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CHAHINE, O FUNDADOR

PROJECTO "O DESTINO"

Um "iluminado" intentou um processo para fazer proibir o meu filme...

Diferentes poderes, por omissão, deixando fazê-lo, fazem o seu jogo.

Um "próximo filme" não se faz por acaso.

Uma dor que um ser sente no mais profundo de si deve ser revelada pela linguagem que a exaltará melhor.

Debruço-me sobre o passado... algumas recordações... precedentes.

E eis-me convencido que não são o primeiro, nem serei o último, a sofrer o sectarismo dos fanáticos.

Sinto-me mal... a minha câmara dir-vos -à o porquê e como.

Hoje ainda, trata-se de proteger o pensamento... e a moral... sobretudo dos moralizadores".

 

Youssef Chahine
Cairo, 16 de Junho de 1996

Texto publicado no Suplemento dos "Cahiers du Cinéma" de Outubro deste ano e totalmente dedicado ao cineasta egípcio.

Este número foi concebido e realizado para a primeira retrospectiva integral dos seus filmes, que teve lugar no Festival de Locarno e que depois passará por Lausanne, Zurique, Paris, Milão, Argel, Beirute e Cairo.

Não é a primeira vez que Chahine tem problemas com a censura no seu país, já em 1973 "Le Moineau" e em 1994 "O Emigrado" - este após uma semana de exibição - foram proibidos.

Realizador de 31 longas-metragem, começou a sua carreira em 1950 e sempre trabalhou no Egipto, atravessando e reflectindo na sua obra todas as voltas da política dos últimos quase 50 anos da história do seu país.

Chahine o Fundador, como lhe chama amigavelmente Ferid Bughedir, tratou todos os géneros, abriu-se ao cinema moderno, e sempre resistiu a todos os poderes... para finalmente criar uma forma autobiográfica sem equivalente no mundo árabe. Subjectivo, lírico, sensual, Chahine é hoje uma presença artística e política essencial. Na hora, em que o integrismo ganha terreno, a mestiçagem da sua aproximação ao cinema - é um admirador confesso de realizadores como Renoir e Minelli - é um dos raros contrapoderes ligados à questão crucial da imagem e da representação.

No mesmo número Chahine declara sobre as dificuldades que tem tido no Egipto.

"O que é mais grave, é a conivência que existe entre os integristas e o governo. A atitude de certas pessoas constrange o governo porque elas são um pouco mais livres. Os integristas querem o poder. Um mínimo de politização é pois necessária, se não a defesa torna-se impossível, não se compreende o que está a acontecer. O que é que impedia o governo de intervir no processo contra "O Emigrado"? Dizia-se que este filme parecia a história do profeta José. Para mim, parecia-me a história de Cristo - que também é um profeta. Com todo este calvário que me têm obrigado a sofrer, já me pareço um pouco com Ele. Mas também sou um pouco José, um pouco Maomé. No seu desejo de poder os integristas tentam fazer todo o mal possível.

Farei o meu próximo filme com entender. Se a censura tiver perguntas a fazer que as faça, estou disposto a ouvi-las. Que digam onde está o problema. Se tiverem propostas integristas, tomarei nota delas e voltaremos ao Tribunal. É preciso ter coragem para defender o que pensamos. Eu não quero ser um realizador de salão. Se nos lançamos numa batalha, fazêmo-lo totalmente. Isso, porém, pressupõe que estejamos bem informados, e que o possamos compreender através do mínimo de cultura. Se estamos longe dos acontecimentos o que é que podemos contar? Podemos descrever as pressões que uma pessoa sofre hoje em dia?

Se me propusessem fazer um filme sobre os Estados Unidos, eu seria incapaz. Não conheço os americanos, encontro-os por vezes nos Festivais. Os meus professores em Pasadena, eram absolutamente magníficos, embora a política americana seja ignóbil sobretudo em matéria de arte. Este país tem uma multitude de cadeias de Televisão, e pode difundir milhares de horas de programação, mas são incapazes de transmitir um filme estrangeiro. Eu bato-me e quero bater-me também pela juventude americana. Ela tem de ter o direito de ter acesso a outra coisa. Há festivais em Nova Iorque e S. Francisco. É preciso militar desta maneira, mostrar os filmes a esta juventude, fazer um esforço, mesmo se os Estados Unidos são a nação mais rica do mundo. Eu dirijo-me a eles porque eles também pertencem a este mundo.

Pois é... por falar nisso, de Youssef Chahine em Portugal apenas passou um filme "O Sexto Dia", e no Porto só pela mão do Cineclube.

Paulo Teixeira de Sousa


  
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Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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