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Sindicalistas

Os interesses e os direitos dos trabalhadores, por mais governos que alternem no poder ou por mais conquistas que sejam atingidas, encontrar-se-ão sempre numa espécie de equilíbrio instável. As sucessivas crises económicas que têm afectado o mundo e a necessidade de se procederem a reajustamentos na organização do trabalho e das empresas reflectem-se, em maior ou menor medida, nos rendimentos e nas condições de vida das pessoas comuns. Ou, numa outra análise, das pessoas que se encontram arredadas dos cargos de decisão. É deste exercício de equilíbrio entre interesses, muitas vezes antagónicos, que se faz a actividade dos sindicalistas e dos sindicatos que representam. Três histórias de quem vai à luta .

Passam poucos minutos das nove horas da manhã. Enquanto vai conversando, Manuel Almeida aguarda a qualquer momento que o telefone toque. Do outro lado, estará o gerente de uma empresa cujos trabalhadores têm os salários em atraso há um mês. Um simples telefonema, que poderá, no entanto, fazer a diferença entre avançar com uma reunião na fábrica e dar início a um processo judicial, ou resolver a questão logo ali. "É bastante comum em casos como este os empresários cederem quando ficam a saber que o sindicato está a par do problema e irá interceder. Marcar um encontro com a direcção da empresa funciona como um factor de pressão, uma maneira de darmos a entender que, se for preciso, partimos para outras formas de luta. Vamos lá ver se tudo se resolve a bem".

A sua vida enquanto activista sindical começou em 1973, aos 28 anos, quando trabalhava como serralheiro civil para a "Cepsa". Viviam-se tempos difíceis. A crise petrolífera que tinha estalado no ano anterior, imposta pela alta subida do preço do crude, fazia com que algumas companhias do sector ainda se ressentissem.

Passado menos de uma hora Manuel Almeida recebe a chamada. É o empresário. "Vão pagar hoje", diz, com a satisfação de quem atingiu o objectivo pré-traçado. "Já estamos habituados a isto. Actualmente, existem muitas empresas em dificuldades e nem sempre as coisas correm como deviam".

Por isso, crê firmemente que o sindicalismo é algo que não morre. "Enquanto houver trabalhadores explorados há sempre uma organização de defesa dos seus interesses sócio-económicos". A flutuação do número de

UMA QUESTÃO DE ATITUDE

Álvaro Pinto é coordenador do Sindicato de Ferroviários do Norte há quase quatro anos, mas anda pelas lides sindicais há mais de dezasseis. Justifica a sua actividade como uma "tomada de atitude" quando se começou a preocupar com a degradação das condições sociais dos trabalhadores do sector. Nessa altura, foi eleito pela primeira vez delegado sindical e aceitou a tarefa por saber que representava uma base de trabalhadores que contavam com ele e por sentir que podia fazer qualquer coisa ao serviço do sindicato. "O meu objectivo era tão só dar contributos para ajudar a melhorar as nossas condições de vida, compreênde-los, apontar pistas para a resolução dos seus problemas".

Apesar de se encontrar a trabalhar a tempo inteiro no sindicato, há 25 anos que a sua função nos Caminhos de Ferro é revisor de bilhetes. O tempo dedicado à vida em familía tem de ser gerido em função da responsabilidade que assume, mas Álvaro Pinto acha que eles já estão habituados e, principalmente, compreendem a razão de ser desta sua "actividade circunstancial". Mas quando aceitou este mandato já sabia o que o esperava. "É um cargo que exige mais responsabilidades do que aquele que desempenho na CP, mas não tenho por norma fugir aquilo que assumo. Pretendo ir até ao fim do mandato para o qual fui eleito por unanimidade e pretendo fazê-lo com muito vigor e determinação",

A disponibilidade e abertura total para encontros e reuniões é, aliás, uma das armas que considera ser fundamental para a resolução dos problemas laborais que se lhe deparam. "Temos de mostrar que estamos disponíveis para negociar a qualquer hora e dia da semana, para não criar situações de incompatibilidade com as entidades patronais. Não se pode dar nenhuma trégua". Também aqui, o telefone é um meio previligiado para manter o diálogo e resolver em menos tempo os assuntos que podem ser tratados a um nível informal.

Das diversas jornadas de luta em que esteve presente, houve uma que o tocou particularmente e lhe fez sentir que "valia a pena todo o esforço dispendido nas causas sindicais". Uma madrugada como outra qualquer, na estação de Santa Apolónia, durante a qual participava num piquete de greve. Fugindo à regra de uma adesão maciça, Álvaro Pinto conta que "apenas um trabalhador se recusava a aderir e a suspender o trabalho. Como não podíamos obrigá-lo tentamos convencer o homem de todas as formas, mas ele recusava sistematicamente. Com calma, expliquei-lhe a importância e o significado daquele acto, tentando fazer-lhe ver a felicidade interior que sentiria mais tarde em reconhecer algo que ele próprio tinha ajudado a construir. Levei mais de uma hora, mas no final consegui convencê-lo. Posso dizer que já tive de conversar com muita gente para as levar a aderir a greves, mas o caso daquele trabalhador foi especial porque ele estava bastante convicto da sua posição inicial".

Do futuro, nunca se sabe o que esperar. Existem transformações a operar-se no tecido económico que exigem uma transformação e uma adaptação nas estruturas sindicais mas, diz Álvaro Pinto "podem estar tranquilos os senhores que arvoraram o fim dos sindicatos, porque estão redondamente enganados. Enquanto existirem trabalhadores existirão sempre sindicatos".

Ricardo Jorge Costa


  
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Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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