O ano lectivo de 97/98 vai ser o ano de preparação da aplicação de um novo regime de autonomia e gestão das escolas. Estarão criadas as bases para a implementação efectiva desse novo modelo? Estão e não estão. Ou seja, há um conjunto de bases que estão criadas por aquilo que é a apropriação por parte dos professores de formas e de práticas democráticas de participação na vida das escolas, mais desenvolvida em alguns sectores de ensino do que noutros. Essa é a base fundamental para qualquer transformação que continue a apelar para formas de organização de escola em que os professores tenham um papel e uma dinâmica grande nesses processos. O importante, no entanto, para além desta espécie de lastro existente a nível da participação dos professores na vida das escolas, é que, estando num processo de mudança tão importante como este, é fundamental as pessoas envolverem-se na própria mudança. Perceberem o que é que se quer mudar, porquê e se estão de acordo com isso. A este nível há falhas muito grandes, porque o próprio Ministério da Educação contraria este sentido ao afastar os professores da discussão destas matérias. E este pode ser um erro terrível em termos de futuro. O ministério da Educação está, ao que sabemos até hoje, a mobilizar os espaços institucionais de debate. Ou seja, vai querer que as propostas enviadas ao Conselho Nacional de Educação sejam objecto de um parecer deste órgão, e como este órgão é uma estrutura de representação alargada, considera que os contributos que dali verterem chegam para se perceber o que são as opiniões sobre a gestão. Isto é um erro gravíssimo, porque mais do que a opinião que daí decorre, é indispensável que os professores, em geral, conheçam aquilo que se está a apontar para o futuro. Acima de tudo, é fundamental que o novo modelo de gestão não seja como os anteriores (um modelo com tudo previsto e formatado), mas sim um modelo que tendo uma determinada matriz, permita uma flexibilização em relação aos contextos locais. Uma nota positiva é o facto de, em termos de grandes princípios, ser igual para todos os sectores de ensino, acabando-se, a partir daí, com uma divisão que existe hoje entre o modelo para o 2º e 3º ciclos e secundário e outro para as escolas do 1ºciclo. O relatório final referente à "Avaliação do regime de direcção, administração e gestão dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário", elaborado pelo Conselho de Acompanhamento e Avaliação, continua à espera de ser divulgado pelo M.E.. Esse é um segundo erro grave do M.E.. No nosso país não estamos habituados à realização de experiências pedagógicas, em vários domínios, acompanhadas e avaliadas tão seriamente como foi o caso do decreto 172/91, que tentava também introduzir um novo modelo de gestão, curiosamente com os mesmos erros processuais deste. Ou seja, foi uma discussão que passou ao lado dos professores. Aquilo que se constituiu, primeiramente, como uma proposta, teve um parecer do Conselho Nacional de Educação e surgiu, logo a seguir, o decreto-lei. A diferença é que, do mal o menos, o avanço para esse novo modelo foi traduzido em termos da escolha de um conjunto de escolas para o experimentar durante três anos. No fundo, foi apenas uma amostra de 54 escolas e áreas escolares, enquanto as outras continuavam a funcionar nas lógicas anteriores. Essa amostra foi objecto de avaliação, cuidada, intensa, criou-se um conselho de acompanhamento, onde a Fenprof esteve representada, que no final emitiu um relatório sobre o que viu do impacto no terreno desse modelo. Nesse relatório o Conselho decidiu, a meu ver muito bem, não se limitar apenas a dar conta desse impacto no terreno, mas, ao olhar para ele e admitindo que estavámos num quadro de alteração do regime de gestão, fazer um conjunto de recomendações para um novo modelo. Quando se diz recomendações para um novo modelo, no fundo também se está a dizer algo que se pode concluir dessa avaliação: o modelo enquanto tal está chumbado, não serviu para alterar o quadro da organização das escolas, nomeadamente no sentido da autonomia. Mas entre as várias recomendações, fez uma que é, no nosso entender, decisiva: Não adianta alterar morfologicamente a organização da escola, mexer nos órgãos e sua composição, alterando apenas a esse nível, sem, paralelamente, mudar profundamente o sistema educativo Essa é a conclusão que, no fundo, é globalizante de todas as outras. Dizia-se ali que não bastava actuar ao nível da escola apenas por alterações de lógicas de funcionamento, e que, além disso, teria de se mudar todo o sistema no sentido da Lei de Bases do Sistema Educativo e da descentralização da administração educativa. Isto implicava que, a par das propostas anteriores, aparecessem, hoje, novas propostas a mostrar como é que a administração centralizada do passado, e que se mantém até hoje, se descentralizaria. E as propostas que o ministério apresenta não avançam um milímetro nesse sentido. Embora falando em autonomia de uma maneira diferente da que se falava em 1991, com esse modelo o ministério mexe apenas ao nível da escola, propondo unicamente um modelo de organização de escola e nada falando sobre os estádios intermédios, que estão consagradas na L.B.S.E.: o regional-autónomo, o regional e o local. Era preciso perceber como é que o poder se distribui por patamares vários até chegar às escolas. E isto é complicado porque, se calhar, com estes custos da autonomia está a alimentar-se um efeito perverso que é apenas o de aliviar pressões que o M.E. sofre actualmente, entregando-as às escolas, mas não alterando, no fundo, o essencial do problema. Que soluções aponta a Fenprof? Uma das propostas mais caras à Fenprof, porque a defende desde 1987, logo a seguir à aprovação da L.B.S.E., bem como por outras estruturas como a Comissão de Reforma do Sistema Educativo, é a seguinte: para o nível local deviam ser pensadas estruturas que designamos por Conselhos Locais de Educação (CLE). Seriam estruturas correspondentes não a uma escola mas sim a um território que englobasse as escolas dos vários níveis de ensino. Vamos supôr que a norma era a área geográfica do concelho, podendo não ser, porque defendemos que nos grandes centros urbanos deveria haver mais do que um CLE. Todas as escolas desse território conheceriam as competências próprias desse conselho, implicando que ele também tivesse autonomia e que fossem claras as respectivas áreas de decisão. Poderia decidir em áreas como a organização da rede escolar, já para não falar em matérias mais óbvias como a rede de transportes, fazer a gestão conjungada dos recursos, fomentar as trocas entre a comunidade e as escolas, pelo aproveitamento dos recursos existentes naquele território, enfim, um conjunto de competências que fossem dirigidas à totalidade das escolas, procurando equilibrar as assimetrias do sistema que, temos visto, se tendem a acentuar. Era uma preocupação global, um olhar global sobre as escolas dos vários níveis de ensino, no sentido de aproveitar recursos, nomeadamente aqueles que fossem canalizados para a educação, quer pelo orçamento de Estado quer pela intervenção de outros interessados nesta área, sendo geridos numa lógica de território e não de escola. E quando dizemos que devia ter poderes próprios não é no sentido de tirar poder à escola. Este órgão nunca foi visto como algo que diminuisse a capacidade da escola, mas logicamente como um órgão que retiraria poderes aos patamares superiores do sistema, que hoje estão no plano central ou, quanto muito, delegados noutras estruturas. Os poderes a nível da administração educativa continuam, praticamente, todos em Lisboa. O que se fez, através da criação de estruturas descentralizadas do ministério , como as Direcções Regionais de Educação (DRE) ou as Coordenações de Área Educativa (CAE), foi aproximar o ministério e o poder central das escolas, mas continuar com tudo dirigido desde cima, porque se torna evidente essas estruturas não têm qualquer autonomia. Nós achamos que existem poderes que devem estar representados a nível central, mas há poderes que devem ser atribuídos, de pleno direito, a outros níveis de decisão. Para além deste conselho, que outras medidas propõe? Seão necessárias também medidas no plano regional, previstas na LBSE, a ser trabalhadas a par da regionalização administrativa, actualmente em debate. A Fenprof, no entanto, entende que para se descentralizar o sistema educativo não é necessário estar-se à espera da regionalização política. Até porque ela poderá não ser tão profunda em termos de descentralização como isso. Mas as duas situações deveriam acontecer em simultâneo. Portanto, se será previsível que quando houver regiões também haja, não sei com que designação, estruturas regionais de educação com alguns poderes, para além disso, no sentido da aproximação às escolas, era necessário que outros órgãos e os próprios órgãos das escolas tivessem mais autonomia e mais capacidade de decisão. O professor João Barroso questiona-se se existirá um consenso alargado sobre a necessidade de desenvolver a autonomia e a participação das escolas e, principalmente, se essa reivindicação será independente de ideologias, perspectivas políticas ou interesses individuais. Qual é o seu comentário? Poderá não haver um consenso alargado, mas eu poria esssa questão de uma outra maneira: existe uma enorme necessidade de autonomia para o funcionamento das escolas. Com isto, estou a dizer que é possível que nem todos os professores estejam hoje ganhos da mesma maneira para reclamar uma maior autonomia para as escolas. É também um dos efeitos perversos de todo este centralismo desresponsabilizante. Quando se planifica tudo e se prevê tudo em normativos, quando os comportamentos nas escolas são previsíveis numa lógica de uniformidade, quem está nas escolas acaba por se adaptar, uns mais do que outros - há ainda grandes bolsas de criatividade e de autonomia exercidas ao nível das escolas -, mas acaba por haver uma adaptação a esta lógica. Que, repito, é uma lógica desresponsabilizante, é fazer segundo a norma, procurar não pisar o risco. Isto, para dizer que esse consenso alargado de que fala João Barroso não é tão alargado como poderá vir a ser, mas pensamos que ele se criará e se desenvolverá quando estas matérias passarem a ter uma visibilidade diferente por parte dos próprios professores, quando perceberem, e se assim for, que se deve avançar para a autonomia. Quando isto estiver colocado como meta, a nossa opinião, enquanto Sindicato dos Professores do Norte, e como Federação que somos, é que os professores irão avançar neste sentido. Não vão é avançar todos ao mesmo tempo. E esta também é uma questão que, para nós, é pacífica. Seria um erro pensar que, de um momento para o outro, num mesmo ano ou num mesmo dia, todas as escolas mudavam para novas formas e novas lógicas de organização. É preferível que se deixe, respeitando as dinâmicas já existentes e os ritmos que as escolas querem colocar, avançar este processo de uma forma gradual e que alguns exemplos sejam incentivadores de outros. Fundamental é existir uma grande discussão e perceber as vantagens de se avançar no percurso da autonomia. Independentemente de posições políticas, interesses individuais ou de grupo? Independentemente nunca será. Eu acho que aqui não há independência de interesses políticos e aproveito a pergunta para comentar alguns dos riscos das propostas que o ME apresentou, nomeadamente ao nível da autonomia. O ME avança com dois níveis ou duas fases de autonomia para as escolas. Nós não percebemos a necessidade de haver duas fases porque, num quadro de autonomia, as escolas não vão ser iguais, completamente uniformes. As escolas vão ser diferentes. Aliás, elas só começarão a ser diferentes quando exercerem a autonomia. O que precisamos delimitar, no nosso entender, é até onde vai a capacidade de decisão própria das escolas, aquilo que elas podem decidir em última instância, responsabilizando-as pelas decisões que tomarem. Ao contrário do centralismo, a autonomia e a descentralização criam responsabilidade pelo exercício dessas competências. Não havia necessidade de se criar, em absoluto e para o futuro, dois níveis de autonomia, com umas escolas a serem olhadas como mais autónomas do que outras, por poderem exercer poderes que às outras são vedados. E quando reparamos que a distinção entre esse nível acrescido de autonomia e o outro parte de questões ligadas ao investimento ou ligadas à gestão de pessoal, ligadas, portanto, à maneira como se gere o orçamento da escola e não pelo seu domínio pedagógico (isto é, o domínio pedagógico seria praticamente igual para todas e elas distinguir-se-iam entre si pela capacidade de auto-financiamento a que se está a apelar), nós pensamos que, como diz o próprio professor João Barroso num estudo realizado para o ME, que o Ministério, dentro desta lógica, pode muito bem desenvolver um processo deste tipo: sacudir a pressão que actualmente é exercida sobre si , procurando outras formas de fazer face à escassez de recursos. No sentido de devolver as tácticas mas conservar as estratégias, e passar de um controlo directo exercido por normas e regulamentos, como existe hoje, para um controlo remoto exercido ao nível do controlo dos resultados. realizado, na mesma, só pelo ME. Isto pode ser traduzido de uma maneira simples: por um avanço para um percurso de desresponsabilização do Estado face à escola pública. Procurar que as escolas, quanto mais se auto-financiem, menos solicitem ao ministério, menos o pressionem para fazer face às responsabilidades que tem perante a escola pública. É nesse sentido que essa via é complicada e agravaria, seguramente, as assimetrias já existentes, deixando escolas dotadas da escasez de recursos que já hoje têm, incapazes de se auto-financiar, porque tudo depende do local onde estão inseridas, dos níveis de ensino que possuem, da atracção exercida sobre a população. Contra isto estaremos seguramente. De que maneira de faria a distinção entre os níveis de competência de cada órgão? É relativamente fácil, desde que se definam os domínios da autonomia. Penso que dentro das propostas do ME há diversos níveis que merecerão a aceitação por parte dos professores e das suas organizações representativas. Por exemplo, terem a capacidade de gerir flexivelmente os curriculos e programas, não sujeitos à norma nacional que existe hoje, e que constituem um dos principais condicionadores da autonomia das escolas - principalmente quando associados a exames nacionais, como é caso do secundário -, a capacidade de gerirem tempos, espaços e horários. Outro exemplo é a questão de um crédito global de horas para se poder fazer distribuição entre os professores que ocupam diversos cargos de acompanhamento pedagógico nas escolas. Há, portanto, um conjunto de domínios que serão fáceis de consensualizar e que constituiriam a tal matriz de referência para a autonomia e poderes distribuídos pelas escolas. O seu exercício é que nunca será uniforme, porque se irá pegar nestes pontos à luz de lógicas próprias e dos projectos educativos. Outro exemplo do que consideramos ser um alívio de pressão por parte do ME tem ver com a vinculação. A Fenprof considerou 1997 como o ano da vinculação porque sabemos que existem mais de 32 mil professores contratados em cada ano que passa. Isto devia constituir um escândalo nacional, quer pelo que isso significa em termos de instabilidade profissional para os docentes abrangidos por esses contratos, quer para as escolas que não sabem com o que poder contar. Não é bom do ponto de vista profissional, nem é bom para o sistema porque as escolas têm mais dificuldade em desenvolver projectos coerentes e consequentes, porque as pessoas mudam todos os anos. A resolução imediata deste problema passa pela estabilização profissional, através da vinculação destes professores à docência, integrando-os em quadros, e passa pela percepção que são indispensáveis incentivos à colocação em áreas desfavorecidas, nomeadamente a fixação durante um determinado período a uma determinada escola ou região. Esta é a via reivindicativa que a Fenprof assume para resolver o problema. O que o ministério propõe é que as escolas passem a poder, nesse segundo nível de autonomia, contratar os docentes. De repente, o ME deixava de ser a entidade empregadora para passar essa tarefa para as escolas, mantendo em vigor o mecanismo do contrato. Ou seja, não se resolveria, de todo, o problema da instabilidade profissional. Qual a importância de reavaliar a actual lei ôrganica do ME? É pela actual lei orgânica ter a mesma lógica centralizadora que as políticas educativas, que ouvimos a DRE dizer que não tem autonomia nenhuma. Não têm poderes próprios, quanto muito poderes delegados, no sentido de conhecerem melhor a escola, mas não têm autonomia de decisão. Num quadro destes e num quadro de descentralização que não está a ser cumprido, a lei orgânica teria de referir também as competências próprias das diferentes estruturas do ME. Já não estamos a falar de outro tipo de estruturas, estamos a falar da própria estrutura do ministério. Como é que todo o poder concentrado na 5 de Outubro e na 24 de Julho se distribui pelas DREs, ou, dentro destas, pelos CAEs?. Se se avançar no sentido da descentralização, estas estruturas também tinham de passar a ter autonomia. Voltando um pouco atrás, ao Conselho Local de Educação: nós prevemos que, na sua composição, ampla em termos de representação, também esteja incluida a própria administração. Seria uma parte, a par das autarquias, das representações das escolas, dos pais e dos restantes interesses. A lei orgânica teria, por isso, de dar uma resposta a esta situação, ou seja, teria de dizer como é que a administração regional teria poderes, ela própria, para participar num órgão como este, em total relação de solidariedade com as decisões que se tomassem e dentro dos limites que lhe fossem atribuídos. A rede escolar, como já antes referi, é um bom exemplo. Em vez de ser o ME a impôr o seu reordenamento e reorganização, seria o Conselho Local a responsabilizar-se pelas decisões que fossem tomadas ao nível desse Conselho. Para isso, as DREs também precisavam de ter autonomia, para poder estar desta maneira e não nos virem dizer para perguntarmos ao ministro se podemos fazer desta ou doutra maneira. A alteração da lei orgânica tem muita importância, mas é mais um dado deste percurso de descentralização que está ainda por fazer. O resto é a tal delimitação clara de poderes dentro do sistema. É necessário que cada um perceba até onde pode decidir e aquilo que já não pode decidir: o que seriam competências próprias da escola, dos órgãos regionais, quando existissem, dos CLE e as competências do poder central. Os regulamentos internos que as escolas irão produzir neste contexto de autonomia serão decisivos para clarificar a maneira como vão trabalhar, como se irão organizar, com que regras, com que direitos e deveres. Que resultados podem ser colhidos das experiências de gestão realizadas em outros países? Há diferenças substanciais, particularmente ao nível de Portugal e Espanha, relativamente aos restantes países europeus e àquilo que são as competencias de organização da escola. A gestão da escola, na generalidade dos países da União Europeia, assenta numa lógica de profissionalização, de colocção de directores por via dos poderes, sejam eles quais forem. Em alguns casos é também um poder central como aqui, em outros são poderes regionais, mas assentam, de facto, numa lógica unipessoal de gestão e de profissionalização dessa gestão. Os directores de escola ou chefe de estabelecimento, conforme a dimensão de cada país, são, normalmente, pessoas que deixam a docência para seguir uma carreira diferente. Portugal e Espanha não se encontram neste tipo de regime, também pelo facto de serem as mais jovens democracias da Europa. Curiosamente, em Portugal, os fundamentos de toda esta dinâmica de participação aparecem no 25 de Abril de 1974, quando se quebram, por iniciativa dos professores, as relações instaladas pelo fascismo nas escolas através do afastamento dos seus representantes: os directores e os reitores. Uns mais cedo, outros mais tarde, todos eles foram sendo demitidos, sendo gradualmente encontradas formas organizativas sem nenhum enquadramento legal. É, aliás, entre 1974 e 76, que se vivem os únicos momentos em que as inovaçãoes ao nível do sistema educativo partiram das bases e foram sustentadas pela produção dos colectivos locais. Houve decretos-lei produzidos nesse periodo em que se legitimava o que estava a acontecer nas escolas, sem nenhuma norma nacional. Este processo é depois sujeito já a alguma uniformização, numa certa recuperação do centralismo que vem até hoje, nomeadamente em 1976, no tempo em que Sottomayor Cardia era ministro da educação - alguns autores chamam-lhe o periodo de normalização democrática -, e, por lei, legitimaram-se já em decreto aquilo que eram as regras de participação na vida das escolas, quais os órgãos de representação, etc... Apesar de se ter refreado muito as dinâmicas que se criaram ao nível da escolas, a verdade é que a base, a elegibilidade, a colegialidade dos órgãos de gestão, permaneceu conservada em decreto até hoje. E isto não pode ser ignorado porque daqui resultou que, mesmo asfixiadas de autonomia, pelo menos ao nivel da sua organização, são as escolas a escolher as soluções: as pessoas para a gestão, o conselho pedagógico, um conjunto de cargos importantes para a actividade da escola. Isto é até uma situação que nos coloca à frente dos outros países, ou seja, aqui nós não temos de procurar a norma europeia para encontrar soluções que, apesar de estarem estabilizadas, não são as melhores. Neste caso, as nossas são melhores que as outras. Estas formas de participação estão ajustadas a um conceito de escola democrática, uma escola aberta e participada, onde os professores não têm o poder todo mas têm um essencial de poderes para decidir na esfera pedagógica, envolver-se com a comunidade, fomentar a participação dos pais, dos alunos, educar estes últimos para regras de participação, que é por aí também que se constrói uma cidadania mais democrática. Nestes aspectos estamos à frente dos outros países, não atrás. Curiosamente, este processo foi alvo de muitos ataques, com vista a afunilar os espaços de participação, a diminuir as capacidades de representação da escola, todos sucessivamente derrotados. O último destes é o próprio decreto-lei 172/91, porque apontava, uma vez mais, para um órgão unipessoal de gestão e para a profissionalização da gestão. Isso foi recusado liminarmente. Esteve em experiência, mas os professores condenaram-na firmemente em todos os espaços onde foram ouvidos. A própria dinâmica das escolas envolvidas acabou por provar que essa não era a melhor solução. Ao reconhecimento da autonomia da escola não basta, portanto, a introdução de políticas de modernização processual e de gestão? Há formas diferentes de pensar a escola, em termos de desenvolvimento e de progresso, e em termos de formação. Algumas dessas lógicas estão representadas no ME e há quem aponte para estratégias de desenvolvimento que impliquem lideranças fortes nas escolas, lideranças personalizadas, na linha de preparar melhor determinadas elites para responder aos desafios do futuro. A esta lógica outras se lhe podem opôr. Uma delas é a elevação do nível cultural dos cidadãos do futuro, por aquilo que eles fazem na escola, por esta ter mais qualidade e ser capaz de nivelar ou atenuar as diferenças sociais, que continuam a existir na sociedade e confluem na escola. A maneira como se pensa a organização da escola pode contribuir para uma lógica de um ou outro tipo. Achamos que a escola da LBSE, a escola da constituição da República Portuguesa, é uma escola que tem de elevar a formação global dos nossso jovens e não fomentar essencialmente a construção de elites que venham a ter determinadas competências dinamizadoras de determinadas lógicas de desenvolvimento. Muitas vezes, as propostas do ME revelam algumas destas contradições. Por exemplo, o discurso da autonomia está instalado na retórica política do governo. A par disso está outro conceito que é considerado como essencial à percepção da identidade própria de cada escola, a construção do seu projecto educativo, dos valores e dos princípios que pretende sustentar ao nível da sua resposta, não só na educação formal como também na ligação à comunidade. Esse projecto educativo tem que ter necessariamente uma base pedagógica, que aponte para desenvolver o melhor possível as capacidades dos jovens que frequentam a escola. Não faz sentido, por isso, que nas propostas do ministério o órgão pedagógico não diga rigorosamente nada sobre o projecto educativo, que seja o órgão de gestão a produzir um projecto, embora aprovado numa outra sede que é a da estrutura de direcção de escola, bizarramente chamada assembleia de escola. O órgão pedagógico, que deveria constituir a base do projecto educativo, não é chamado a dizer rigorosamente nada sobre isto. É um deslize da tal linha mais tecnocrata e meritocrática que tem esse olhar sobre a escola que temos vindo a referir, que entrega essa liderança a uma entidade, que pode ser unipessoal pelas propostas do ME, a capacidade de produzir um projecto. E isto é matá-lo à partida, porque um projecto educativo é um documento de negociação, discutido e trabalhado com o conselho pedagógico. É um documento cuja construção, em alguns casos, leva algum tempo, porque ele tem de ser objecto de processos de recolha dos maiores consensos. Ter um um projecto para determinada escola e não partir de alguém mais iluminado. Estas situações entram em choque porque existem, de facto, tendências e maneiras diferentes de pensar a escola e penso que inclusivamente no seio da equipa do ME há diversas tendências representadas. Que comentário lhe merece a proposta de faseamento da autonomia em dois níveis? Para nós, a questão do gradualismo é vantajosa. Achamos positivo que nem todas as escolas avancem ao mesmo tempo para algo que não entendam bem ou não estejam preparadas para o fazer, mas não os dois niveis previstos que conduzem as escolas a terem um estatuto diferenciado. A questão dos dois níveis de autonomia do ministério leva a uma espécie de 'ranking' de escolas: as mais atractivas e as menos atractivas. Como hoje já acontece com o ensino privado, em que existem colégios com uma imagem melhor junto da população - normalmente também se cobra mais por isso - do que outros. Agora, os dois tempos, ou mesmo mais, para que as escolas, ao avançar, o façam de uma forma segura e sólida, com as questões bem discutidas, perceberem por onde querem avançar e que condições têm de reclamar para avançar, aí sim, defendemos esse gradualismo. Mas a grande questão irá colocar-se mais ao nível do crescimento dos recursos e do investimento na educação, em alguns sectores de ensino mais do que noutros. Ao 1º ciclo e à educação pré-escolar, por exemplo, falta tudo. Ao olharmos para estas propostas sabemos que terá os dias contados uma lógica de organização que assenta nas delegações escolares como suporte administrativo, mas também já de alguma tutela sobre o funcionamento das escolas. Mas isto irá implicar que os agrupamentos das associações de escolas, como preferimos dizer, nesses sectores de ensino, tenham instalações, serviços administrativos, pessoal e orçamento que,, actualmente não possuem. Estas escolas mendigam verbas directamente à autarquia para poderem funcionar e, normalmente, funcionam sem meios nenhuns. A questão do investimento é decisiva e isto é responsabilidade do Estado. Tem de ser o Estado a assumir que as alterações mais profundas vão operar-se ao nível do 1º ciclo e da educação pré-escolar e que tal medida tem custos. A gestão de recursos não teria de obedecer a uma lógica profissional? Claro. Nós defendemos isso a partir de um 'staff' técnico e administrativo de que as escolas devem ser dotadas. Para isso não é preciso ter tecnocratas a gerir as escolas e a decidir as grandes questões da vida pedagógica das escolas. Porque as escolas não são empresas, não trabalham com peças, trabalham com material humano, diverso e riquíssimo. Olhar a escola como uma empresa, como alguns fazem, é um erro tremendo. No entanto, é preciso reconhecer que algumas situações têm uma componente técnica muito específica, como a apresentação de orçamentos ou a gestão da contabilidade, para o qual é preciso pessoal qualificado integrado no quadro administrativo - algumas escolas já o têm - para poder, com segurança, responder a essas solicitações. Onde não existe, como é o caso do 1º ciclo, elas têm de ser colocadas. Este ano já se permitiu que algumas escolas do 1º ciclo avançassem para outras lógicas de organização e algumas fizeram-no associando-se em agrupamentos de escola. Porém, o único recurso que estava previsto no respectivo despacho é a afectação a essas escolas de um oficial administrativo. É elementar, mas não chega. É o exemplo de que, num agrupamento de escolas, irá ter de existir uma escola pólo, com os serviços instalados, com salas para o órgão de gestão, para reunião com outros órgãos pedagógicos, com pessoal administrativo colocado para responder às questões relacionadas com o trabalho da escola e com um orçamento de funcionamento definido anualmente, de acordo com aquilo que é o seu projecto educativo. ENVOLVER A COMUNIDADE Neste contexto, qual o papel destinado à sociedade civil, nomeadamente às associações de pais, autarquias e agentes económicos e culturais? Nós pensamos que essa participação deve ser centrada nos CLE. Não se deve cometer o erro constante nas propostas do ME em que, para cada escola ou grupo de escolas, se admitie que as autarquias trabalharão nela intensa e regularmente e que as empresas irão aderir aqueles órgãos de direcção de escola. Esta cultura não existe e não se prevê que alguns deles estejam sequer interessados em desenvolver estes níveis de participação. Mas no CLE, repito, uma estrutura para um território educativo, aí sim, poderia e deveria prever-se esta participação. É natural, e nós defendemo-lo, que a nível local também existam projectos educativos, não condicionadores da autonomia própria de cada escola e do desenvovlimento do seu projecto, mas também, de algum modo, projectos para a região, que respondam a interesses que a sociedade globalmente coloca, de interesses económicos, culturais e outros que ali estejam presentes e sejam pensados a nível de um projecto local e sirva, inclusivamente, de referência à escola, para que esta, na construção do seu projecto, o articule com essa outra orientação mais global que é colocado a nível da região. O nível de formação médio dos encarregados de educação portugueses e o seu grau de participação na vida da escola é baixo. Sob estas circunstâncias, qual o papel dos pais na escola e de que forma se poderá contrariar esta tendência? Nós sempre vimos com bons olhos e como indispensável a colaboração dos pais com os professores, no sentido de se encontrar as melhores soluções para a escola. Não os vemos como intrusos na vida da escola, porque de facto eles têm interesses directos com o que a escola faz, como a maneira como a escola prepara e educa os seus filhos. Os hábitos não estão enraízados, porque são hábitos que se começaram a desenvolver há vinte e poucos anos, numa altura em que os pais eram completamente afastados da escola, eram mal vistos na escola e ninguém os queria lá. É, portanto, uma cultura que ainda se está a desenvolver e as condições de participação efectivas não são grandes. Os ritmos próprios da escola não se compadecem com os ritmos de vida dos pais encarregados de educação. Têm os seus empregos e se quiserem partcipar nas actividades da escola, faltando aos seus empregos, não têm nenhuma compensação por isso. A participação não está facilitada e nós pensamos que se podiam desenvolver algumas formas de participação. O essencial desta situação não é limitar-mo-nos a achar que vamos criar um órgão com representação dos pais, que as associações de encarregados de educação, em assembleia, elejam outros pais para os lugares de representação e que, com isto, garantimos o interesse dos pais pela escola. As próprias associações de pais existentes, muitas vezes com boas dinâmicas, não reflectem a opinião do conjunto, representando apenas pequenas parcelas do colectivo de pais da escola. O que há a fomentar é a aproximação dos pais à escola, também através de contactos informais e não só propriamente ao nível institucional, através de um órgão de direcção. Isto só por si não aproxima os pais da escola. Simula algum acréscimo de poder em termos de decisão, mas nunca será decisivo. Este processo deve ser fundamentado a partir da maneira como a escola se abre à comunidade e como os pais são chamados a intervir em variados domínios da vida da escola: mesmo nas reuniões mais pequenas como o conselho de turma, reuniões para preparar determinadas iniciativas, ou seja, um conjunto de espaços que resultem ou retratem a vitalidade própria de cada escola. Paralelamente, o próprio poder deve criar outras condições de participação regular dos pais na vida da escola. Ricardo Jorge Costa
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