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É difícil sobreviver sem suportes da publicidade

Reconhece José Paulo Serralheiro,
director do jornal “a Página”
Perguntas/respostas sobre
uma experiência de cinco anos
de publicação de ”a Página da Educação”

Um jornal é quem o lê e quem o faz. Perde o valor quando não tem esta cumplicidade. As trinta e duas folhas de papel em branco que em cada mês temos à nossa frente, por vezes, metem medo. Mas são a ponte que permite o diálogo entre quem lê e quem escreve. É a pensar, mês após mês, nos que nos lêem que vamos continuar a trabalhar.

Sonhos? Passar a ser um samanário de âmbito nacional.

José Paulo Serralheiro, director de “a Página”, é o entrevistado deste número de aniversário. A entrevista foi feita na Redacção, o mais distanciadamente possível, e é um testemunho sincero e sério da experiência de sobrevivência de um jornal, um mensário com cinco anos de idade, que resiste num tempo de directos coloridos e muito "show off". Em Janeiro de 1992 poucos dariam ao projecto mais de cinco meses de vida. Ele está, quase "vingado".

Cinco anos de publicação do jornal 'a Página". Os objectivos iniciais foram alcançados?

Os projectos têm sempre uma componente de realidade e outra de sonho. Ambos difíceis de cumprir. No caso da Profedições e deste jornal, diria que ainda estamos muito longe do que queríamos concretizar. Atingimos um objectivo fundamental, nestes projectos independentes, que foi sobreviver desenvolvendo-nos pouco a pouco.

Repare que, nestes cinco anos, apareceram e desapareceram vários jornais e revistas. Na área da educação apareceram e desapareceram vários títulos. Sobrevivem umas poucas revistas ligadas ou a editoras ou a instituições de ensino. Mas são órgãos de comunicação que não vendem mais de duzentos ou trezentos exemplares.

No que diz respeito a Página, sendo jornal mensário, o primeiro número tinha dezasseis páginas a preto e branco. Hoje saímos com trinta e duas páginas e uma tiragem de 22.000 exemplares. Não conheço nada de semelhante nesta área especializada.

Ao que consta, apesar de algumas críticas sobre a utilização "excessiva" da imagem e dos espaços em branco, o jornal foi, desde o início, considerado um bom modelo gráfico. Isso teve a ver só com a aposta no preto e branco de que falavam na linha editorial inicial?

De facto o jornal foi reconhecido desde o início com um excelente modelo gráfico. Recebemos muito incitamento positivo nesse aspecto. As pessoas não sabem mas, sem nenhuma interferência nossa, o jornal esteve presente em várias exposições internacionais relacionadas com o grafismo. Recebemos também, vindas do Brasil referências de estudiosos da imprensa, referências elogiosas ao carácter inovador do nosso jornal. São encorajamentos importantes pelo menos para contrastar com a crítica de sinal contrário. Também é verdade que, sobretudo na fase inicial, recebemos crítica abundante sobre os espaços em branco e sobre o uso "excessivo" da imagem. Para nós, num jornal, esses são dois elementos de comunicação com a mesma dignidade da palavra.

Não esqueço uma apreciação do editor gráfico do jornal, logo nos primeiros números - quando lhe dei conta das reacções críticas sobre o uso que fazíamos do espaço em branco e da imagem - recomendou-me ele: pergunta-lhes se quando escrevem uma carta ou um postal preenchem o papel até às bordinhas.

É verdade que na linha editorial do jornal dizíamos que "a alma dos jornais é a preto e branco". Graficamente o jornal teve adesão muito boa desde o início não por causa do preto e branco mas porque tivemos a sorte de ter a trabalhar connosco, ao longo destes cinco anos, um homem que eu considero um dos melhores editores gráficos do nosso país. Tivemos também sorte em reunir uma equipa formada pelo editor do jornal, pelo editor gráfico e pelo director que sempre respeitaram a autonomia de cada um e se respeitaram em termos pessoais e profissionais. Penso que este é um dos segredos para fazer um jornal com “a Página”.

Entretanto introduziram-lhe a cor.

Só na primeira, última e centrais. Para nós foi, de certo modo, uma concessão ao mercado. A falta de cor, em particular na primeira e última página, levava as bancas a não exporem o jornal. Os vendedores de jornais estão demasiados habituados à cor e parece-nos que parte dos leitores também. Pessoalmente, se o jornal tivesse mais peso, isto é, se em vez de trinta e duas páginas tivesse quarenta e oito, penso que se aguentava melhor nas bancas só a preto e branco. Eu preferia. Mas esta não é uma questão muito importante.

Voltando ao projecto inicial. Onde falharam mais?

Preferia relevar primeiro um aspecto. Nós não partimos para este trabalho sem uma segurança mínima. Antes de iniciarmos a publicação tratámos de encontrar condições económicas que permitissem um desenvolvimento, lento mas continuado.

Estabelecemos um protocolo de acordo com o Sindicato dos Professores do Norte, o qual nos compra uma assinatura colectiva para os seus associados. Não foram estabelecidos prazos de vigência deste protocolo e o sindicato pode denunciar o acordo no fim de cada ano, mas tem havido uma renovação anual.. Isso dá-nos uma boa base de trabalho e independência. Este assinante colectivo nunca se intrometeu ou quis influenciar a orientação editorial.

Depois, do ponto de vista da gestão, decidimos funcionar ao contrário do mundo empresarial português. Em Portugal toda a gente tenta pagar o que deve o mais tarde possível. Ninguém paga a trinta dias o que pode pagar a noventa. Muitos não pagam. Isto provoca inflação nos custos e desconfiança dos fornecedores, sobretudo em relação às chamadas micro ou pequenas empresas. Nós assumimos desde o início uma filosofia radicalmente diferente. Pagamos as despesas de cada número no acto da entrega do jornal. Pagamos a pronto. Esta atitude, para além da confiança, prestígio e até amizade que fomos ganhando no mercado, permite-nos produzir as nossas edições por preços muito, mais baixos do que o habitual. A juntar a isto é de ter em conta que a Profedições e o jornal são geridos e dirigidos gratuitamente. Por outro lado fazemos questão de pagar aos profissionais que trabalham para este projecto com o respeito que é devido a quem trabalha com profissionalismo. São tudo coisas que ajudam.

E falhas?

O aspecto que mais me desiludiu nestes cinco anos está relacionado com a publicidade. Como se sabe a quase totalidade dos órgãos de comunicação social fazem-se e publicam-se actualmente como negócio publicitário. Vivem das vendas da publicidade inserida. Quando aumentam o número de páginas ou criam novos cadernos, não estão a pensar na informação mas na forma de rentabilizar o negócio publicitário.

Ora nós, durante estes cinco anos, não conseguimos praticamente nada ao nível da publicidade. Fizemos várias tentativas. Mas é exemplar o que aconteceu com duas empresas ligadas ao ramo publicitário. Em momentos diferentes manifestaram interesse em rentabilizar o jornal do ponto de vista da publicidade. Quando conheceram o universo de leitores ficaram entusiasmados com a possibilidade de fazer o que se chama "publicidade dirigida". Tinham um consumidor bem caracterizado e com razoável poder de compra para o meio português. Mas quer num caso quer no outro o negócio falhou pela mesma razão. Depois de analisarem vários números de "a Página" concluíram que o jornal era “demasiado crítico”. Disseram-nos, claramente, que o Ministério da Educação é um grande fornecedor de publicidade e que nos devíamos não só diminuir o tom crítico em relação à política educativa como inverter as nossas opiniões. É evidente que os mandámos dar uma volta.

O maior valor do nosso jornal está na forma aberta e plural como tem sido feito. Já tem acontecido até publicarmos coisas que de um ponto de vista jornalístico podiam ficar fora do âmbito do jornal, umas vezes pela extensão exagerada dos textos, outras por alguma ingenuidade e prolixidade do texto. Mas publicamos sempre por respeito por quem nos procura e procura o jornal como espaço alternativo de comunicação.

Cinco anos mostraram-nos que não é possível conciliar independência e pluralidade com a meia dúzia de empresas institucionais que controlam o mercado da publicidade em Portugal. Também não podemos contar com os espírito regionalista, com que contam os jornais regionais, e lhes garantem uma parte substancial da publicidade. Nós somos um jornal especializado de âmbito nacional. Somos independentes. Temos até assinantes na Galiza, ou como alguns deles dizem, em Portugal/Norte. Vamos também neste aspecto procurar processos alternativos. Tentar que pelo país um bom número dos nossos leitores angariem publicidade para o jornal. Pode ser um bom "furo" para alguns e um bom apoio ao desenvolvimento deste projecto.

Referiu-se à Profedições O vosso projecto não se circunscreve ao jornal a Página.

De maneira nenhuma. O que criámos foi uma "micro empresa" que tomou a designação de Profedições. O objectivo é manter um jornal que dando lucros, permita investimentos na edição de livros.

Quer o jornal, quer a edição de livros, devem manter-se nas áreas da "educação, ensino, sociedade e culturas". A ideia e contribuir para a elevação da massa crítica de todos os que se interessam de modo particular por estas áreas. O nosso público-alvo são os professores, os decisores políticos, os investigadores, os pais, os autarcas, os alunos e os formandos que frequentam especializações em ensino.

No último ano e meio editamos quatro livros. Temos vários à espera que se reúnam condições económicas, para irem para a tipografia.

Está planeada e pronta a ser editada uma colecção de "livros de bolso" sobre educação. Espera meios económicos que a viabilizem. Para isso são precisas três coisas: alguma recolha de publicidade para o jornal, um aumento da procura de livros por parte dos professores e que as pessoas - só porque trabalhamos na área da cultura - não pensem que somos a Gulbenkian. As editoras pedem-nos inserção de publicidade gratuitamente, embora paguem bem aos jornais do grande público. Escolas, Bibliotecas, Câmaras Municipais... pedem-nos ofertas, mas compram os diários e semanários. O preço anual da nossa assinatura parece-lhes uma fortuna! Apanho-me a pensar que as pessoas que trabalham na área da cultura são os piores inimigos dos projectos culturais. Só querem borlas. Como se não tivéssemos de pagar os jornais e os livros que fazemos.

Por outro lado, os professores compram poucos livros. Apesar de se dizer que devem existir cerca de cento e cinquenta mil educadores e professores em Portugal, apesar do número de alunos que frequentam cursos ligados ao ensino, um livro desta área tem sucesso se vender quatrocentos a quinhentos exemplares! É um absurdo. A maioria dos professores são consumidores de fotocópias. Não se dão conta da diferença educativa e cultural entre possuir um livro ou a fotocópia do mesmo.

Mas isso não tem a ver com o poder de compra dos professores?

Em parte sim. Mas não só. Os professores não se privam a si e aos seus de muita quinquilharia cara e inútil. Além disso de um ponto de vista ético e profissional, tem o dever de proteger o livro. A guerra as fotocópias devia começar pelos professores. Deviam ser os primeiros a desenvolver o gosto pela utilização de livros por parte dos alunos. É o contrário. Escandaliza-me que nos Politécnicos ou nas Universidades os professores incentivem os alunos ao uso da fotocópia. É um mau exemplo. Nos outros sectores os professores dão o mesmo triste exemplo aos alunos. É claro que é uma questão funda ligada ao problema das bibliotecas escolares. Mas sendo um imperativo de consciência e de cultura devia levar os professores e os seus sindicatos a exigirem os livros necessários nas escolas. Sem ficarem dependentes das ofertas.

A este dever dos professores, em proteger o livro, deve corresponder o direito de descontarem no IRS o custo dos livros que compram. Essa é uma reivindicação que professores e sindicatos deviam levantar com vigor, com o apoio claro e público da Associação dos Editores e Livreiros.

Só se podem fotocopiar livros que existam e para existirem têm de ser publicados e para o serem tem de ser comprados. Insistir na fotocópia é restringir de tal modo o mercado livreiro que não pode levar senão à morte dos livros. Com isso perde-se a diversidades de opiniões, o conhecimento de novas ideias, deixa-se muita coisa boa nas gavetas.

Voltando ao jornal a Página. Vende-se por assinatura e nas bancas. Qual o peso dessas componentes?

Com a Página acontece o que se passa com os jornais de periodicidade acima da semanal. Para se afirmar a aquisição nas bancas os leitores têm de ter um dia de referência para a sua aquisição, por isso um jornal mensal tem muita dificuldade em se impor nas bancas. Os vendedores perdem-lhe a referência e deixam-nos pouco tempo em exposição. Aos leitores, a não ser que particularmente motivados, não é fácil adquirirem o hábito de ir, na primeira terça-feira de cada mês à procura deste jornal. Por isso os mensários têm dificuldade em se impor nas bancas e em competir, por exemplo, com as revistas. O leitor interessado tende a assinar os jornais com esta periodicidade. Estar nas bancas e uma forma de ir adquirindo mais assinantes e de ir diversificando o universo dos leitores. Por isso o desequilíbrio a favor da assinatura.

Com o peso dos assinantes foi um golpe rude a perda do porte pago durante o governo de Cavaco Silva. Hoje só as publicações regionais, ou as que fingem ser regionais e as publicações da igreja é que têm esse benefício.

É inacreditável que um jornal como a Página, sem fins lucrativos, inserido numa área importante para o desenvolvimento da sociedade, cumpridor das suas obrigações fiscais, seja tratada como se fosse uma publicação motivada para o negócio. A perda do porte pago impediu-nos de publicar uma dúzia de livros nestes últimos dois anos. Entretanto os governos vão distribuindo apoios aos “fregueses” que se portam bem

Não recorrem a apoios?

Não. Pedir apoios não se enquadra com a independência editorial. O tempo, o dinheiro, a paciência e a independência que se perdem para conseguir um pequeno apoio não compensa. O processo é tão burocrático, são precisos tantos sorrisos, tanto servilismo que para além da independência gastamos a vida antes de produzir qualquer coisa de útil.

Importante e pensar, planear e correr o risco de fazer. Mesmo que a obra não seja perfeita, é preciso dar a cara e arriscar. Dou-me o direito de gastar vinte por cento da minha vida a pensar o que fazer, para que fazer e como fazer O tempo restante que seja para concretizar o que foi pensado.

Não me dou bem com os hábitos dominantes que se traduzem numa conversa eterna. Em Portugal gasta-se o tempo a falar do que se quer fazer Fujo desse costume nacional. Dos salamaleques, da palmada nas costas, do faz de conta que faz, do fingimento, do "trabalhar" para o umbigo e para os amigos.

Voltando à venda nas bancas de jornais. Em que zonas do país a Página tem maior aceitação?

A concentração de assinaturas está a Norte. Nas bancas - tenho tentado perceber porquê - em termos médios vendemos mais em Setúbal, seguindo Faro, depois o Porto e só então vem a Grande Lisboa. Estudando os mapas da distribuição não me parece que tenha a ver com a política da distribuidora. Terá mais a ver com a divulgação. Estamos, desde Outubro, apostados em divulgar mais o jornal na área da Grande Lisboa. Mas repare, um jornal impõe-se se fizer publicidade a si próprio. Os custos dessa publicidade são proibitivos para uma micro empresa como é a Profedições. Vamos andando devagarinho.

E os Açores, Madeira e Galiza?

Só tivemos uma iniciativa de divulgação nessas áreas. A resposta foi encorajadora. Quando houver meios voltaremos a insistir. O caso da Galiza e especial. Pode dar resultado a venda nas livrarias.

Que leitores manifestam maior interesse pelo jornal?

Fazendo fé nos contactos dos leitores com o jornal o interesse foi variando ao longo destes cinco anos. Hoje estou convencido que os níveis mais baixos de interesse estão entre os que recebem o jornal por oferta do SPN. Talvez por lhes ser oferecido. Não ser procurado. O maior interesse vem dos leitores ligados às ciências da educação e dos professores que investem na sua formação. As instituições e os decisores políticos, mostram também que acompanham o que se publica no jornal.

Neste virar de ano, para a Profedições de celebração do quinto aniversário, que projectos para o futuro?

É fundamental manter as linhas gerais da orientação traçada há cinco anos. Ter a coragem de continuar plural e independente, mesmo quando alguns leitores não gostam e pedem o silenciar da realidade, o gratuito, ou a propaganda em vez da informação. Nem os profissionais ligados a este trabalho, nem a direcção suportariam a fraude informativa.

A história faz-se de factos e da sua interpretação. Seduz-me a ideia de um dia alguém descobrir este jornal e reconhecer que todos os que o fizeram procuraram rigor, isenção, profissionalismo e muita vontade de contribuir para que a educação e o ensino sejam capazes de fazer as pessoas mais felizes. É imprescindível não cair na tentação de agir de acordo com o politicamente correcto.

É necessário manter a capacidade de inventar os meios de fazer um jornal e de publicar livros sem meios. Isso exige trabalho e uma procura constante de solidariedades. Muitos dos que ao, longo destes cinco anos, escreveram com brilho neste jornal fizeram-no sem remuneração. Para eles contou o prazer da escrita e da comunicação, o espírito de solidariedade. Identificaram-se com os objectivos deste projecto: usar as páginas de um jornal para nos enriquecermos uns aos outros, para trocar ideias e experiências, para melhorar a qualidade do ensino e educação neste país, para fazer os portugueses mais felizes.

Um jornal é quem o lê e quem o faz. Perde o valor quando não tem esta cumplicidade. As trinta e duas folhas de papel em branco que em cada mês temos à nossa frente, por vezes, metem medo. Mas são a ponte que permite o diálogo entre quem lê e quem escreve. É a pensar, mês após mês, nos que nos lêem que vamos continuar a trabalhar

Vamos estar atentos às reacções dos leitores, às suas sugestões e críticas. Neste mesmo número vai um postal-inquérito. Ninguém imagina a ansiedade com que espero o retorno.

No plano editorial vamos fazer o impossível para que até Setembro se editem os primeiros cinco números da colecção livros de bolso para a educação.

Estas são algumas realidades.

Sonhos? Prefiro falar de realidades, mas ainda não perdi o sonho de ver este mensário transformado em semanário. Se há tantos diários desportivos em Portugal porque não um semanário da educação, ensino, sociedade e culturas? A mentalidade das pessoas muda, não é? Nem que seja pelo normal decurso do tempo.

 


  
Ficha do Artigo
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Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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