Editorial de Março de 1997 Hoje, a menos de três anos do fim do milénio o futuro parece bater-nos à porta. Recusar-lhe a entrada parece um sacrilégio. Nós, todos nós, estamos sujeitos a este clima. Sabemos que as datas valem o que valem e no entanto não conseguimos escapar-lhes. Já não nos surpreendem os avanços da tecnologia: fluxos planetários de informação por satélite, a robótica, o domínio das ferramentas audiovisuais, as videocassetes, os CD-ROM e outras aplicações computorizadas... Este mundo aberto ao novo, em constante transformação, coloca-nos constantemente frente a frente com o valor do que existe. Sentimos insegurança pelos nossos apegos, receamos pela nossa incapacidade de ser capazes de entender e de andar à frente do que é novo. Neste mundo aberto ao novo, em educação, estamos perante uma complexidade extraordinária: encontrar a maneira de combinar os avanços científicos e tecnológicos com a experiência educativa acumulada durante séculos. Termos a capacidade de nos por em dia com a realidade de modo a sermos capazes de proporcionar a todos os nossos alunos futuros viventes e profissionais de um tempo que já não é o nosso o essencial para poderem responder aos novos desafios de agora e do futuro e dar-lhes os instrumentos e as ferramentas que lhes permitam enfrentar com êxito as novas circunstâncias da vida e os desafios da sociedade que aí vem. As soluções que agora formos capazes de encontrar irão definir não só o futuro da educação mas também, em grande parte, o que será o século XXI. A maior parte dos problemas educativos definem-se a prazo de meio século. Os professores que se formarem agora serão professores no ano 2.O40! Hoje, em todos os países, a educação é chamada a responder a novas questões e a novos desafios. Umas surgidas da modernização económica, outras de políticas que importa avaliar, ou da consolidação da ordem democrática, outras ainda em consequência da globalização, quando, em muitos casos, a nível local, não houve sequer a capacidade de superar insuficiências seculares que afectam a sociedade em geral e a escola pública em particular. Reflectir sobre estes desafios, sobre os temas que o mundo lança à educação de maneira ininterrupta e avassaladora e que em muitos casos desorienta os professores e os decisores políticos descobrir alternativas e apontar propostas, justifica que em Portugal se juntem todos os que de algum modo se relacionam com a educação e em conjunto debatam o que está ultrapassado e o que é preciso inventar e construir de novo em educação. Este é um desafio que se coloca a todos nós, mas é particularmente um desafio a colocar aos representantes dos professores. Esperemos que alguém tome a iniciativa para bem da educação e da sociedade portuguesa. Chegou a altura de nos reconhecermos como iguais. Sindicalistas, universitários, governantes, pais, agentes de desenvolvimento, estudantes, técnicos de educação, educadores e professores, vamos todos debater o estado da educação em Portugal e a responsabilidade de responder às exigências do presente e do futuro. Vamos em busca dos novos caminhos. Entendamo-nos sobre o diagnóstico da educação em Portugal e sobre as propostas para o seu futuro. É fundamental não ficar para trás. É necessário perceber a nova procura escolar, retirar consequências da ideia de ensino ao longo da vida, compreender as novas exigências do ensino/aprendizagem, as novas relações com os territórios educativos de que cada escola faz parte, as novas relações da escola com a sociedade portuguesa e com o mundo. Naturalmente que as novas exigências não estão desligadas do novo tipo de educador e professor que é necessário construir, nem desligadas dos novos saberes profissionais a desenvolver. E se é um facto que hoje se colocam exigências mais elevadas aos educadores e professores isso implica também que sejam dadas aos professores e educadores oportunidades de formação/actualização e em consequência uma nova consideração social, económica e profissional. Não basta dizer, retoricamente, que os professores estão no centro do desenvolvimento das sociedades actuais, é necessário que essa afirmação se traduza em factos concretos. A responsabilidade por dar substância prática a esta afirmação se é dos decisores políticos é também dos docentes. Os professores e educadores têm de abrir-se e estar disponíveis a essas novas exigências. Têm de estar dispostos e empenhados em percorrer os novos caminhos profissionais que lhe são exigidos, mas em contrapartida é necessário que em troca o poder político e a sociedade lhes reconheça esse esforço e esse papel. Ao contrário do que aconteceu e acontece com outras profissões que se tornaram obsoletas pela evolução da ciência e da técnica, a profissão docente ganha por força destas mesmas transformações novas exigências e um papel mais exigente e de maior relevo. É pois de todo impensável permitir que alguns por razões muitas vezes contraditórias e oportunistas contribuam para a menorização da profissão. Os governos pressionados pela necessidade de baixar despesas podem ser tentados a diminuir o salário dos educadores e professores, apelando ao seu voluntarismo. É um erro. Alguns grupos de professores pressionados pelos seus interesses particulares, egoístas e imediatistas podem ser tentados a pedir benesses desligadas da responsabilidade social de aprender e ensinar. Nos dois casos são atitudes conservadoras e atentados ao interesse mais geral da sociedade e das novas gerações. Devem ser combatidos. Mais do que nunca é importante discutirmos juntos o que queremos e que responsabilidades somos capazes de assumir em conjunto agora e no futuro. Entre outros temas é necessário discutir a responsabilidade social de educar para um desenvolvimento sustentado e democrático. Como educar para o conhecimento, a compreensão e o respeito da diversidade social e cultural? Como educar para o trabalho, fonte principal da riqueza e do desenvolvimento? Como educar para o aproveitamento e valorização dos actuais meios de comunicação? Como garantir um sistema público, laico, gratuito, democrático e de elevada qualidade? A importância actual da educação é demasiado grande para ficar apenas nas mãos dos que circunstancialmente nos governam. Obriga a grandes convergências sociais. Já dissemos que nenhuma mudança de fundo se fará se não tiver como principais protagonistas os professores. O reconhecimento deste facto acarreta para os docentes maiores responsabilidades. Por isso os sindicatos representativos dos docentes e estes individualmente ganham, nesta sociedade, uma importância acrescida. A eles se exige um novo protagonismo e sentido de responsabilidade social e política. Nenhum projecto educativo pode ter sucesso se não for capaz de reconhecer de facto esta importância. Tenhamos pois a ousadia de partir para um debate plural com algumas convicções. Num projecto educativo nacional estão, em larga medida, a definição do perfil do mundo que queremos. É preciso dar impulso a uma educação que fortaleça e impulsione valores (a aprendizagem da ética; a importância de uma sociedade que tenha como fulcro fundamental o saber e o trabalho; a reafirmação permanente da dignidade da pessoa; a reafirmação do conhecimento como instrumento fundamental de integração social e de convivência saudável entre todos os cidadãos nacionais e do mundo; o reconhecimento de que um ensino público de qualidade é uma condição essencial para alcançar novos estádios de desenvolvimento político, económico, social e cultural e de combate à exclusão social.) Seja por todos reconhecido que a educação e o ensino são bens demasiado preciosos para ficarem ao sabor de interesses privados ou das leis do mercado. No debate que julgamos necessário e que queremos ajudar a promover outras perguntas importa fazer. Que mundo queremos e que papel têm nele a educação e os professores? Em que medida as novas exigências sociais modificam o sentido da educação? Como manter, no meio de toda a transformação social, o sentido humanista da educação? Como melhorar a educação pública e laica de modo a garantir-lhe a qualidade que lhe permita responder aos novos desafios sociais? Que o espaço de debate que propomos se venha a realizar é nossa vontade. Que a realizar- se seja capaz de ser um espaço plural, aberto, de alto nível académico, para discutir, reflectir e apresentar propostas, acções e ideias. Para avaliar sobre as capacidades e fraquezas dos sistemas educativos; sobre o que queremos da educação; uma forma de darmos o nosso contributo efectivo para a vida democrática da nossa sociedade; para entender melhor os fenómenos da regionalização e da globalização; um meio de contribuir para uma sociedade mais justa e mais livre. José Paulo Serralheiro
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