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Globalidade e mudança ainda a desejar Abril

Por estarmos a dar os primeiros passos na Internet, este facto provocou a necessidade de alguma reflexão.

Anuncia-se para a entrada do próximo milénio uma sociedade globalizada pela informação. Isto apesar de o mundo ser a realidade que é, com os seus milhões de famintos, de analfabetos, de arredados de tudo, menos da doença e da miséria.

Diz-se que esta sociedade globalizada é capaz de encurtar as distâncias políticas, culturais e económicas e de submeter todo o mundo a um império anónimo exercido de fora das fronteiras dos Estados e das Nações. Estes estarão condenados a ser meras caixas de ressonância de um mercado omnipresente, voraz, senhor da ordem mundial monolítica, concentrador e devorador das energias humanas criativas. Os homens transformar-se-ão em pura abstracção.

Esta visão catastrófica parece resistir mal a uma análise mais aberta às múltiplas possibilidades de transformação mais profunda que se gera no processo histórico e no decorrer dos vários tempos vividos pela humanidade. A História ensina-nos a libertarmo-nos dela para a transformar em projecto humano aberto e provocativo. Por seu lado a Sociologia mostra-nos as semelhanças estruturais através das quais as transformações históricas envolvem não processos isolados e parciais, mas complexos sistemas unitários. A História diz-nos que a humanidade nunca quis morrer, não se deixa dominar por qualquer visão de fatalidade e antes se levanta e transforma nos momentos oportunos para a sua sobrevivência.

Importa desde logo não esquecer que a globalização da economia, da cultura, da politica, do poder, se faz através de mecanismos da informação transformados em meios ampliados de comunicação, e que esse império das redes de comunicação vem potenciar as condições da educação dos homens em homens. As redes de informação permitem por de acordo a formação do homem global, genérico e tudo o que é humano, com o processo de singularização do sujeito criativo, critico, autónomo e competente. Desenvolver em todos o que é comum à humanidade não é contraditório com a construção da singularidade de cada homem ou mulher em qualquer tempo ou lugar.

A globalização é produto da tecnologia que a ciência produziu. Esta tecnologia depende da utilização cultural e política que dela se faça. Nada impede que os receptores das mensagens se transformem em emissores e passem a desmistificar e a comandar os novos processos da comunicação estabelecida entre as pessoas. Esses são rumos que desejamos para o futuro.

Do que se trata é de substituir os fantasmas da dominação de poucos pelo esforço de muitos no sentido de ampliar as competências cognitivas e comunicativas que dêem sentido e autenticidade à vida humana amplamente co-participada.

Talvez não valha a pena preocuparmo-nos muito com os actuais donos dos meios de comunicação — um império que se destruirá a si próprio. Olhemos com esperança e simpatia para as micropolíticas que actuam no plano das relações sociais, no plano da escola voltada para a cultura local e regional, nas relações intersubjectivas dos iguais no aprender e na negociação dos conflitos, no campo da preservação do meio natural e do universo sóciocultural, no plano da intervenção popular, atentos às lutas do dia a dia visando a construção de uma cidadania solidariamente responsável e sensível aos apelos da humanidade, como um todo, e de cada homem ou mulher em particular.

Os desafios da globalização obrigam-nos a procurar uma educação mais capaz de contribuir para a formação de cidadãos mais armados criticamente, mais competentes para participarem individual e colectivamente nos meios postos à sua disposição.

Acontece que a educação tem sido conduzida com base em teorias desencontradas a partir da razão grega colocada na bipolaridade de sujeito e objecto de conhecimento. De um lado temos as teorias que dão realce a factores externos objectivos — os factos — como o positivismo, o behaviorismo, o marxismo, os vários culturalismos, a tecnocracia. Do outro temos as teorias humanistas, psicológicas, as da não-directividade, da resistência ou o construtivismo. É natural que a partir de pressupostos tão desencontrados seja difícil articular as práticas e as pesquisas educativas de modo a gerar consensos e políticas educativas mais consistentes e capazes de responder aos problemas com que a educação se confronta.

Parece necessária uma outra postura face à educação. Um novo paradigma em que as bases do saber e da educação não apontem para o domínio do homem sobre a natureza e os factos — estabelecendo assim a dominação entre eles — mas no sentido das relações entre pessoas se basearem na reciprocidade e na igualdade, desde a linguagem que comummente usam na vida quotidiana a qual deve servir de pano de fundo a uma convivência social igualitária de modo a poderem entenderem-se entre si e sobre o mundo em que vivem.

Em vez de uma razão que aceita uma só lógica, é preciso uma razão que aceite muitas vozes e se construa no seio das comunidades, procurando em cada nova situação o consenso possível em cada momento. Um novo paradigma fundado na troca de saberes e de práticas em que saberes e práticas em que saberes e práticas se reconstroem em cada momento de aprendizagem. Assim a educação pode transformar-se em pesquisa e esta em pesquisa-acção ou pesquisa-educação. Esta pesquisa-educação, mais do que detectar problemas e carências, deve descobrir os saberes do senso comum e da vida quotidiana, os valores vividos, as potencialidades adormecidas.

Se é verdade que a educação se socorre de uma ciência específica, a Pedagogia, não é menos verdade que precisa de recorrer a outras áreas científicas. Por isso a pesquisa-educação é uma tarefa complexa a exigir interdisciplinaridade. Por isso o processo educativo deve recorrer à cooperação interdisciplinar e ao saber dos educadores. Um saber que se alicerce cada vez mais nas práticas de ensino e da pesquisa.

Campo eminentemente político, a educação supõe a crítica, a argumentação que conduz à racionalidade de uma vontade colectiva porque consensualmente concertada. É essa vontade politica colectiva — e não a das autoridades — consensualizada a partir da análise da prática que deve definir os novos parâmetros para uma educação de qualidade, democrática e consistente que tenha como objectivo produzir as melhores condições para as aprendizagens necessárias à plena participação dos cidadãos nas instituições e nas novas formas e meios de comunicação postos à sua disposição.

A valorização dos saberes em contacto na educação ao confrontar-se com a pluralidade de saberes e de culturas importa que assuma o desafio de incorporar as imagens dispares do mundo num discurso coerente e respeitador das diferenças das culturas em diálogo.

Em vez de tudo querer reduzir ao império de uma racionalidade monológica, é preciso contribuir para a construção de uma razão aberta a mil vozes em que tenham lugar as diferenças de cor, religião, sexo, de interesses políticos e profissionais ou as particularidades dos estilos de vida.

É também a pensar nestes desafios trazidos pela globalização e no papel que a educação deve vir a desempenhar que a Página continua a publicar-se numa procura constante de se ligar ao quotidiano das pessoas e da escola e de dando voz nas suas páginas à pluralidade dos olhares, e à singularidade de cada um trazer a todos o que nos é comum. Porque estamos em Abril continuamos a pensar que esta é uma maneira de dar sentido ao que desejámos em 25 de Abril.

José Paulo Serralheiro


  
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Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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