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Entrevista à deputada Maria Carrilho

O Ensino Secundário é o grande problema

O país é o que é, tem recursos limitados

As universidades públicas não se prepararam atempadamente para a procura da sociedade.

Socióloga e professora, Maria Carrilho é, actualmente, deputada na bancada do PS. Entre as reuniões políticas, o mestrado que coordena no ISCTE e as frequentes deslocações ao estrangeiro, tem ainda tempo para ler, ir ao cinema e ao teatro, visitar museus e exposições ou, simplesmente, "ficar em casa a reflectir". E foi numa dessas raras tardes passadas em Lisboa que conversou connosco sobre o estado da educação em Portugal.

P - A "paixão" da educação foi uma das bandeiras do PS para as eleições, mas está a ser uma paixão difÌcil de conquistar...

R - Costuma-se dizer que as paixões são sempre difíceis! A necessidade que o PS teve na campanha de vincar o empenhamento em relação à educação dependeu, precisamente, das dificuldades que ao longo de muitas décadas foram sentidas neste sector. Uma coisa está para a outra: a dificuldade em relação ao empenhamento. E parece-me que está a haver um empenhamento muito forte das pessoas que se encontram no Ministério da Educação, desde o prof. Marçal Grilo à prof. Ana Benavente, que estão a tentar cumprir uma missão.

P - Mas há cada vez mais contestação, as pessoas continuam descontentes com algo que foi prometido mas não cumprido...

R - Não acho que haja mais contestação! Como é que chega a essa conclusão, de que há mais do que, por exemplo, há três anos?

P - Poderá não haver tantas manifestações ou boicotes, como durante o Governo de Cavaco Silva, mas o descontentamento parece generalizar-se, a julgar pelos jornais e pela televisão...

R - Há que ter em consideração a seguinte questão: o tornar público um acontecimento e o que é, realmente, a opinião das pessoas. Os telejornais reportam um aspecto da realidade que, geralmente, é crítico, negativo. Em relação à educação, por exemplo, não se vê a satisfação de alunos dos politécnicos ou das universidades privadas que podem, com esta lei - no caso de serem empenhados e terem boas notas - conseguir um apoio financeiro que nunca teriam de outra forma.

Não podemos avaliar o que se está a passar através das notícias de jornais ou da televisão. Como socióloga, permita-me que seja um bocado mais científica! Não fiz nenhum inquérito sobre o assunto, mas acho que só um estudo mais aprofundado poderia dar o real panorama do que se passa com a educação.

Mas voltando à questão da "paixão", cada ministério é um mundo, tem centenas de milhar de pessoas, que vieram de governos anteriores. Como se diz em ciência política, existe na administração pública um "partido transversal", um certo pactuar entre grupos dos diferentes partidos, que se protegem uns aos outros durante os vários governos, para permanecerem nos seus lugares. O fenómeno não é só português. Mas creio que, em Portugal, um dos ministérios onde o "partido transversal" tem mais força é o da Educação. Pelo que tenho ouvido dizer, não é fácil tentar motivar as pessoas

P- Essa é a posição da deputada do PS. Enquanto socióloga, como encara a situação dos professores, as propinas, o problema de os alunos não saberem o que estudar porque todos os anos mudam os exames ?

R - Falando do ensino superior, que é o que conheço melhor, creio que, no conjunto, e se compararmos com outros paÌses, não está mal. Porque consegue formar pessoas que, terminando as suas licenciaturas, e quando têm possibilidade, fazem cursos no estrangeiro e pós-graduações, e por vezes até são dos melhores. Claro que há uma série de problemas, principalmente naquelas faculdades que estão mais relacionadas com a necessidade de novas tecnologias, pois por vezes não têm os instrumentos necessários para que os alunos extraiam o melhor de si próprios no curso. Mas não é esse o grande problema.

O grande problema da educação em Portugal está, principalmente, no ensino secundário. No básico, ainda há aquela relação professor/aluno, há um acompanhamento dos pais, que se preocupam mais com a criança do que com o adolescente. No fundo, a fase mais difÌcil da personalidade humana, a adolescência, coincide com algo que está altamente complicado e que não contribui nada para ajudar essas pessoas.

Quando fiz o secundário havia outros problemas, que tinham a ver com a liberdade de expressão. Mesmo os professores procuravam ter cuidado com as interpretações que faziam, e isso coarctava não só a aprendizagem como a relação professor/aluno. Por outro lado, havia uma perspectiva de programa.

P- O que não acontece agora...

R- Imagino-me na altura a pensar se, no fim do ano, iria ter exame ou não... Creio que o ensino secundário tem de sofrer uma reorganização profunda, tendo em conta os limites do próprio país, em termos de recursos. E tem de haver recursos para a educação, não só no ensino básico mas principalmente no secundário. Não é preciso toda a gente ir para a universidade. Algumas pessoas que não querem, gostam mais de coisas práticas, e também têm o direito de conseguir uma formação adequada, sem ter de passar pela Universidade.

P- Só que até agora a mentalidade do país ainda dá primazia à universidade. Ter o "canudo" é quase condição "sine qua non" para arranjar emprego...

R- É verdade! Acho que é uma distorção. Tenho conhecido pessoas que não têm cursos universitários e enveredaram por certos caminhos - seja na actividade política, artística ou empresarial - que têm dado resultados óptimos. Uma pessoa que não esteja virada para certas coisas, que goste de actividades práticas, devia receber da sociedade a oportunidade de desenvolver o melhor de si, sem ter de passar pelo "tubo homogeneizador" da universidade.

Acho que devia haver cursos especializados com finalidades práticas, que conseguissem valorizar o que as pessoas têm de melhor - e nem sempre é a capacidade especulativa, fundamental nos cursos universitários.

P- O Governo seria, neste momento, capaz de se abalançar na criação desses cursos?

R - Penso que sim. Sei que há essa preocupação, há pessoas a estudar esses aspectos. Que também não são fáceis. Nos Estados Unidos, há três ou quatro anos, os jornais referiram as conclusões de um grupo que dizia que as universidades americanas deviam fechar todas durante um ano e por os alunos a aprender inglês! Recentemente, em Itália, vi num jornal o resultado de um relatório feito por um "comité de sábios", que incluia Umberto Eco, Modigliani (Nobel da Economia) e grandes figuras ligadas às universidades, que entre outras recomendações falavam na continuidade do ensino do latim no secundário, para dar às pessoas uma estrutura de pensamento lógica. Outra coisa que me chamou à atenção foi o ensino de Estética e de História da Arte no secundário (que já existe em Itália). À primeira parece supérfluo, mas eles tiveram em consideração a especificidade italiana, um país que no contexto mundial tem uma imagem forte no que diz respeito à arte e ao design.

De facto, o problema não é só português. Vários países estão a trabalhar com empenho para perceber o que se passa hoje a nível da aprendizagem, com todas as tecnologias ao dispôr. Será que temos de fazer uma revolução no ensino ou devemos deixar que o ensino da língua de cada país fique subordinado ao ensino de formas de expressão através de vÌdeo? Há várias tentativas para chegar a um caminho mas ainda não está demonstrado nada. Se daqui a dez anos houver resultados, podemos dizer que são importantes fios condutores a que as pessoas se segurem. Ou que temos de mudar tudo e começar a ensiná-las, desde pequeninas, como se exprimirem através de vídeos, clips ou frases (que é o que pede a televisão).

P- Não acha que dez anos é muito tempo para esperar respostas?

R- Isto é apenas um exemplo! O que queria dizer é que em Portugal também temos de ter em consideração não só aquilo que é necessário, hoje em dia, para construir em cada pessoa uma bagagem de conhecimentos que lhe permitam realizar a sua personalidade e os seus objectivos (e aqui podemos eventualmente recorrer à experiência de outros paÌses), mas também temos de analisar profundamente a nossa situação, definir a nível geral uma estratégia clara de desenvolvimento, chegar à conclusão que há determinados aspectos das nossas capacidades enquanto país que têm de ser mesmo valorizados internacionalmente. E o ensino deve estar de acordo com isso.

Parece-me que em Portugal tem havido uma certa carência deste pensamento estratégico. Digamos, pensar o país no conjunto da competição internacional, além do seu contributo, nomeadamente na Europa.

P- Mas as decisões governamentais, em relação à educação e ao futuro do país, deixam transparecer uma grande indecisão. Cada vez que mudam os responsáveis, mudam-se os currículos, acrescentam-se ou excluem-se matérias, inventam-se exames, acabam-se provas globais...

R - De facto, tudo isso é negativo, gera insegurança.

P - Começa-se a pensar que, se eles, que deveriam resolver o problema, não sabem como e andam à deriva...

R - Diz o Descartes, no inÌcio do "Discurso do Método", que se uma pessoa está numa floresta mais vale seguir em frente do que andar às voltas a ver se encontra o caminho mais próximo. Porque se seguir sempre numa direcção, sabe que chegará, um dia, ao fim da floresta. Transpondo para isto este raciocÌnio, às vezes poderia ser mais positivo - embora não se soubesse bem se aquele currÌculo ou programa será o melhor - dar tempo, para ver de uma forma concreta os resultados e o que correu mal. Pelo menos, ganhava-se uma certa estabilidade. Isto é sempre por tentativa, mas defendo as tentativas mais prolongadas.

P - Concorda, então, que neste momento há uma geração formada, digamos, em "tubo de ensaio"...

R - Foi bastante. A ideia que tenho é que, neste momento, ao nível do Ministério da Educação, a preocupação é enorme e as pessoas estão conscientes. Só que é uma coisa que tem já dezenas de anos, e é sempre difÌcil mudar de repente, conseguir que todos os professores, em todas as escolas, aceitem aquele currÌculo, aqueles livros... Porque há sempre pessoas que dizem "eu é que sei o que prescrever aos meus alunos". E como as pessoas se habituaram a isto, é difícil a um ministério propôr orientações.

Daí ser muito importante o relacionamento com os professores, porque só se podem fazer coisas com o empenhamento dos professores e com a valorização do seu estatuto social. Fiz um inquérito em que apurei que, na sociedade, a importância dos professores vem logo a seguir à dos médicos, a primeira profissão de prestÌgio. ... uma posição a que as pessoas tendem a atribuir muita importância, mas depois essa importância não é real, porque os professores têm uma vida difÍcil, ganham pouco, têm horários altamente complicados, são obrigados por vezes a dar cadeiras para as quais não estão preparados e que decorrem dos "lobbies" das várias faculdades (as tradicionalmente mais fortes conseguem impôr que os seus licenciados ensinem), e tudo isto mina a capacidade do corpo docente.

As pessoas não se sentem solidárias umas com as outras e há uma grande competitividade. DaÌ que a relação entre os decisores políticos e os professores seja fundamental, e que a valorização do estatuto social do professor seja imprescindÌvel. Porque, num mundo em que os valores evoluíram para uma tradução quantitativa da importância das pessoas - e para não dizer, entre aspas, tu és o dinheiro que vales - não podemos pedir a determinadas categorias profissionais que tenham uma atitude praticamente missionária!

P- Acha que o actual Governo tem tentado alterar essa situação ou, como muita gente diz, há uma continuidade em relação ao governo anterior? Continuam por definir a carreira docente, o percurso do secundário, os métodos de aferição para a entrada no ensino superior...

R - Há uma dificuldade óbvia, porque são processos muito demorados e, eventualmente, só um Governo autoritário - que não queremos! - poderia impôr uma transformação rápida. Mas em democracia é difÌcil conseguir essas transformações, a não ser com muito diálogo, muita gente a participar, muitas reuniões e consultas a todas as associações e sectores dos vários nÌveis de ensino. É um mundo de uma complexidade tal que, espero, o Governo consiga já no próximo ano traduzir concretamente algumas conquistas.

P- Acredita, então, ser possÌvel concretizar "a paixão da educação" ainda durante este mandato, ou serão necessários vários?

R- Quase diria que a paixão necessita da fase do casamento! (risos) Seria necessário um acordo entre várias forças políticas e sociais, um pacto para a educação. Não me repugnaria nada que, num pacto para a educação a longo termo, participassem outros partidos políticos, que em alguns aspectos mínimos, quase de plataforma, estariam de acordo e se comprometeriam a defender e prosseguir esses aspectos no futuro. Evidentemente, há o risco de aparecer um Governo com outra linha completamente diferente, e tem que haver uma estratégia.

P- Essas dissenções polÌticas acabam por, invariavelmente, se reflectir no campo da educação...

R - Em relação, por exemplo, ao ministério do Dr. Roberto Carneiro, tenho reparado que, pela parte do PS, tem havido muita atenção pelo que ele fez - e foi um ministro do PSD! Portanto, creio que há algumas condições para isso, por parte das pessoas que estão realmente interessadas na educação, e não apenas em colher votos. Porque a educação é, sem dúvida, um sector estratégico para Portugal e não só (veja-se a prioridade da educação na campanha de Clinton, nos EUA).

Acho que houve uma preocupação estratégica deste Governo em relação ao ensino, o que é demonstrado mesmo em termos orçamentais - e vejam-se as críticas de sectores das Forças Armadas, pela diminuição do seu orçamento. O paÌs é o que é, temos recursos limitados e, como o dinheiro não pode esticar, na feitura do Orçamento têm de ser privilegiadas determinadas áreas - naturalmente, faltará nas outras. Enfim, isto tem de ser assumido como uma opção estratégica do Estado português, que considera - até para afirmação internacional do paÌs - ser necessário investir na educação durante um certo número de anos, mesmo que isso vá interferir com outras áreas importantes.

P- Seria necessário fazer em Portugal o que se aconselhou nos Estados Unidos? Suspender as aulas durante um ano para reformular tudo e partir do zero?

R - (risos) Bom, tal como nos estados Unidos isso não aconteceu, aqui também seria desestabilizante para as pessoas ficar um ano à espera! Acho que não é necessário isso, há outras maneiras...

P - Como é que encara a abertura do ensino, em todos os seus graus, a todos os cidadãos?

R - Acho muito interessante, mas não vejo isso como viável. As nossas salas de aula têm lugares limitados, já há tanta dificuldade em dar saÌda àquilo que é o "recrutamento" anual dos jovens para todos os níveis de ensino... As universidades, e mesmo as escolas secundárias - e voltamos outra vez à questão dos professores! - poderiam eventualmente pagar, extraordinariamente, grupos de professores que quisessem fazer isso em horas diferentes, em perÌodos curtos de fim de semana, pequenos cursos ou seminários intensivos em alturas de férias.

P- Actualmente, o paÌs tem números assustadores de iliteracia, mesmo no seio dos jovens que saem das universidades. Qual é a posição da socióloga face a isso?

R - É verdade! Durante vários anos dei aulas ao primeiro ano de sociologia no ISCTE e de gestão, numa cadeira de introdução à sociologia. E, de facto, às vezes era confrangedor ver como pessoas - evidentemente inteligentes e dinâmicas - não conseguiam exprimir-se oralmente. Por escrito era ainda mais complicado! E ainda continua a ser um drama.

P - Qual será a explicação?

R - Penso que talvez haja um desajustamento na sociedades actuais, principalmente nas últimas décadas, entre o que é ensinado nas escola e aquilo que está a impôr-se na comunicação do quotidiano. Ou seja, por um lado vemos que o currículo, ainda que com alterações, permanece mais ou menos o mesmo, e por outro, vemos a pouca importância que se dedica ao ensino de português e às novas tecnologias que fascinam as pessoas. Há um desfasamento entre a realidade e tudo o que é transmitido através das imagens e dos sons, o multimédia. Talvez o ensino devesse, de alguma forma, balizar e integrar estes novos meios de expressão comunicativa dentro de si próprio - para que os jovens também pudessem vê-los criticamente e não ficarem apenas deslumbrados. Desenvolvem-se alguns aspectos, como os reflexos, a capacidade de raciocínio imediato, a capacidade de decisão, mas são precisamente estes aspectos positivos destas novas tecnologias que se devem tentar integrar, porque senão as pessoas não sabem exprimir-se nem através das palavras nem através dos novos meios.

P - Será que esse desfasamento entre o ensino actual e as mudanças rápidas do quotidiano vai prejudicar uma geração inteira?

R - É necessário ter consciência que nos períodos de transição há custos que são pagos por determinados sectores sociais - seja nas transições políticas ou tecnológicas e sociais. Estamos num período de transição para algo que não sabemos muito bem o que é, e como caracterÌstica fundamental dessa transição está a própria incerteza. Haverá muita gente que vai pagar custos por se encontrar neste perÌodo, mas também houve outras gerações que pagaram por outros motivos, como a que atravessou a II Guerra Mundial, a guerra colonial ou o perÌodo revolucionário...

P - Esta será, então, vítima da revolução tecnológica?

R - Poderá não ser vítima! Pode até desenvolver mais capacidades de adaptação. Pode ser que as pessoas que agora têm 20 quando tiverem 40 se revelem altamente competentes no domínio da gestão da sociedade, por terem sido submetidas a estas duras provas. Mas claro que haverá outros que vão ficar pelo caminho...

P - Será depois o Governo a ter de assumir o equilíbrio entre esse desfasamento...

R - A parte política vai ser muito importante nos próximos anos. Vai ser necessária uma grande capacidade e competência política, porque os problemas são enormes, quer a nível nacional como internacional, e vai exigir muito da classe polÌtica, mas não só...

P - Ainda hoje é notÌcia a instalação de computadores numa qualquer escola do ensino básico ou secundário, por exemplo, e talvez as coisas devessem ser mais céleres, às portas do ano 2000...

R - Pois, aí o problema é onde se vai buscar dinheiro! Aos medicamentos é difÌcil, as obras públicas são quase todas feitas com dinheiros europeus, às Forças Armadas já não se pode tirar muito mais, ao ambiente, que até há 15 anos gastava nada e tanto precisa, na cultura gasta-se o mínimo e temos de preservar o nosso património, até por motivos de turismo e divisas... A única coisa a fazer é, de facto, criar mais riqueza. E isso é muito difÌcil e leva tempo!

P - Uma boa deixa para a questão das propinas. Enquanto professora e socióloga, concorda com a propina única?

R - Concordo que haja propinas. Acho que é enganador que não haja propinas, porque o ensino superior tem custos muito elevados, e não haver propinas, não custar nada, dá às pessoas a ideia de que aquilo cai do céu, que é adquirido. O ensino superior tem que passar por um contributo dos próprios que usufruem dele - até por justiça para com quem não consegue ou não quer ir para a universidade, e para com os contribuintes. Por outro lado, há jovens nas universidades que, sendo filhos de pessoas com meios, não precisariam de estar a retirar dinheiro de impostos... Olhe, que poderia ir para os tais computadores! Tem é de haver um empenhamento do Estado em relação àqueles que não têm capacidade económica para pagar propinas e para se sustentar. O Estado terá que chamar a si a responsabilidade de avaliar quais são os jovens que precisam de ser apoiados e proporcionar um número de bolsas efectivas, que sirvam para as pessoas recuperarem o dinheiro que pagaram nas propinas. Acho que também nas bolsas tem que haver diferenças.

P - Se há cursos que gastam pouco dinheiro ao estado, há outros que precisam de grandes verbas. Não seria justo escalonar as propinas consoante os cursos?

R - Isso teria a ver com uma avaliação do custo aluno/ano. Ora, a propina que está pensada está muitíssimo aquém de qualquer coisa, mesmo do curso mais "papel e lápis" que haja! ... uma propina que, de maneira nenhuma, paga os custos até das instalações, quanto mais do resto... Por agora, diria que está bem. A única coisa que acho é que a diferenciação que tem que haver é em relação aos alunos. Quem pode, paga, e quem não pode deve ser apoiado pelo Estado.

P - Como é que vê a proliferação de universidades e cursos novos?

R - Parece que no nosso paÌs as universidades públicas não se prepararam atempadamente para a procura da sociedade, não criaram cursos inovadores e, com os "numerus clausus", deixaram muita gente fora da universidade. O conservadorismo da universidade pública deu origem à necessidade de aparecerem alternativas, e a universidade privada aparece para preencher carências, por isso tem sido um êxito. Agora, tudo isso vai passar por uma grande peneira do mercado de emprego. Ficam aquelas que corresponderem e outras, creio eu, acabarão por desaparecer.

Já há universidades privadas que estão a dar muito boa conta de si e, em relação às públicas, constituem um desafio. Eu estou na universidade pública, embora temporariamente na política a tempo inteiro, ou quase, e vejo que às vezes temos um pouco a sensação de que nos encontramos numa fortificação privilegiada, não nos damos por vezes conta de que em Portugal estão a formar-se universidades privadas com muita garra... E que, como nasceram de outra maneira, são mais inovadoras, têm mais facilidade em mudar... Algumas podem vir a superar-nos brevemente. Como coordenadora do mestrado em Sociedades e Políticas Europeias no ISCTE, tenho tido óptimos alunos provenientes das privadas...

P - Gostaria de saber a sua opinião, enquanto deputada do PS, em relação ao documento de trabalho do DES sobre a segurança nas escolas.

R - Não conheço bem o documento, mas acho fundamental circundar as escolas de um ambiente muito mais seguro do que tem havido até aqui, não só por questões relacionadas com o consumo e proliferação de droga, mas com aspectos como a prostituição. Tudo o que se puder fazer para dar mais segurança às zonas onde se inserem as escolas - e inclusivé aos percursos para casa - convém ser cuidado.

P - Essa questão é inter-ministerial, mas segurança não terá de passar também pelo interior da escola?

R - Claro que não é só uma questão de Administração Interna. Tem-se falado bastante na componente "Educação CÌvica", que é fundamental. Tomando o exemplo dos toxicodependentes, pessoalmente até encaro a despenalização das drogas ligeirasdesde que fosse uma acção concertada a nível mundial, sob a égide das Nações Unidas, de modo em que as coisas acontecessem ao mesmo tempo em todos os paÌses. Ao mesmo tempo, tudo isso deveria ser acompanhado por uma instrução que viesse desde o ensino básico, para os miúdos saberem exactamente o que significam as drogas. Ou até o tabaco. É bom que as pessoas saibam, para decidir se estão dispostas a aceitar o risco e o que hão-de fazer. Devia haver uma formação clara e honesta sobre isso. Porque não, por exemplo, utilizando o cinema? Sem lições moralistas.

A educação cÌvica de que isso faria parte - e até o nome deveria ser bem pensado, para não parecer um código de bom comportamento - deveria ser algo que integrasse várias disciplinas. E, claro, haver uma disciplina sobre o nosso sistema social e polÌtico, para as pessoas perceberem como as coisas funcionam, porque muitas nem sabem como usufruir os seus direitos.

P - Será uma realidade próxima?

R - Não sei, porque na Assembleia da República não trabalho no sector da educação. Há pressões para que isso aconteça, mas também acho que tem de ser bem pensado, para não provocar a retracção ou o repúdio dos jovens. Acho que a "Educação CÌvica" não deveria ser vista só pelo Ministério da Educação, mas em conjunto com pessoas provenientes de várias áreas.

 


  
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Autoria:

Maria Carrilho
Deputada do Partido Socialista
Maria Carrilho
Deputada do Partido Socialista

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