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Direitos e Abusos dos Consumidores

Os direitos dos consumidores começam, finalmente, a ser exercitados. Mas muito lentamente. Só o atraso que ainda existe pode explicar que ainda se tente enganar quem compra, por exemplo, um micro-ondas. Como é que é possível que uma prestigiada loja tenha vendido um micro-ondas usado? E não era uso de uma semana. O aparelho estava gorduroso. Cheio de restos de pastéis folhados. Para além disso, ainda lhe faltava o prato rotativo. Portanto, o espanto e a indignação de quem levou o aparelho para casa não podia ser maior. Protestou e no dia seguinte estava a trocá-lo por outro realmente novo e em condições. Nunca percebeu, porque ninguém lhe disse, como é que um aparelho daqueles estava à venda. E não se caiam em enganos: não era uma loja de electrodomésticos usados.

Embora tenha alguma dificuldade em dizer isto, há mentalidades e mentalidades. Em Portugal ainda se vive na fase do "deixa ver se pega". Se o micro-ondas tivesse ido parar à mão de outra pessoa, se calhar ela ficaria com o aparelho. Provavelmente, até já alguém ficou com ele, mesmo sem prato rotativo. Porque muita gente ainda acha que não tem o direito de protestar. Muita gente acha que não lhe vão trocar o produto porque vão dizer que o uso foi dado pela própria pessoa que se está a queixar. Depois há os outros, os que não estão para se chatear. E entre os que protestam, a maioria não tem coragem para pedir indemnização pelos transtornos. Nomeadamente o de ter que ir segunda vez à loja. Quem está do outro lado sabe que contratar um advogado para estas coisas não compensa em termos de tempo e dinheiro.

É preciso que as pessoas passem a usar dos seus direitos de consumidores sempre que achem que têm razão. Nem que seja por lhe terem servido um pastel de nata da véspera! É também uma questão de respeito pelos outros. Enquanto houver gente que se resigna e que não protesta, os comerciantes e os prestadores de serviços saberão sempre que se não "levam" este, "levam" o próximo. Felizmente, o trabalho de algumas associações ? nomeadamente a Deco ? já tem feito com que muitas pessoas comecem a usar os seus direitos de consumidores. Dão informação por telefone, a sócios e não sócios. E ajudam de facto. Graças às indicações da Deco, uma conhecida empresa de limpeza devolveu o dinheiro de um vestido que estragou e, para meu espanto, teve a atenção de oferecer um vale de desconto à cliente.

Em Inglaterra já se está numa outra fase de exercício dos direitos dos consumidores. As atenções prestadas para agradar o cliente mal servido são prática corrente, mesmo nas coisas mais pequeninas. Imagine que ia a um supermercado e que punha no carrinho dois produtos anunciados como "leve dois e pague um". Contava que só pagaria um mas, chegando a casa, verificava pela conta que, afinal, pagou dois, não usufruindo da promoção. Bastava voltar ao supermercado e dizer o que se passou. A experiência que tenho é que ninguém duvidaria da sua palavra. De imediato lhe restituiriam o dinheiro e ainda lhe ofereceriam, concerteza, um outro produto. Porque é assim que se agrada o cliente mal servido e é assim que se faz o prestígio de uma casa.

Claro que a vontade de satisfazer o cliente também pode ter efeitos contrários. Nas cidades universitárias inglesas toda a gente sabe que muitos dos fatos que uns dias antes das cerimónias de graduação saem das lojas acabam por lá voltar. Trocar roupa em Inglaterra é uma prática banalíssima. Muitas lojas chegam a dar três meses para a pessoa poder devolver uma peça de roupa, sem apresentar qualquer motivo para já não a querer. Isto explica que muitos jovens prefiram usar este "esquema" para irem elegantes às festas, sem gastar um tostão. É quase um aluguer sem custos. Vai-se buscar, usa-se e devolve-se. Com a maior das naturalidades.

Mas os expedientes do abuso não acabam aqui. Com os electrodomésticos, o prazo de devolução é normalmente de uma semana. O que pode, então, fazer um grupo de estudantes de comunicação social que tem um mês para analisar programas de televisão gravados em cassetes de vídeo. Fácil! No início de cada semana, um aluno vai "comprar" um vídeo gravador. No final da semana devolve-o e um colega vai "comprar" outro. Claro que este abuso dos consumidores pode afectar os outros. E voltamos à história do micro-ondas. O estado em que se encontra é provavelmente o resultado de mau uso de certo tipo de consumidores. Mas as lojas não ficam ilibadas das suas responsabilidades. Porque o cliente que vem a seguir é que não tem culpa nenhuma!

Hália Costa Santos
Universidade de Leicester/ UK


  
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Edição:

N.º 92
Ano 9, Junho 2000

Autoria:

Hália Costa Santos
Jornalista
Hália Costa Santos
Jornalista

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