bloqueio camionista às estradas de Castela foi desencadeado pelos chamados independentes, isto é, pequenos patrões que se matam a trabalhar. O presidente Jorge Sampaio iniciou uma viagem de Estado a Macau e à China, Àlvaro Cunhal publica, no Campo das Letras, o trabalho da tese de licenciatura (Aborto, causas e consequências, 1940) que mereceu a aprovação com distinção dos lentes da Faculdade de Direito de Lisboa, e Zita Seabra, antiga militante do PCP, é apresentada como candidata do PSD à presidência da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. Na China morre Deng Xiaoping, no mesmo dia em que Rómulo de Carvalho (António Gedeão) morria em Lisboa. Se a data da morte do dirigente chinês foi a do anúncio oficial da morte do dirigente chinês, então estes dois nonagenários morreram no mesmo dia. Ambos saberiam, certamente, que o sonho é que comanda a vida. No reino do faz de conta, o televisivo jornalista Artur Albarran, agora no Canal 3 (SIC), estreou um novo show business - a cadeira do Poder - onde senta gente a fazer de primeiro-ministro e gente a fazer de chamado lider da oposição. De acordo com notícias fictícias naquele espaço difundidas, a filha do primeiro-ministro droga-se e é a favor da liberalização das drogas, enquanto que um (haverá mais?) secretário de Estado da Juventude passear- se-á, pela noite lisboeta, com uma amiga que tem todo o perfil de amante. Ainda a polémica da cadeira do Poder estava no ar (ameaçando continuar) e já outra surgia com o Bastonário da Ordem dos Advogados a mandar publicar um anúncio onde pedia, para trabalhar na própria ordem,um jovem licenciado em Direito, mas exclusivamente da Faculdade de Direito de Lisboa, da Faculdade de Direito de Coimbra ou da Faculdade de Direito da Universidade Católica. Quid iuris? Para as outras escolas (as privadas) de juristas. Socialistas e sociais-democratas, isto é, PS e PSD, disseram, em Fevereiro, ter chegado a um acordo para uma revisão constitucional. Tudo combinado fóra da Assembleia da República, o que, segundo a Imprensa de referência política, estaria a causar mal-estar em alguns sectores da bancada do PS. Os democratas-cristãos e os comunistas sentiram-se excluídos de um processo que, em princípio, deveria ocorrer apenas no Parlamento. Foi em Fevereiro que o Jornal de Notícias começou a oferecer, aos sábados, uma colecção de seis CDs de música tradicional portuguesa e que, no estádio das Antas, o Futebol Clube do Porto perdeu, pela primeira vez este campeonato, saindo derrotado pelo Salgueiros (1-2). O mês, como se sabe, é pequeno, mas, mesmo assim, ainda acolheu Carnaval quanto baste e o Dia dos Namorados, dito de S. Valentim, que sempre é mais cor-de-rosa do que o dia D. Como diz um (que anda por aí e é sobrinho de um tio qualquer), o que é preciso é que falem da gente, nem que seja para dizer bem. JR
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