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A Propósito da Campanha da FENPROF - Uma escola para Timor

Em Timor depositam-se hoje muitas das nossas esperanças depois de nos termos reencontrado com o sabor da indignação e o corpo da recusa. É tempo, então, de ser solidário. É tempo de participar activamente em todas as iniciativas que possam contribuir para que o povo timorense erga, dos escombros, o seu país.
Uma dessas iniciativas foi-nos proposta pela FENPROF que, atenta à necessidade de multiplicarmos os gestos de fraternidade com Timor Loro Sae, lançou a campanha "Uma escola para Timor" cuja oportunidade e pertinência merecem que esta seja entusiasticamente apoiada por todos nós. Avançando com um depósito de cinco mil contos, a FENPROF e os sindicatos que a integram não fizeram mais do que inaugurar uma conta que possa vir a transformar-se, em conjunto com os donativos que oferecermos, num capital de esperança para todos aqueles que possam vir a beneficiar de projectos de educação e de formação capazes de contribuir para a sua realização como pessoas; pessoas que, para além dos seus desejos, sonhos e projectos pessoais, deverão aprender a partilhar entre si as exigências e os desafios de um país que nasce, partilhando connosco, por sua vez, a necessidade de contribuir também para a transformação de um mundo cuja hipocrisia e cinismo sentiram melhor do que ninguém, nas últimas décadas deste século.
Olhamos, por isso, o rosto da criança que sustenta o cartaz da campanha de solidariedade da FENPROF e não deixamos de perguntar se será legítimo esperar tanto das escolas de Timor, quando, pelo menos, as escolas portuguesas não conseguem responder nem às expectativas de muitos dos seus alunos, nem às expectativas de um de número significativo dos seus professores, nem tão pouco, a julgar pelo que vamos vendo, lendo e ouvindo, às múltiplas, e por vezes contraditórias, exigências das comunidades onde aquelas se integram.
Afinal, para que serve uma escola ? Que responsabilidades educativas poderá e deverá assumir numa época marcada pela crise iniludível dos dispositivos tradicionais de regulação social ? Será a escola capaz de se assumir como uma instância apta a contribuir, simultaneamente, para a coesão social e para a realização dos projectos de vida das pessoas ? Poderá a escola assumir de forma consequente este papel ? Como o fará ? Que condições políticas, culturais, institucionais e pedagógicas são necessárias para que um mandato tão ambicioso se cumpra com sucesso ?
Em Timor Loro Sae talvez não sejam exactamente estas as questões que se colocam a todos os que venham a ser, nos mais diversos níveis, responsáveis pela criação e desenvolvimento do sistema de educação escolar desse país. Mas, mesmo que sejam outras as questões estruturadoras da reflexão a produzir, não cremos que os timorenses possam deixar de enfrentar uma interrogação essencial: "Para que queremos a Escola ?". Do mesmo modo que suspeitamos a tentação de a ignorar, em detrimento de uma pergunta de natureza diferente: "Como se educa correctamente na Escola ?".
Vivemos tempos de inquietação face ao impacto educativo das nossas escolas. Não possuímos respostas definitivas para apaziguar a angústia, as desconfianças e as dúvidas que nos assaltam. Apesar disso sabemos que alguns de nós têm vindo a construir projectos que apontam vias de trabalho interessantes e possíveis, sobretudo, porque souberam começar por delimitar e assumir as suas responsabilidades sociais e educativas, reinventando uma outra relação entre o escolar e o educativo, entre a criança e o aluno, entre a pessoa e o docente. São estes projectos que nos fazem acreditar que as escolas podem assumir-se como um espaço decisivo na vida daqueles que as frequentam, já não como o centro majestático de uma rede educacional mais vasta, mas como um dos pólos dessa rede, capaz de interpelar e de ser interpelada e por isso disposta a questionar-se como um espaço cuja esquizofrenia tem vinda a ser denunciada, à medida que se compreende como o significado das mensagens que aí são difundidas depende, sobretudo, da aceitação de uma sintaxe e de um léxico que só adquirem algum sentido no espaço restrito das próprias escolas.
Serão os timorenses capazes de construir uma escola sem cair na tentação de escolarizar uma sociedade ? Não o sabemos. A nós, hoje, resta-nos apenas apoiar esse esforço, sabendo que há um chão por fazer e um tempo por viver. Não nos compete fazer esse chão e viver esse tempo. A nossa obrigação esgota-se na nossa solidariedade activa, no respeito pela dignidade de um povo que terá de se empenhar na concretização do projecto político que decidir assumir como aquele que mais lhe convém. Apoiemos pois a campanha da FENPROF como uma expressão de fraternidade e de crença nas possibilidades de Timor Loro Sae se construir como um país independente. Uma escola para Timor é, por isso, uma iniciativa necessária e, em nossa opinião, não tanto por causa do número de escolas que se construirem, mas devido, sobretudo, às oportunidades educativas que qualquer uma dessas escolas poderá proporcionar às crianças e jovens que as irão frequentar. O que, tal como o tentamos demonstrar, não depende de fórmulas encantatórias ou de votos piedosos e bem intencionados, mas de decisões de natureza política mais ampla, do trabalho, do empenho profissional e de uma reflexão crítica e contextualizada acerca dos novos sentidos e das novas finalidades da educação escolar. Tanto em Timor como em Portugal.

Ariana Cosme
Rui Trindade
Faculdade Psicologia Ciência Educação/Univ. Porto


  
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Edição:

N.º 86
Ano 8, Dezembro 1999

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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