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Assistente Social - uma profissão da desconfiança do Poder

A assistência social é uma área tradicionalmente associada à mulher e ao conceito de caridade. Mas essa conotação tem perdido sentido: as funções e as exigências requeridas aos técnicos de serviço social mudaram com o evoluir da sociedade e com o aparecimento de novos factores de instabilidade. Por consequência, mudou também a imagem tipo e o género dos candidatos. Agostinho Rodrigues representa a mudança. Escolheu ser assistente social pelo gosto em ajudar os mais desfavorecidos e por considerar a actividade como um poderoso instrumento na valorização e integração social dessa camada populacional.

Quando frequentou o Instituto Superior de Serviço Social, no princípio dos anos oitenta, foi estudante e dirigente associativo. Naquela altura só era concedido o grau de bacharel ao curso, apesar de a outros congéneres, com igualdade de estrutura curricular e de anos de formação, atribuirem licenciatura. Esta situação, recorda, “originou protestos por parte dos alunos, que reivindicavam também a integração da escola na Universidade do Porto e o nivelamento do valor das propinas em relação ao ensino oficial”. Os estudantes de Coimbra e Lisboa aderiram à contestação, mas a equivalência à licenciatura só foi conseguida em 1984, sendo oficialmente homologada em 1990.

A sua primeira experiência foi ao serviço da Junta de Freguesia de Ramalde, tendo sido transferido, um ano mais tarde, para Lordelo do Ouro, onde desempenha o cargo de chefe de gabinete. A realidade social da sua área geográfica de intervenção, nove bairros sociais com uma população equivalente à de uma pequena cidade – cerca de dez mil pessoas –, traduz, na sua opinião, “problemas muito específicos de desestruturação familiar, maus tratos e exclusão, motivados, na sua maioria, por situações de desemprego, alcoolismo e toxicodependência”. As características do meio sócio-económico foram determinadas a partir de um estudo desenvolvido pelo seu grupo de trabalho e permitiram delinear as estratégias de actuação que iriam nortear o trabalho de campo.

“Como forma de inverter esta tendência procuramos criar condições para o desenvolvimento comunitário – efectuando uma prevenção social primária, ao nível da família –, e para a disponibilização de recursos”. Esta prioridade justifica-se pelo facto de existirem diversos casos de maus tratos infligidos a crianças. “Os próprios pais reconhecem a precaridade das situações, mas não aceitam a ideia de mudar de atitude. Importa, por isso, trabalhar a família como base para a alteração dos comportamentos”, explica.

As decisões tomadas pelos técnicos podem muitas vezes determinar o percurso de uma vida, em especial o de uma criança. Uma responsabilidade assumida, mas com a consciência de nem sempre se estar a trilhar o caminho certo. “Quando por motivos de instabilidade familiar é necessário enviar um caso ao tribunal de menores, estamos a praticar uma violência, por mais que ela se justifique. É uma solução que pode alterar a vida do indivíduo e condicionar, no futuro, todo o seu desenvolvimento pessoal”. Este exemplo, diz, “pode generalizar-se a muitas outras situações”.

“É preciso ver que os problemas que afectam a sociedade actual não são os mesmos de há duas ou três décadas. Nessa altura estavam bem localizados e limitavam-se praticamente a fenómenos de pobreza. Agora é difícil encontrar resposta para estas transformações num espaço de tempo tão limitado. Por esta razão, o grau de certeza com que agimos é mínimo. É um trabalho ‘indisível’, que se vai conseguindo por tentativas e não tem uma concretização ‘palpável’. Quem disser o contrário está a mentir”, afirma Agostinho Rodrigues.

“Uma profissão difícil e, de certa forma, angustiante. Simplesmente não se consegue ir para casa e deixar os problemas para trás. É impossível. No entanto, estava conciente do tipo de problemas e das situações dramáticas com que, por vezes, me iria confrontar”. É uma luta inglória. “Representamos o papel ingrato de gerir ‘peças defeituosas’ do sistema, de termos de constituir uma espécie de barreira entre essas pessoas e a sociedade”.

Por esta razão, diz, torna-se difícil efectuar uma avaliação precisa quanto à eficácia das acções desenvolvidas na comunidade. “A avaliação técnica do desempenho não chega. É preciso conhecer as implicações das nossas acções no desenvolvimento da comunidade. As forças de actuação devem orientar-se no sentido de aumentar o nível de auto-estima e valorização pessoal destas populações. Só assim podem reivindicar os seus direitos e encontrarem-se a si mesmas.”

Os assistentes sociais têm procurado sensibilizar as instituições públicas para uma maior aproximação e adaptação às realidades das pessoas. Contudo, “existe uma intransigência dessas estruturas em aceitar a mudança de atitude”. Os assistentes sociais aumentaram o seu poder de pressão junto das classes políticas e, por isso, têm sido olhados com desconfiança. “É uma actividade que abala as estruturas do sistema. Uma ‘força de bloqueio’, como alguém um dia se lembrou de apelidar.”

O Curso Superior de Serviço Social, criado em 1965 e tutelado pela Igreja Católica até 1974, “sempre foi conotado com uma formação de carácter ‘existencialista e de cariz imediatista’”. A situação mudou. O actual perfil da formação inicial ministrada e os conteúdos curriculares constantes são adequados, considera. O estágio final de curso, dois anos preenchidos entre a componente teórica e o trabalho activo, é um factor que, inclusivamente, constitui uma vantagem em relação a outras áreas de formação do âmbito.

A formação contínua revela-se também de extrema importância. De acordo com Agostinho Rodrigues, existe um esforço no sentido de reforçar o seu papel, mas ele é ainda insuficiente. As transformações sociais e a multidimensionalidade dos problemas multiplicam- se rapidamente e as exigências da profissão passaram a ter de acompanhar esta evolução. Para o técnico, a falta de especialização na carreira condiciona uma resposta mais efectiva a estas solicitações.

Ricardo Jorge Costa


  
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Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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