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(Des) Inquietações

 

"A esperança é um conhecimento completo das coisas... não só de como são e como aparecem,
mas também de como devem transformar-se
para estar de acordo com a sua própria realidade...
e com a lei do seu ser...
O desencanto é uma forma irónica, melancólica e aguerrida
da esperança; modera o ímpeto profético
e generosamente optimista, que facilmente subvaloriza
os possíveis receios de regressão, de descontinuidade,
da trágica barbárie latente na história."

Claudio Magris

 
A "Página" vai entrar no seu sétimo ano de publicação. Faz agora seis anos estávamos a ultimar, com enorme entusiasmo, este projecto. Em Dezembro de 1990 fizemos sair o número zero em jeito de experiência. Na primeira página desse número aparece Roberto Carneiro em traje de futebolista. Aparecia assim, porque assim o fotografámos, mas simbolicamente lançava o desafio da reforma. Nas escolas sentíamos que havia inquietação e uma enorme dose de esperança. Parecia que todos sabiam que era preciso mudar. O que nos diferenciava não era o sentimento da necessidade de mudança, sobre isso pareciamos todos de acordo, mas o grau de convicção quanto aos caminhos a percorrer. "A Página" nasceu nesse contexto e dessa necessidade de discussão e de mudança, de procura de novos caminhos, da necessidade urgente de troca de opiniões. Apostamos em criar um espaço que permitisse dar voz a quem dia a dia se debatia com os problemas do quotidiano das escolas, da educação e do ensino e em dar voz aos que noutras instâncias tinham o encargo de pensar "cientificamente" a coisa educativa. Penso que cumprimos o nosso projecto inicial.

Folheio agora os números que produzimos durante estes seis anos. Foi o tempo de lançar, experimentar e avaliar a reforma. Um tempo historicamente privilegiado. Um tempo a estudar pelos que virão depois de nós.

Em seis anos produzimos mais de quatro mil peças jornalísticas sobre ensino, educação, sociedade e cultura! Destas fazem parte mais de sessenta entrevistas com os pensadores e estudiosos da educação e do ensino. Está tudo aí, à disposição de quem queira avaliar as ideias da reforma, a sua aplicação e a sua avaliação, de quem queira pensar a educação dos anos noventa em Portugal. Fazer este jornal continua a ser um acto de esperança na educação e no ensino em Portugal e no mundo. Morra a esperança e morrerá este projecto de trabalho.

Como contraponto a este apontamento sobre os seis anos de "a Página" tomo a última reunião que fiz numa escola do Porto. Pediram-me que fosse participar num colóquio sobre "Os desafios à Educação neste final de século". Coube-me falar em primeiro lugar. Deram-me como tempo de intervenção vinte a trinta minutos. Preparei a minha intervenção pensando fazer referências à globalização e aos desafios que coloca à educação, pensei referir os problemas das novas formas de comunicação — em particular o problema dos nossos alunos informatizados e desinformatizados— a nova escola de massas e as questões da diversidade e da educação multicultural, as novas concepções de igualdade social, as questões dos imigrantes, as novas exigências do mercado de trabalho, as mudanças na ciência e na tecnologia, as consequências para a escola da ideia do aprender sempre, os problemas da exclusão social e o impacto que tem sobre a escola... e umas quantas questões mais, como os modelos de escola, a autonomia da nossa profissão e essa coisa tremenda que é a necessidade de cada professor ser um intelectual criativo e crítico. Só que, a experiência de participar nestas coisas, fez-me perceber, cinco minutos depois de começar a falar, que nada disto interessava aos professores da escola. Abreviei o melhor que soube e pude em doze minutos. Seguiu-se o debate.

O debate foi francamente participado. Nada que se compare com esses debates em que se fica à espera que alguém tenha a coragem de começar a falar. Porque estávamos no início do ano saltaram as questões que de facto preocupavam os professores da escola. Para começar a questão dos horários. Durante mais de quarenta minutos — teriam sido mais se a moderadora não pusesse fim à questão — discutiu-se a forma como tinham sido gizados os horários, que professores e grupos favorecia ou desfavorecia, que influências tinham ou não tinham certos professores e grupos junto da comissão de horários e outras coisas que tais. Depois pegou-se na distribuição de funções, e nas reduções da componente lectiva que tais funções acarretam, e foi-se por aí fora, com algumas referências aos créditos para a formação, terminando tudo pela questão da distribuição dos equipamentos e pela capacidade ou incapacidade do Conselho Directivo adquirir, ou não adquirir, mais este ou aquele equipamento. Quanto ao "produto" educativo, nem uma palavra.

Este "colóquio" reforçou a minha convicção de que muito mudou pelo menos nalgumas escolas portuguesas. Aparentemente o que está agora aí — não me digam que não é o produto directo da política cavaquista e da "reforma" — já não é a inquietação quanto aos novos caminhos a percorrer pela escola portuguesa. O que agora domina é a gestão do quotidiano escolar e da carreira. Inovação? Criatividade? Cultura? Debate? Refundação do Sistema? Quando muito parece-me que nos ficamos pelo "Big Show Sic educativo". E se assim é este jornal tem de repensar a sua linha de intervenção. Não para nos conformar-mos com o que está, mas para responder ao que está.

Nunca foi e não vai ser agora que vamos escrever para as minorias que resistem. Hoje, como há seis anos, escreveremos para desinquietar as maiorias que se formam em cada momento histórico. Como diz Claudio Magris "O desencanto é uma forma irónica, melancólica e aguerrida da esperança". Vamos ver se ainda somos capazes.

 

José Paulo Serralheiro


  
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Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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