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Da cena dos auscultadores aos territórios educativos ou... que grande volta que isto dá...

Ocupava-me eu, antes da intercepção da MÓNICA, Maria Filomena, da questão da autoridade do/a professor/a num contexto de crise dos recursos tradicionais da Escola, crise esta que é um processo simétrico da emergência do aluno, enquanto actor social. Prosseguirei, com a benevolência, já com provas dadas, do meu caro leitor.

O estatuto de actor social que muita da investigação actual sobre a Escola tende a reconhecer no aluno, sendo um fenómeno consequente da massificação da Escola, é também um produto do processo da construção social da adolescência e da juventude, fases de desenvolvimento onde as características bio-somáticas são profundamente investidas de significados simbólicos e materiais em que se empenham as formas dominantes da sociedade de consumo de que estamos rodeados.

Nestes termos, a crise da Escola não resulta apenas da massificação e do alargamento da escolaridade; resulta, muito mais, da multiplicação das contradições sociais e culturais que se geram no caldo de interacções muito diversificadas, para as quais, frequentemente, as experiências individuais anteriores são um suporte frágil, tanto mais frágil quanto mais intensa é a socialização transversal dos adolescentes e jovens das nossas escolas, a que se associa a banalização das relações verticais que perdem, assim, o seu efeito de enquadramento e de referencialização. Neste clima, a autoridade institucional, que era apanágio das escolas, como era das famílias,tende a esvaziar-se do seu carácter simbólico e demiúrgico, que era omnipresente e assegurava, por isso mesmo, a interiorização das normas e as respectivas disposições de acatamento. Convenhamos que a base social das escolas era completamente outra.

Hoje, a autoridade já não é uma componente natural das instituições. Como dizia uma colega, há uns tempos atrás, a propósito de certas cenas amorosas entre jovens e da dificuldade em intervir nelas: "tiraram-nos o tapete debaixo dos pés". Referia-se, obviamente, às consequências do 25 de Abril, que havia desmantelado a sua retaguarda política. Vemos, assim, como duma forma tão simples, a autoridade institucional aparece como uma função do sistema político global. Ou, se quisermos tornar as coisas mais evidentes, como o professor aparece sob a forma de um agente do Estado e como se reconhece protegido por ele.

O recuo do Estado e a correlativa democratização social remete para o domínio da interacção social o que antes se apresentava como naturalmente definido. Só que a interacção não é uma bola de cristal. Implicando actores, implica interesses que, num contexto perseguido pela lógica do cliente, pressupõem redefinição permanente e, portanto, função e disfunção. Como articular educação, que implica princípios transcendentes aos actores, com interacção que é um jogo interior aos interesses dos actores? Ou dito de outro modo: qual o princípio que autoriza a transformação da interacção (que é uma situação de facto) em educação (que é uma situação de direito e de valor)?

O problema é tanto mais complicado quanto se pode argumentar que os actores, em interacção, já agem enformados por valores, isto é, representam os seus actos como sendo legítimos de acordo com as suas representações de legitimidade. O adolescente com os auscultadores à cabeça em dia teste admite que o seu gesto é positivo para o seu trabalho. Ora, é esta característica da acção e da interacção - o facto de serem regidas por valores implícitos - que torna a intervenção educativa problemática: a intervenção educativa visa construir valores, destruindo outros que já existem. Operação esta que encalha, muitas vezes, neste pequeno pormenor: é que a destruição dos valores anteriores tem de ter a colaboração activa e empenhada do próprio: é, de alguma forma, uma auto-destruição consentida.

E isso em nome de quê?

Alguns, frequentemente os didactas, dizem que em nome da motivação. Trata-se duma questão de condicionamento do comportamento pelos estímulos. Outros, frequentemente os políticos, em nome dum Projecto Educativo. Trata-se de inventar novos territórios educativos que aproximem as preocupações do Estado do protagonismos dos actores. Outros, mais frequentemente os pedagogos, em nome da comunicação e da partilha da vida, numa aventura comum entre o pudor e a modéstia. Não é verdade, HAMELINE?

Resta saber o que têm a dizer os professores Que, provavelmente, nada disto funciona na prática? Ou funciona um pouco de tudo? Talvez, então, seja por isso que a prática é a mais funcional de todas as teorias...

E você, leitor, ainda resiste?

Manuel Matos
FPCE - Porto


  
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Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

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