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Trabalhos Na Noite

A vida nocturna conheceu um novo impulso desde hà alguns anos para cá. Multiplicaram-se os bares, as pessoas, e as saídas deixaram de estar limitadas apenas ao fim-de-semana. Assim, as profissäes nocturnas deixaram, aos poucos, de ter uma conotação negativa e hoje em dia constituem uma alternativa de vida. Como são e como vivem? As respostas só as encontra quem por hábito perder-se na noite e seguir a lua até ao fim. Um olhar.

00:15 h

Lua em quarto crescente

Hà diferentes maneiras de começar a noite no Porto. Em casa dos amigos, no café da esquina, ou indo &ldots; Ribeira. Aqui, as noites nunca são iguais por haver zaragata entre a população local, ou porque hà aquela casa bonita que ainda não se tinha dado conta, ou simplesmente por se ter lugar sentado no "Está-se Bem" da D. Carmo e do sr. Adriano.

Não são iguais as noites, como nunca são iguais as conversas. E as discussäes, com algum sabor a cerveja, amigáveis e não amigáveis, sobre assuntos que algumas vezes interessam e outros que não interessam. As pessoas estão sentadas nas soleiras das portas, outras em pé junto delas, outras vão passando. E ficando, e indo. A certa altura vê-se aquele amigo da porta. Aquele que nos dá um cartão sem consumo e ainda nos oferece uma bebida.

É o Jorge. Trabalha hà dois anos num dos bares mais antigos da Ribeira e tem a seu cargo o controlo das entradas e saídas. De vez em quando muda de posto e trabalha no balcão. Diz que "é melhor, mais animado e pode-se ir bebendo qualquer coisa. Mas dá mais trabalho do que estar na porta ou na caixa de saída, sem dúvida. Aqui tem que se estar muito atento aos pedidos dos clientes que, como se vê, não faltam".

Pagam-lhe noventa contos para estar atento. Mas não só. No fim da noite é preciso arrumar as garrafas, limpar os balcäes, lavar o resto da louça suja e fazer as contas no final. "Também gosto dessa parte. Ficamos todos aqui a comer qualquer coisa e a combinar um sítio para ir a seguir. E diz que não trocava o lugar que aqui ocupa por outro qualquer. "Aqui conhece-se bastantes pessoas, especialmente na minha posição".

2:05

Lua em ascenção

Muitos das pessoas que estão por trás do balcão dos bares exercem outra actividade paralela. Desde modelos e manequins, a estudantes ou jornalistas, passando por muitas outras profissäes, quase todos pelo prazer da profissão e pelo dinheiro extra que vai fazendo jeito. No caso dos modelos fotográficos isso é comum, porque pode representar um meio de se lançarem no mercado. Por vezes podem trabalhar doze horas em pé, sem quase desviar o olhar das garrafas, do gelo e das rodelas de limão, atendendo clientes em catadupa.

É a esta hora que os bares e discotecas começam a ficar mais cheios. Mas, olhando para a entrada, hà sempre mais alguém a chegar. Afogada por entre pedidos de clientes e a cerveja que não pára de tirar para copos de plástico, Raquel, empregada de balcão em part-time, desabafa com o cliente mais próximo já em tom de desespero: assim nunca mais saímos daqui...

É de Trás-os-Montes e está no Porto a estudar, dividindo o seu tempo entre o bar e a faculdade. Ao princípio, refere, custou-lhe a habituar-se a este ritmo louco, mas aos poucos foi ganhando experiência. "Quando comecei, por exemplo, demorava muito tempo a servir um fino ou a fazer um cocktail. Parecia que estava tudo em cima de mim ao mesmo tempo. Agora é mais fácil. Mas o horário que escolhi, para ser compatível com as aulas, é sem dúvida o mais movimentado, o que representa trabalho a dobrar". Mas adianta que é "simpático" trabalhar naquele local. "As pessoas são agradáveis, fazem-se bastantes amizades e acima de tudo convive-se muito. As noites são sempre diferentes, é por isso que gosto de fazer isto".

3:15 h

A lua vai alta

São três da manhã e Raquel acaba por fim o seu turno diário. Apesar de amanhã não haver aulas, o sono invade-lhe o corpo. "Hoje vou para casa, mas é costume ir a mais um ou dois sítios antes de voltar para casa". Nesse caso, a noite prolongar-se-ia então por mais três ou quatro horas, ou podia mesmo ir além das nove da manhã.

Sítios não faltam. Aliás, &ldots; saída de muitos bares e discotecas consegue ouvir-se quase sempre a mesma pergunta: onde vamos agora? Para quem ainda tem dinheiro a resposta situa-se na parte ocidental da cidade: Foz, Matosinhos, zona industrial. É aí que se situam as discotecas que costumam encerram mais tarde e receber os noctívagos mais persistentes. Aqueles que ainda tomam banhos de lua. E ecstasy.

E a essa hora já não é difícil entrar em qualquer sítio e em qualquer onda. Quem ainda se encontra acordado sente o espírito mais liberto e deixa-se levar pelo ritmo. Dança-se em cima das colunas de som. Numa delas, C.F., que se quis identificar apenas com as iniciais, movimenta-se de forma contagiante ao som de 'jamiroquai'. Essa é a sua profissão. Bem paga, por sinal.

C.F. recebe cerca de quinze contos por cada noite de trabalho. O emprego é apenas um part-time da sua principal actividade: professora de aeróbica numa academia de ginástica. "Eu não sou profissional nesta área, mas hà pessoas que fazem disto a sua principal ocupação. Eu só cá venho dançar três noites por semana, o que mesmo assim já é puxado. Mas eu gosto, senão não estava aqui".

Uma hora e uns copos depois, continua a chegar gente e o ritmo não abranda. É altura de sair.

6:40

A lua morreu

Já a noite desceu e com ela a luz da lua. Tempo ainda para uma visita rápida ao rei dos croquetes e das coxinhas de galinha. O atendimento pode não ser o mais prestável, mas será preciso ter em conta, claro, as dezenas de clientes que &ldots;quela hora ainda ocupam quase todas as mesas disponíveis. Um lugar entre outros, espalhados pela cidade, &ldots;quela mesma hora, onde se dão os dois últimos dedos de conversa.

E pensar que tinha ficado gente na pista que iria continuar a dançar até daí a umas horas, arfando por um copo de água. 'Ravers'. Aqueles que consomem pastilha e necessitam de grandes quantidades de água para compensar o corpo pelo esforço dispendido. Para impedir isso, e obrigar esses clientes a consumir água engarrafada, algumas discotecas fecharam ou tiraram as torneiras das casas de banho. Simples.

A noite mudou, sem dúvida. A únúca coisa que se mantém é a castradora ideia do cartão de consumo, que nos impede de simplesmente beber uma cerveja e sair para outro sítio. Abaixo a tradição.

Ricardo Jorge Costa


  
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Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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