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O Nosso Empresário

Agora é para todos o senhor Soares. Os dedos das mãos andam ornamentados com grossos anéis de ouro refulgente e novo. Também não dispensa a grossa pulseira e a “volta” de ouro ao pescoço. Por enquanto, prefere o BMW turbo diesel embora vá adiantando que os amigos insistem para que vá pelo Mercedes, mas não gosta da ideia, porque não os há vermelhos. O senhor Soares não consegue deixar de gostar de carros vermelhos.

Há vinte anos, o senhor Soares, era só o Soares. Actividade indefinida. Não se pode dizer que tivesse profissão. Biscateiro, dava os passos necessários para se transformar em empresário português.

Naquele tempo — diz agora com orgulho — “vivia disto e daquilo. Dava sapatos a coser ao domicílio. Metia-me de permeio no trespasse de uma ou outra tasca. Ajudava este ou aquele a comprar casa. Comprava aqui para vender ali. O que calhava. O que é preciso é iniciativa, esta terra está cheia de otários, de gente a precisar dum conselho, duma ajuda. Ganhei bom dinheiro, mas deu-me muito trabalho”.

Mas esse tempo de aprendizagem e de acumulação de capital inicial, já vai longe. Hoje, o Soares é empresário português. Exige respeito, reconhecimento, e muita consideração.

Quando comprou a fábrica aos alemães, a primeira coisa que fez, foi mandar mudar a tabuleta do quarto de banho das mulheres. “Os estrangeiros, meu caro amigo, não percebem nada da nossa língua. Tinham uma tabuleta no WC das mulheres que dizia: Senhoras. Veja-me a estupidez! Na minha fábrica só há uma senhora que é a minha 'esposa'. As outras têm de saber que são só mulheres. Sem disciplina, sem cada macaco no seu galho, uma empresa não vai a lado nenhum.”

Agora, o nosso empresário, para além do telemóvel, tem uma vida social muito agitada. Sabe que é preciso estar nos lugares certos e da maneira certa. Aprendeu muito, nestes últimos quinze anos.

Mandou fazer uma casa que é um mimo. Quatrocentos e tal metros quadrados cobertos, fora o espaço aberto, onde fica a piscina e o “barbeque”. Neste espaço aberto, se estiver bom tempo, colegas de negócios e respectivas “esposas” e filhos, banqueteiam-se três ou quatro sábados por ano com os inevitáveis “barbequos” . Categórico, o senhor Soares, diz que estas festas, se lhe custam uns cobres, lhe dão uns milhares. Sabe que no seu meio, a boa comida e a abundante bebida, ajudam a fazer bons negócios.

Mas os melhores negócios e a análise da situação política do país, são feitas em noites de sexta-feira, à roda da mesa de jogo. É em noites dessas, na sala, envolvidos por mobiliário de estilo, tapeçarias persas e vitrines onde se expõem as pratas e os cristais, jogam-se longas partidas de bisca lambida. Ali só se bebe Wisky velho, uma bebida que o Soares, com o tempo, aprendeu a suportar. Ele preferia um tinto espesso, mas o Wisky, a roupa, o carro, a casa, fazem parte das suas novas responsabilidades e estatuto social.

Nestas noites de jogatana, enquanto se vão esvasiando umas garrafas e devorando uns aperitivos, fazem-se negócios, discute-se a política geral e despotiva e socializam-se cohecimentos. Assim se conhecem novas pessoas certas, se aprende a dirigir a empresa, o modo de pagar aos trabalhadores, a fugir ao fisco ou ludibriar a inspecção de trabalho. Cada cabeça sua experiência.

Nos últimos vinte anos, o senhor Soares aprendeu muito. Agora sabe lidar sem esforço com a banca, assina letras ou livranças e pede subsídios com total desembaraço. Se vai mudar para um banco espanhol, é porque desde o dia em que lá entrou, o gerente o tratou por Dom Soares. Gostou da deferência e do tratamento.

Mas este novíssimo empresário aprendeu ainda mais. Conhece os médicos certos que dão as baixas necessárias. Sabe cultivar a cumplicidade com operários e operárias. Sabe quando estes e estas devem ir de baixa e assim, controlar as despesas nos momentos de menos encomendas. Sabe como pôr a Segurança Social a pagar o salário às operárias.

O Senhor Soares aprendeu também a não pagar impostos. Considera-os um roubo do Estado, à sociedade civil. Como é do norte, não está para sustentar os mouros. Dos mouros exige os subsídios, para alguma coisa deve servir a capital.

O senhor Soares aprendeu a viver dos subsídios do Estado e como qualquer bom empresário, não parece um pedinte, mostra-se como homem de sucesso, empreendedor, dinâmico, um pilar da nossa economia e sociedade.

É verdade que o Soares de vez enquando tem saudades da taberna da Fernandinha. Mas o trabalho de empresário é duro e exige sacrifícios, por isso se contenta com o Wisky velho, essa maldita bebiba dos escoses.

José Paulo Serralheiro


  
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Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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