(Especialmente para a Tita e outros professores que o sistema maltrata e não merece) Há vinte anos, não precisavas de mostrar serviço, tudo era feito para os miúdos, sem o intuito de acautelar uma boa avaliação de desempenho. Já nesse tempo levavas à praia os putos que nunca a tinham visto e a Fátima escrevia: "Chegámos à praia felizes por sentir a areia nos pés. Bem depressa cada um se começou a despir, indiferente aos olhares mudos espantados de gente que nunca viu tal coisa. Os "Torres", de cabelos rapados, onde ainda se notavam os sinais visíveis das lêndeas esmagadas pela tesoura da poda, tinham o ar de presidiários famintos da vida, da vida e do ar que nós lhes oferecíamos. Também eles queriam mostrar os seus fatos de banho! - Oh! Meu Deus! Que vergonha! Aqueles meninos só têm cuecas! - E envergonhada a senhora mandou o filho levar-lhes um fato usado... e fez felizes os "Torres". Ei-los a correr alegremente para o mar, dispostos a acabar com a "raça" das cuecas novas do pai. E os "Almeidas" eram tantos!... Nove na mulher e nove na amante. tinham um distinto ar de ciganos matreiros a quem a vida ensinara a vencer (...) Se eu fosse escrever tudo o que sei, tudo o que vi, não chegariam mil páginas. Não se chega impunemente à beira da reforma passando por aventuras que até já esquecemos. Não é Tita? A tua (e nossa) desdita foi vivermos um tempo em que os currículos se avaliam "ao quilo" (como diria o nosso amigo Daniel Espain) e os professores primários têm pouca cotação. Um tempo em que muitos teimam ainda em continuar de costas voltadas, a desenrascarem-se como podem na redacção de projectos formalmente plurais, mas individualmente vividos no isolamento físico e psicológico de uma qualquer sala de aula. Recentemente, a comunicação social deu notícia da entrega de um prémio a uma escola cujo projecto fora considerado inovador. Como, no que se refere à educação, os Media são pródigos em só dar notícia de desgraças, a divulgação das excepções é, em si, algo louvável. Mas não há bela sem senão. Sempre que o facto era mencionado, o objecto da curiosidade jornalística deslocava-se para o interlocutor, que era o coordenador do dito projecto. E, por maiores esforços que este fizesse para realçar que o projecto não era fruto da acção de um professor isolado mas de todos os professores da escola, a tónica da notícia não se alterava. Perdoar-se-á a falha, por involuntária, mas dela importará extrair ilacções. Nos projectos das escolas, como em todos os projectos de sociedade, não há pessoas providenciais, ou insubstituíveis. Um projecto de escola é um acto colectivo. O sucesso dos alunos depende da solidariedade exercida no seio de equipas educativas, que facilita a compreensão e a resolução de problemas comuns. E só poderemos falar de projecto quando todos os envolvidos forem efectivamente participantes, se conhecerem entre si e se reconhecerem em objectivos comuns. Para que sejam desenvolvidas novas atitudes, a organização do trabalho escolar não pode manter-se subordinada à lógica de um ensino baseado no professor isolado numa classe tradicional. Muitas escolas continuam a funcionar como espaços justapostos quase sem actividades comuns. Professores que trabalham da parte da manhã quase não conhecem os colegas da tarde. O trabalho de reflexão comum prima pela ausência. Poder-se-á falar de projecto educativo em escolas onde os professores não se encontram, ou onde apenas se reúnem por obrigação? Mas, se o professor abandonar a ilha da sua sala, descobrirá que todos são ensinantes e aprendizes de todos e em todos os momentos. Talvez passem a estar mais tempo juntos. A Escola não pode correr o risco de reprodução de uma cultura de isolamento, onde pontificam seres "providenciais". A tradição de individualismo que persegue este país manifesta-se em saudosistas venerações de regedorias, ou na crença no chuto redentor de um Carlos Manuel a jogar (sozinho...) contra a Alemanha... E a a Escola não poderia escapar ao contágio. Mas até mesmo o Gama, quando viajou para as Índias, foi acompanhado. Ninguém dobra sozinho os cabos das tormentas que a vida de uma escola, ou de um país, enfrenta. José Pacheco
|