Por: Manuel Matos Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) - Então, e tu o que fizeste?- perguntava o interlocutor à professora do aluno com os auscultadores à cabeça. - Isso é muito complicado de explicar -, respondeu. Terá de ficar para a próxima. A próxima é esta. Para aqueles que só agora chegam, lembrarei que estou a contar uma história verdadeira que se passa numa sala de aula, onde um aluno se apresenta de auscultadores à cabeça para fazer um teste e pergunta à professora se pode. Sublinhemos, antes que passe, a pergunta do interlocutor: "Então, e tu o que fizeste?"- Notemos que não é: "Então, e tu o que disseste?". O importante, aqui, é a acção, porque se trata de transformar uma situação, que não tem sentido educativo, num comportamento não só adequado, mas com sentido para o próprio aluno. Então, a palavra é o instrumento da acção. Mas é um instrumento complexo porque tem de articular a intenção do falante com o quadro significativo do ouvinte de tal modo que o ouvinte possa, ele próprio, agir sobre o seu quadro de significação, reconhecendo o sentido do seu acto, em confronto com a intencionalidade do falante e aceitando alterá-lo . A palavra é, claramente, aqui, a comunicação para a cooperação, como diria BERGSON, o que é, de resto, a função primitiva da linguagem. A palavra cria, portanto, as condições para a mudança. Cria se...o falante também mudar de modo a enquadrar-se na situação do ouvinte, abandonando a atitude espontânea e mecânica pressuposta na palavra vazia Teste é teste . O encontrar a palavra exacta para a situação corresponde assim a construir outra atitude, processo que está documentado na série de questões que a docente se põe a si própria perante o inédito da situação. Esta busca solitária e interior, vertiginosa e contraditória, não é um mero processamento da informação, como tendem a dizer os neo-pedagogos à la mode. Não se trata de trabalhar dados no interior dum sistema já pre-figurado; trata-se de integrar contradições do sistema a partir da revisão crítica do papel que os actores desempenham nele. Ora, isso significa produzir e introduzir opções não previstas no sistema, defendendo-se com ele contra ele. No caso dos auscultadores, a professora serve-se do sistema, donde lhe vem a autoridade, para tentar construir uma relação não autoritária, tendo em vista uma opção de vida e de escola assente numa relação autorizada, isto é, construída com a participação dos actores assumindo-se como autores da relação. Tudo isto parece palavreado fácil, ainda por cima muito à la mode. Concedamos, por um momento. Mas conceda-me o leitor também mais algumas linhas de atenção. O que é o adolescente de auscultadores à cabeça em dia de teste se não o caso típico do actor social que produz inovações nos contextos organizacionais, justamente à medida que a sua socialização se faz em contextos de fronteiras psico-sociais cada vez menos definidas? A sua acção é, por isso, cada vez menos regulada por critérios que se sobreponham aos seus interesses imediatos. Nestas condições de descontextualização (deixem passar mais este à la mode), as regras que antecipam o sentido da acção tornam-se flutuantes, permitindo assim, os comportamentos esquisitos em confronto com as estruturas do sistema previamente reguladas. A atribuição de esquisito é minha e é bom de ver que o aluno não a faria. Essa é a vantagem da autoridade, poder definir o sentido das coisas, dando-lhes nomes e conferindo-lhes significados de fora para dentro. Bastará para se ser autorizado na matéria? - Como tudo isto é chato, senhores -, dirá cá um certo leitor que não é, evidentemente, você.... - Antigamente, era tudo muito mais simples -... Concordo inteiramente, mas pouco posso fazer, a não ser continuar, perdendo, eventualmente, um certo leitor. (Janeiro/97)
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