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Kiarostami Faraway so close

“Eu faço filmes porque faço filmes. Não posso dizer qual é o meu ideal de cinema. Posso dizer qual não é: o cinema já não é um meio de contar histórias. Esse período foi-se. Não é um conto com imagens. Não é - não pode ser - a manipulação das emoções do público. Não é educativo, não é divertimento, não é provocar sentimento de culpa na audiência. A melhor forma de cinema é aquela que põe questões ao público. Os trabalhadores do cinema devem ser capazes de se infiltrarem na cabeça das pessoas e envolvê-las no tema. Muitas pessoas pensam que os realizadores têm respostas, mas isso não é a sua função. Isso é para os profetas e, nesta época, para os políticos formular o que é bom para a salvação da humanidade. O realizador só pode levantar questões, e é o público que deve procurar as respostas, deve ter a oportunidade para reflectir, para completar a parte que falta do trabalho. Sendo assim há tantas versões de um mesmo filme como de pessoas que assistem à sua projecção.

Na minha opinião, o cinema e todas as artes devem poder modificar a opinião do público de forma a que ele rejeite os valores antigos e fazê-lo pensar noutros. Todos estes valores que vimos mantendo até ao ano 2000 tornaram-se mais ou menos em anti-valores, e a responsabilidade do artista na sociedade de hoje é tornar as pessoas capazes de aceitar a chegada de novos. E isto um filme pode fazer facilmente. Se saires do cinema e esqueceres o que acabaste de ver, mais valia não teres perdido duas horas de sono. Pelo menos isso tinha-te dado alguma energia. Muito dos filmes actuais fazem exactamente o contrário”

Abbas Kiarostami - in “Sight and Sound” - Fevereiro/97

Não foi surpresa encontrar num número recente dos “Cahiers du Cinema” Laurent Roth - referindo-se ao véu usado por Tahereh, a protagonista de “Através das Oliveiras” - invocar Jacques Lacan, em vez do discurso islâmico ou os valores tradiconais iranianos. Significativamente, as leituras dos críticos ocidentais dos filmes de Kiarostami continuam a reproduzir a lógica da cultura ocidental que toma como “o Outro” o chamado “Terceiro Mundo”. Falando do “Olhar Fixo” de Tahereh, Roth fala em “economia do desejo” relevante só para os nossos olhos e métodos de representação: esquece que a timidez é uma característica oriental. A razão porque Tahereh esconde o seu rosto da câmara é porque isso é normal nas mulheres orientais, e, especialmente numa rapariga do campo que ela é.

Nascido em Teerão em 1940, Kiarostami é um dos poucos realizadores da velha geração da nova vaga iraniana - que emergiu no final dos anos 60 - que apesar de tudo continuou a trabalhar após a Revolução Islâmica de 1979. Originário de uma família de artistas, já dirigia filmes publicitários desde 1960, antes de se inscrever no Instituto para o Desenvolvimento Intelectual da Juventude, uma organização fundada pela Princesa Farah - a mulher do Xá - em 1970 começou a dirigir filmes. Desde então, trouxe novas formas, e talvez uma nova linguagem ao docudrama.

Tornou-se conhecido pela sua triologia - “Onde fica a Casa do Meu Amigo?”, “E a Vida Continua...” e “Através das Oliveiras” - rodados na sequência do terramoto de 1991, e que matou 50 mil pessoas em Roodbar, a norte de Teerão. Esta triologia que foi apresentada em todo o mundo - o primeiro filme não foi estreado em Portugal - ganhou prémios e aplausos em festivais de cinema e a primeira nomeação para um Oscar de um filme iraniano.

Distribuidores - como a Miramax - compraram o seu primeiro filme iraniano (“Através das Oliveiras”) enquanto ele completava o seu último filme “O Sabor das Cerejas” com um produtor italiano.

Num país como o Irão, que sofreu tão profundas modificações históricas e levantamentos sociais, é significativo que um realizador foque sempre os pequenos mas valiosos prazeres. Desde o “Passageiro” 1974, as suas personagens, são muitas vezes crianças. Ingénuas, vuneráveis, sofrem a pobreza, o desprezo e as carências das classes desfavorecidas do tempo do Xá; prometeram-lhes um futuro melhor e a conquista da dignidade durante os primeiros anos da Revolução; hoje, tornaram-se menos ingénuas.

Antes da Revolução, a censura no Irão podia ser contornada fazendo filmes para crianças. Depois, tornou-se mais difícil arranjar argumentos que passassem na Comissão de Censura, porque muitos dos códigos e simbolismo usados no tempo do Xá foram descodificados. Mas a República Islâmica proibindo a violência e o sexo não tocou nos filmes de Kiarostami porque eles nunca os contiveram. Apesar da sua popularidade junto dos críticos ocidentais, não é um sucesso comercial no Irão. Embora seja acusado de tentar agradar ao público ocidental, continua a ser muito influente junto dos realizadores do seu país.

Paulo Teixeira de Sousa


  
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Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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