A voz é o instrumento mais ágil e versátil que existe e não é de admirar que o tema suscite a atenção generalizada. Contraditoriamente, aparece muita gente que sempre se lamenta de nunca ter aprendido um instrumento musical, que... "eu até tinha jeito para a guitarra... para o piano...", etc., etc., mas raramente se referindo à voz como instrumento e à necessidade de aprender a utilizá-lo. Já por duas vezes se abordou nestas páginas a questão da voz, nomeadamente através da entrevista ao tenor Rui Taveira e a propósito do livro de Margarida Vieira. Também já se sugeriu que do ponto de vista pedagógico e mesmo do ensino formal, o estudo da voz podia (e devia) sair das Escolas de Música (onde se aprende canto). Hoje poderíamos fazer uma rápida apreciação de alguns grupos musicais que têm colocado a voz in relievo. A saber, e para que conste como traço da década 90: - o quarteto masculino de Lisboa, Tetvocal; - ainda em Lisboa, o coro feminino Cramol; - no Porto, o sexteto masculino Vozes da Rádio e octeto misto Canto Nono. Apontando algumas características gerais sobre estes grupos, temos: - com excepção do Cramol, surgiram nos inícios dos anos 90; - cantam "a capella" (a tradição em Portugal é de grandes grupos corais - associações, coros universitários, etc.); - executam uma música diferente do que se convencionou chamar música clássica; - têm trabalhos discográficos editados (o que coloca questões técnicas, de mercado). Quanto ao "fenómeno" que deu origem a estes grupos, está por explicar, sendo que o facto até talvez nem seja relevante. Mais interessante seria saber porque optaram por não fazer música clássica, quando no nosso país não existe qualquer tradição daqueles géneros musicais-vocais. Neste aspecto são grupos pioneiros. Há quem avance uma explicação: não há compositores para a música vocal clássica do século 20. Se assim é, então estamos perante um problema. Seja como for, a utilização da voz é nestes grupos uma autêntica novidade (sobre a "socialização" destas propostas vocais não queria de momento adiantar mais nada por se tratar de outra questão). Um registo final para a recente edição discográfica de João Lóio, onde a voz aparece em diferentes registos. Sabe-se também estar na forja a gravação de música vocal clássica por um grupo coral universitário do Porto; atendendo à qualidade do grupo e à diminuta oferta no mercado discográfico de grupos corais clássicos portugueses, é de ficar na expectativa. O importante seria é que "o jardin cerrado para muchos", fosse aberto para todos. Mas isso entretanto seria uma outra longa história. Guilhermino Monteiro
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