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Hugo Santos um poeta do amor e da ausência

Muitos são os poetas que, mesmo indiferentes ao silêncio da crítica e apreciados apenas por alguns amigos e leitores, persistem na sua aventura de sempre publicarem com regularidade os seus livros. Mas fazem-no na lúcida consciência de que é longo o caminho e cada livro publicado é uma pedra posta no trajecto de quem por vocação não pode deixar de escrever e de se afirmar pela palavra poética. Eis o que nos agrada dizer na leitura do último livro de poemas de Hugo Santos - Carta de Ausentes -, que valoriza mais uma vez a sua carreira de poeta já por diversas vezes premiado.

Na brevidade expressiva da sua poética, Hugo Santos reabilita-se como um poeta atento ao quotidiano que melhor conhece, na busca de pistas e inquirições que, mesmo num tom intimista demasiado evidente, se impõe pela sua fluência discursiva e numa claridade de estilo que prende o leitor desde logo. A sua atitude como poeta reforça-se, pois, na visão e lição das coisas, mesmo quando escreve contos ou romance, porque sempre fala de si e de um país, como observara Baptista- Bastos, 'que nos fustiga, que nos trai, que nos enxovalha e que raramente nos ama'.

Porém, em Carta de Ausentes não é de si mesmo que Hugo Santos nos fala, mas de uma ausência amorosa, feita em registo bem depurado dentro de um intimismo e sentido propósito erotizado talvez em excesso, para nos fazer entender a atmosfera criada por essa 'ausência', com uma expressão amorosa bem marcada e definida que, como afirma o crítico e poeta João Rui de Sousa, deseja alcançar esse 'instante consagratório em que chega a estação vertiginosa de fascínios e de espasmos, de desinibida e transbordante convulsão sensorial, de absoluto abandono e de absoluta dádiva'.

Eram umas mãos trémulas, lembro.

Deitavam-se no meu corpo e com ele adormeciam.

Feitas às vezes de pequeninos gestos, acariciavam.

Sabiam os segredos da terra e por isso calavam.

'Toca-me', pedia-te.

Estendias os braços para diante

e era o meu corpo que vinha procurá-los.

Nesta forma de elegia feita ao corpo, que se espalha pelos vinte e sete poemas do livro, pela ausência e memória de quem está longe ('Como dizer dum tempo que não passa? / o teu nome repito.'), nesse modo de se desnudar em comovida emoção e afecto, a poesia de Hugo Santos torna-se sempre mais despojada e pessoal, despida de certos arrebiques vocabulares como acontecera em Os Dias da Espera, por exemplo.

E assim parece querer reafirmar que o silêncio que envolveu os seus primeiros livros de poemas serviu como reflexão segura e lição de uma 'escrita' mais conseguida, ou seja, uma elaboração poética que nada tem de redundante e de livro a livro nos revela o tom próprio e singular de a voz poética de Hugo Santos nos fazer esquecer os indícios de outros poetas (Ruy Belo ou Herberto Helder) e consolidar uma 'gramática' vocabular que o distingue como um dos poetas a quem importa estar atento.

Pelo menos, com este Carta de Ausentes, no virtuosismo vocabular e intenção afectiva e amorosa que soube atingir, numa forma de plenitude bem elaborada, Hugo Santos volta a confirmar que é, sem dúvida, uma das vozes poéticas de grande qualidade que sobretudo se tem revelado desde os anos oitenta.

Serafim Ferreira





HUGO SANTOS

CARTA DE AUSENTES

Prémio Oliva Guerra / 1995.

Ed. Câmara Municipal de Sintra, 1997.


  
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Autoria:

Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.

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