É Urgente Quebrar o Muro da Fatalidade ! A fatalidade é um muro, uma barreira que nos deixa sem horizonte, sem sentido, sem amanhãs. A educação, pelo contrário, representa abertura ao futuro e capacidade de mudança. No entanto, e paradoxalmente, o discurso sobre educação surge muitas vezes carregados de fatalismo. Um discurso que, com frequência, nos chega pela voz dos próprios educadores. Os problemas do nosso sistema educativo são tantos, e tão graves, que parece não haver alternativa ao deixarmo-nos submergir por eles. Mas não haverá mesmo ? A fatalidade prende o nosso olhar ao chão impedindo-nos de encarar o obstáculo que surge à nossa frente. E, às vezes, acabamos mesmo por esbarrar ... O sentimento de fatalidade representa a impotência absoluta. As coisas estão mal e só podem piorar. E, sobretudo, nada vale a pena fazer para inverter o processo. Ingénuos, muito ingénuos, são aqueles que pensam de modo contrário. O discurso da fatalidade legitima o imobilismo, a paralisia, o deixa andar que logo se vê. Porque somos, e queremos ser, educadores, este discurso não nos serve. Não podemos ser pessimistas ao ponto de abdicarmos de intervir no dever humano. Estaríamos a virar as costas à nossa responsabilidade profissional. O que seria tanto mais grave quanto esta responsabilidade está ligada à formação de pessoas, de outras pessoas. Como podemos aceitar a tarefa de procurar orientar positivamente os nossos alunos, no sentido de contribuir para a realização do seu próprio projecto de vida, quando estamos tão convencidos da inutilidade desse esforço ? Não é fácil ser educador nos tempos que correm. São muitas e complexas as exigências que nos são colocadas neste final de século. E nem sempre a nossa voz é ouvida como seria justo, e necessário. Não são, pois, as dificuldades, os obstáculos, que estão aqui em causa mas a forma de lhes fazer face. Quer-se aqui uma forma de reagir própria de quem sente. Não basta efabular sobre o que está por detrás dos muros, como esse que a fatalidade representa, sem coragem para os derrubar. Fazemo-lo porque, no fundo, sabemos que para lá do muro não há mais do que a continuação do caminho. E o que, na verdade, nos falta é a força para continuar. Para continuar teimando, mesmo se nada está à partida assegurado, mesmo quando as certezas são apenas arquipélagos num oceano de incertezas, como diz Edgar Morin. Afinal o que é que é próprio do homem, ficar quieto, esperar sentado, acomodar-se ou lançar mãos à obra ? O que faz com que a vida valha a pena? O que significa estarmos vivos senão que estamos a caminho, procurando contribuir, com os nossos próprios passos, para a realização de um projecto comum? E contra vozes agoirentas é preciso apontar os indicadores positivos que balizam este nosso caminhar. Um caminhar solidário, feito em parceria com outros. Não como se estivéssemos abraçados, de olhar paralelo, contemplando a mesma visão do mundo, mas olhando-nos de frente, dialogando, negociando com o imprevisível, procurando, dia a dia, triunfar sobre o incerto. Refazendo o caminho, sempre que for caso disso. E é desta solidariedade, desta consciência de um percurso partilhado, que vem a força para saltar muros e derrubar falsas fronteiras. Andamos demasiado conformados, demasiado distantes uns dos outros. Há demasiados insectos nas nossas classes, demasiados entomologistas nos nossos estabelecimentos escolares, demasiados escaparates nas nossas salas de professores. Não há rostos suficientes, não há partilha humana suficiente.* Não podemos continuar assim! É preciso, é urgente, fazer qualquer coisa ! NOTA: Era outro o texto que me tinha proposto escrever mas depois de ter andado uma semana pelas escolas a tentar discutir matérias profissionais tão inquietantes, como a revisão do ECD e o projecto de diploma sobre habilitações para a docência, e de me ter confrontado com tanto não vale a pena, acabei por optar por estas linhas, tentando, por minha vez, superar o desencanto... Isabel Baptista * Philipe Meirieu. 1993. Enseigner, scenário pour un métier nouveau. (pg.146)ESF. Paris.
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