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Os sem jornais

No mundo da imprensa há dois tipos de jornalistas: aqueles que escrevem tomando a si próprio como referência e os que escrevem para os outros. É fácil escrever para pessoas iguais a nós, com formação semelhante, idêntica aspiração e realização de vida. Mas tudo fica mais difícil quando o referencial passa a ser um mundo diferente do nosso. Não é tão simples assimilar essa mudança de parâmetro.

Porém, a rotina do trabalho jornalístico, reproduzida na maioria das nossas escolas de comunicação, ainda toma por base o modelo seguido pela grande imprensa. É verdade que nos últimos anos muita coisa mudou, fruto da importância adquirida pelas lutas sindicais e políticas que os trabalhadores realizaram. Com isso, a imprensa sindical acabou entrando para o currículo das faculdades de jornalismo. Até em nível de pós-graduação, há vários trabalhos acadêmicos já produzidos sobre esse tema.

Um jornalista que quer fazer imprensa sindical tem que se questionar constantemente sobre a assimilação, compreensão, e sobretudo, o interesse por parte dos trabalhadores que são os possíveis leitores do seu artigo.

E é exatamente nesse ponto crucial que se situam estas páginas, fruto da união da militância de Vito Giannotti e da jornalista Cláudia Santiago. Um trabalho que tem a coragem de dizer que o jornalismo sindical ainda precisa encontrar a linguagem dos sem jornal. Ou seja, sem usar o texto rebuscado que só serve para 'ofender', atingir a um leitor já massacrado por outros veículos de comunicação de massa. Mais objetivamente tentar falar com 83% da população que não completou o curso médio e não são leitores habituais nem de jornais, nem de revistas e nem de livros e que, consequentemente, têm grande dificuldade em compreender a linguagem padrão da grande imprensa.

Uma imprensa sindical séria, comprometida com a verdade dos nossos trabalhadores, não pode se portar como 'otoridade'. Algo que cai pronto do céu, com o peso da autoridade da instituição sindical. E os autores vão mais longe ainda. Apontam exemplos de publicações dirigidas a categorias de públicos variados, que só se preocupam em agradar aos leitores de nível superior. Cometem ainda a 'suprema heresia' de citar o jornalismo da Globo e artigos de Roberto Campos como boa base para saber falar com a maioria. E essa é a receita infalível de quem realmente conhece, e age, com intenção de atacar o problema e entende que a comunicação é condição prévia para a transmissão de uma proposta política.

O livro toca em pontos extremamente delicados. Um deles é o de indicar as possibilidades de fazer uma imprensa doutrinária e, ao mesmo tempo, utilizar as melhores técnicas do fazer jornalístico da imprensa burguesa no tratamento da informação. Desce a detalhes preciosos a respeito da relação entre diretoria de sindicatos, militâncias e jornalistas sindicais.

Consegue apontar com precisão linhas para um bom relacionamento, ao mesmo tempo em que sinaliza caminhos seguros para um trabalho conjunto no âmbito de funcionamento de um tripé formado por diretores sindicais, técnicos e militantes de base. Afinal, o objetivo desse processo será sempre 'não rebaixar o conteúdo político da mensagem sindical e conseguir que essa mensagem se converta em ação'.

A obra é consulta fundamental para os estudantes de jornalismo, na medida em que identifica e qualifica quem é e qual a função do jornalista sindical.

Tem ainda o caráter de uma espécie de 'manual' para os jornalistas mais experientes, que já atuam na área, na medida em que também constitui um instrumento que possibilita um exercício de autocrítica. Sua leitura é uma oportunidade de repensar seu trabalho.

Para os dirigentes e militantes sindicais é uma obra de alerta. Questiona o comportamento de muitos sindicatos que gastam milhões com advogados, médicos e colônias de férias e não conseguem ter uma comunicação da mesma envergadura com as bases. Prega a necessidade de os directores gastarem mais tempo pensando como deve ser a comunicação do sindicato com sua categoria: 'quantas vezes, em toda uma gestão, uma directoria coloca esse tema na pauta de uma reunião?'

Fazem ainda os autores um verdadeiro auto-de-fé na eficiência e no futuro da imprensa sindical que, além de se constituir num elemento aglutinador das bases, pode ser fator de formação política nos locais de trabalho. Afinal, 'comunicação sindical precisa levar milhões ao delírio'.

José Luiz Proença

Professor de jornalismo

Escola de Comunicações e Artes da USP

piratininga@ax.apc.org


  
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Autoria:

José Luiz Proença
Professor de jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da USP, Brasil
José Luiz Proença
Professor de jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da USP, Brasil

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