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Pois É...

Vocês sabem. Vivemos num país onde as pessoas raramente exprimem as suas opiniões. Quase todos refilões de café. Quando temos de nos confrontar com as instituições, as autoridades, ficamos mudos. Somos tomados pela tentação da conciliação. Pois é, assim assim, mais ou menos, talvez, se calhar, até pode ter razão, mas...pois.

Apesar desta velha tendência, os portugueses vão dizendo que o ensino está mal. Agora não se ensina nada. As crianças não aprendem. Se lhes perguntamos porquê, dizem que parece que. Vive-se um grande mal estar na educação.

As críticas ao ensino e a preocupação sobre a sua qualidade têm origem numa baixa confiança no sistema escolar. Vários sectores da nossa sociedade e todos os grupos sociais, exprimem esta falta de confiança. As razões são muito variadas. Deixo ao leitor a sua enumeração.

Este mal estar pega-se aos professores. Estes têm razões profissionais para se sentirem mal. Em primeiro lugar são mal pagos e ninguém se sente bem quando sente que o seu trabalho é mal pago. O sentimento de ser mal pago anda inevitávelmente associado ao sentimento de não se ser socialmente reconhecido. É tudo simples, se me pagam mal é porque não valorizam o meu trabalho. É porque o meu trabalho não interessa, não é sentido como socialmente útil, produtivo. A este sentimento junta-se a pressão da sociedade, o tal mal estar, a tal crítica do mais ou menos aberta, a tal desconfiança, a falta de reconhecimento social. Ingredientes suficientes para os professores se sentirem mal.

Mas não é só isto. A observação do quotidiano escolar é desmoralizador. A falta de autonomia. Os regulamentos estreitos e desajustados das necessidades práticas. As instruções, as contra-instruções e a falta de instruções. As modificações mandadas não se sabe donde, desajustadas. A sobrecarga de trabalho. O anonimato. As práticas de ensino reduzidas ao manual, ao quadro, giz e livro de ponto. O espaço escolar acanhado, pobre ou quando muito remediado. A vontade de gritar, de espatifar esta mediocridade estabelecida, de criar, de ser professor.

Reconheço que há agentes de ensino que se encaixam bem neste quadro. Atingiram as suas espectativas sociais mais altas. Conhecem razoávelmente os meandros burocráticos da carreira. Sabem já fazer o relatório crítico. Sabem o número de anos que lhes falta para a reforma. Dão as suas aulas tranquilamente. Cumprem razoávelmente o manual escolar. Chumbam uma percentagem adequada de alunos por turma. São cordatos e simpáticos nas reuniões de avaliação. Contam impecavelmente as faltas dos alunos e os seus números estão sempre mais certos do que os do director de turma. Têm os alunos divididos em quatro grupos: os que nunca mais se safam, os que com esforço talvez se safem, aqueles de que não falam e o pequeno grupo daqueles de que gostam de falar. Não é destes agentes de ensino que eu espero a mudança, o fim deste mal estar. Essa virá do gosto de ser professor.

José Paulo Serralheiro


  
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Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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