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O Maior Espectáculo do Mundo

"Sempre que parti, fiquei nas gares olhando triste para mim..."
(Mário Quintana)

As luzes acendem-se, feéricas. A música entoa, alegre. Os animais desfilam, quase desconhecidos. Os trapezistas voam, sem asas. Os palhaços sorriem, de olhar entristecido. Sucedem-se malabaristas, equilibristas, ilusionistas, contorcionistas...
Os fatos, coloridos. As lantejoulas, brilhantes. O escuro, como breu. O cheiro intenso, a milho frito e algodão doce. O rufar da caixa, inquietante...
A voz de comando, a um tempo firme e calorosa: meninos e meninas, senhoras e senhores, o espectáculo vai começar!
Desgraçados aqueles que nunca experimentaram a magia do circo! Felizes os que nunca experimentaram o frio da desilusão no interior de um chapitô!

"A rigor, é muito difícil, de facto, precisar a origem dos espectáculos, em recintos abertos ou fechados, que marcam o surgimento do género", escreve o brasileiro Roberto Ruiz em «Hoje tem espectáculo?», avançando com uma curiosa hipótese para a génese do vulgarmente denominado ?maior espectáculo do mundo? ? o circo pode ter nascido quando, em dia de farta caça, um troglodita regressou à caverna dando pulos de alegria e fazendo rir os vizinhos com os seus esgares de contentamento.
Terá ter sido assim? O circo terá sido criado pelo primeiro homem a conseguir despertar o sorriso nos seus pares? Pelo primeiro homem a fazer a primeira palhaçada? Residirá aí a teoria de que o palhaço é a alma do circo? E se foi, quando terá acontecido esse momento exacto?
Exactistas militantes, os historiadores não acreditam em circunstancialismos fátuos. Tão pouco na espontaneidade do divertimento. Portanto, alguma razão há-de haver para que uns quantos ?alienígenas? metam pés ao mundo com a vã esperança de alimentarem sonhos alheios e ? matando dois coelhos de uma cajadada ? amealharem o seu próprio sustento.
Os ocidentalistas mais empedernidos dirão que, como tudo na dita civilização ocidental, o circo tem patente registada nos hipódromos da Grécia Antiga; outros, talvez admitam que o momento primevo ocorreu na grandeza do Império Egípcio ? no regresso das campanhas guerreiras, os vencedores passeavam os vencidos escravizados e domavam estranhas criaturas animais, comprovando as lonjuras alcançadas na epopeia conquistadora (ou descobridora); por outro lado, já nos clássicos jogos do Olimpo se praticavam exercícios físicos muito próximos de algumas artes circenses.
Estabelecido este marco civilizacional, tudo estaria bem encaminhado, não fossem os longínquos chineses a reclamarem a paternidade do circo, por afiliação a um torneio de acrobacia realizado em honra de um chefe tribal. Já no ano 108 a.C., o imperador chinês obsequiou visitantes estrangeiros com uma festa palaciana que incluiu acrobacias de tal modo surpreendentes que o próprio anfitrião decretou a realização anual de espectáculos semelhantes; a partir de então, anualmente, as festividades foram sendo enriquecidas com novos jogos: equilibrismo, faquirismo, ilusionismo...
Entretanto, as práticas gregas foram adoptadas pelos romanos, que deram em construir circos ? grandes anfiteatros destinados à exibição de habilidades pouco comuns ? um pouco por onde passavam no seu afã conquistador. Na sede do império, o circo mais antigo, e mais famoso, era o Circo Máximo, que, reconstruído após um violento incêndio, daria lugar ao Coliseu de Roma ? tristemente célebre a partir do momento em que o louco Nero se lembrou de começar a lançar os cristãos nas mandíbulas de feras esfomeadas...

Uma nova era

Cenas tristes que o povo não deixou de repudiar, começando a desinteressar-se das artes circenses, ao mesmo tempo que os artistas passavam a apresentar-se em feiras e praças públicas ?circunstância que, em última análise, acabaria por preservar esta actividade artística, conferindo-lhe o rumo que transportaria o circo até aos nossos dias.
O circo, nos moldes em que hoje o conhecemos, e como espectáculo pago, foi criado por um oficial inglês ? Philip Astley, de sua graça (1742-1814) ?, que se lembrou de organizar um espectáculo equestre, ao qual juntou funâmbulos, saltadores e o ?clown?.
Convém abrir aqui um parêntesis para esclarecer que, na época (cerca de 1770-80), a equitação era um desporto a que apenas os nobres e os militares tinham acesso; a burguesia podia ter cavalos, mas não tinha onde aprender a cavalga-los. Por isso, quando Astley criou um espaço para demonstrar publicamente, e ensinar, a arte equestre, o sucesso estava garantido ? para além do povo, nas feiras, o seu público de eleição iria ser a burguesia, que detinha o poder económico. Este foi um dos aspectos da clarividência do cavaleiro inglês. O outro foi a compreensão da possibilidade de se manter de pé sobre um cavalo a galope em torno de um círculo.
De regresso ao espectáculo. Sendo um militar, Astley organizou-o com muita ordem e rigidez. No entanto, cedo percebeu a necessidade de incluir outros números artísticos, de modo a fixar e ampliar o seu público. Introduz, então, a figura do soldado-palhaço ? ?clown? (do inglês, aldeão) ?, simbolizando o campónio que não sabe montar e que passa por uma série de desventuras. O impacto junto do público foi notável, levando Astley a desenvolver novas situações cómicas.
De sucesso em sucesso, em 1870, o ?pai? do circo moderno montou em Londres a primeira estrutura fixa para espectáculos circenses. Aí, tudo obedecia à lógica militar, das fardas ao rufar dos tambores, passando pela voz de comando para a realização dos números, dada pelo próprio Astley.
Como grande metrópole que era, de Londres rapidamente o circo irradiou para toda a Europa e para a América. Acabaria por impor-se em todo o mundo em pouco mais de 50 anos, e tornou-se um espectáculo cada vez mais complexo, onde cabem todas as expressões de habilidade capazes de provocar a curiosidade do público.


  
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Edição:

N.º 88
Ano 8, Fevereiro 2000

Autoria:

Redacção

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