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Desertificação no "Secundário"

(Em dez anos houve escolas que passaram de 1500 para 500 alunos)

Horários zero ou reduzidos atingem 10% dos professores

O número total de alunos matriculados no ensino secundário tem vindo a diminuir gradualmente nos últimos cinco anos. Os números fornecidos pelo Departamento de Avaliação Prospectiva e Planeamento (DAPP) do Ministério da Educação não deixam dúvidas: em termos absolutos, e após uma década de crescimento que atingiu o seu expoente no ano lectivo de 94/95, com um total de 450 mil matrículas, verificou-se um decréscimo de cerca de 40 mil até ao ano passado. Se esta diminuição for proporcional nos próximos tempos, é de esperar que no ano lectivo 2000/2001 o número de matrículas desça abaixo da barreira das quatro centenas de milhar.
A explicação mais coerente para esta diminuição prende-se com a redução da taxa de natalidade em Portugal e consequente diminuição da percentagem de população em idade escolar. Este fenómeno, que se iniciou em meados da década de 80, começou por atingir o 1º ciclo, estendendo-se, por inerência, aos restantes sectores de ensino e, mais recentemente, ao ensino secundário.
Depois, os factores de geografia humana, como as migrações no interior das principais zonas urbanas e do interior para o litoral, contribuem, por seu lado, para os desiquilíbrios existentes dentro da própria rede. Se no centro das cidades, especialmente em Lisboa e Porto, a diminuição do número global de alunos é uma realidade, alguns contactos com escolas da periferia das duas urbes demonstrou como em algumas delas a tendência foi exactamente inversa.
"São as casas que não existem na cidade e sobram na periferia", explica António Gomes, actual presidente do conselho directivo da escola secundária Oliveira Martins, no Porto. Ainda há dez anos, frequentavam esta escola cerca 1600 alunos. Hoje são 500, divididos por 25 turmas. Apesar disso não encara negativamente esta diminuição. Pelo contrário: "Pessoalmente defendo que as escolas devem ser pequenas. Uma escola, tal como um organismo, quanto maior mais difícil é de controlar".
Consequência directa da diminuição do número de alunos é o aumento do número de professores com horário zero ou com reduções significativas de horário. Estima-se que no país esse número atinja cerca de 15 mil professores, quase dez por cento do total de efectivos. A maior parte das escolas conseguiu lidar com esta contrariedade afectando-os a projectos escolares ou a actividades extracurriculares, mas este número vai crescendo e as soluções escasseiam. Mais importante, e muitas vezes esquecida, é a situação de eminente desemprego dos estudantes que actualmente optam pela via de ensino nas universidades. São já muitos hoje, serão muitos mais num futuro próximo.

Ensino particular sobe

Outro dado interessante a reter da leitura dos números do DAPP é o facto de a taxa de frequência no ensino secundário particular e cooperativo ter subido relativamente ao ensino secundário público nos últimos treze anos.
Assim, se no ano lectivo 85/86 estavam matriculados cerca de 13 mil alunos, o ano passado esse número cifrava-se em quase 54 mil, o que se traduz num aumento de 324%. Comparando o universo total de alunos matriculados no ensino secundário (público+particular e cooperativo) entre 85/86 e 97/98 verifica-se que essa percentagem subiu de 5,8% para mais de 13%. Ou seja, a percentagem de alunos matriculados no ensino secundário público desceu no mesmo período de 94,2% para quase 87%.
Uma das razões que mais decisivamente terá contribuido para esta tendência foi o aparecimento das escolas profissionais no nosso país. Basta verificar que dos 54 mil alunos acima referenciados, quase 25 mil frequentam as 175 escolas profissionais actualmente existentes.
Tendência que confirma, aliás, as altas percentagens de procura do ensino técnico, tecnológico e profissional que, no conjunto do público e particular, sofreu um aumento de 575%: de cerca de 17500 alunos passou para 118 mil. Na via de ensino e nos cursos gerais esse crescimento foi inferior à percentagem de crescimento absoluto do sector - cerca de 85% -, cifrando-se nos 43 por cento, correspondente a um aumento de 205 mil para 292 mil alunos.
As escolas particulares - vulgo colégios ou externatos - também parecem estar em alta e vão contribuindo, se bem que em menor número, para a maior procura do ensino privado. A subida de notas para o ingresso no ensino superior é tido como o principal motivo para as candidaturas, mas há quem discorde.
O director do externato Lúmen, Cordeiro dos Santos, não nega que haja alunos que procurem as escolas privadas para subir as notas, "eventualmente de uma maneira mais fácil", diz, mas garante que essa não é a política da escola que dirige nem a do ensino particular no seu contexto geral. A única razão para o crescimento da procura está na "qualidade da aprendizagem" prestada por estes estabelecimentos.
"O que é um facto, e essa ideia tem vindo a crescer na europa, é que o ensino público nem sempre corresponde às aspirações dos encarregados de educação. Sendo gratuito, não se pode contestar a sua qualidade".
Neste sentido, Cordeiro dos Santos afirma não ter dúvidas de que os pais se sentem mais seguros pagando pela educação dos seus filhos. "É a única forma de os encarregados de educação terem a garantia de que os filhos são convenientemente preparados para a época de competição em que vivemos". O estado não possui esse discernimento "porque não tem tempo para isso", conclui.
Uma ideia que se estende igualmente à classe docente. "Com professores exigentes o aluno tem duas saídas: ou se esforça e adapta-se ou se não se adapta e sai". É por essa razão que no mercado de trabalho, sustenta, o professor tem de tornar-se cada vez mais competitivo. "O estado não pode continuar a pagar a professores que não têm horários, e há centenas deles assim".
Neste sentido, retoma uma ideia antiga dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo: a criação do "cheque escolar". Alegando que um aluno custa ao estado, no mínimo, cerca de seiscentos a oitocentos contos anuais, este responsável defende que devia ser dada a possibilidade aos pais de escolherem a escola da sua preferência e pagá-la com aquele valor, que seria atribuído pelo estado. Mas, neste caso, não se cairia no risco de dividir as escolas por rankings', classificando-as numa escala de "piores" e "melhores" de acordo com os resultados obtidos?
"Pode ser que isso aconteça, mas em todo o lado há escolas de excelência. E nós temos de preparar os mais capazes para defender os incapazes. Não podemos medir tudo pela mediania".
No externato Lúmen, cerca de sessenta por cento dos alunos que frequentam o 12º ano estão inscritos na escola desde o pré-escolar. Uma maneira de testar o sucesso do projecto educativo da escola e dos alunos explica Cordeiro dos Santos que, garante, ultrapassa as médias nacionais. "Infelizmente não há um mercado de qualidade onde eles possam ser recrutados. Dá-me a impressão de que existe uma grave injustiça face aos alunos que saem melhor preparados".
O futuro do mercado de ensino é só um: a concorrência e a competição que, por inerência, trazem mais qualidade. "Tanto as escolas privadas como as escolas públicas terão tantos mais alunos conforme a qualidade e a capacidade de resposta que conseguirem dar. Estamos inseridos num sistema competitivo e o nosso objectivo passa por vencermos nesse meio. Mal da escola que não o consiga fazer".

Ensino recorrente baixa

Apesar de não haver dados disponíveis sobre a evolução dos alunos matriculados no ensino recorrente, é notório que também neste subsistema o número tem vindo a diminuir. A política de concentração da oferta de cursos nocturnos é disso um exemplo. A racionalização de custos é uma das razões frequentemente apontadas, mas ela também se deve, em grande parte, à diminuição do número de matrículas. Neste caso, porém, as razões para esta redução são outras.
A escola secundária de ensino artístico especializado Soares dos Reis, no Porto, por exemplo, viu este ano o número de alunos baixar em cerca de 30 por cento. (No ensino diurno, curiosamente, a escola tem mais candidatos do que vagas, existindo, por isso, uma espécie de ?numerus clausus?, baseado nas notas do 9º ano, que funciona como único meio possível de triagem). Alberto Gonçalves, vice-presidente do conselho directivo, não tem dúvidas em afirmar que uma quota parte da responsabilidade deve ser assacada à actual legislação laboral, que "derrapou por completo".
"Eles têm grandes dificuldades em obter autorização junto das entidades empregadoras e muitos nem sequer o conseguem. Neste campo, apenas as empresas de natureza pública cumprem a lei. Nos outros casos, a relação com o emprego é precária e eles têm receio de reivindicar os direitos que o estatuto de trabalhador estudante lhes concede", explica Gonçalves.
A maior parte dos candidatos é proveniente da área dos serviços, "sujeitos àqueles horários que se conhece", ironiza aquele professor, e, na maior parte dos casos, a assiduidade é deplorável. Como consequência directa desta situação, a taxa de aprovações é muito baixa. Além disso, afirma ainda, os alunos procuram na escola mais o diploma do que as qualificações, como forma de corresponder às exigências do mercado de trabalho, ao contrário do que acontecia há uns anos atrás, onde a procura se baseava na "satisfação das aspirações pessoais de realização numa área artística".
Outra das críticas apontadas é o desajustamento dos programas do ensino recorrente face às especificidades dos alunos que o frequentam. os curriculos diurnos foram decalcados para a noite sem qualquer tipo de ajustamento, com cargas horárias que podem atingir as 25 horas semanais. Além disso, os programas foram divididos em unidades, que se tornam extremamente difíceis de cumprir mesmo para alunos com uma assiduidade irrepreensível.
"Por vezes torna-se muito difícil gerir este subsistema, que tantas hostilidades gera por parte dos professores, habituados que estão ao esquema de funcionamento diurno. O aluno do ensino recorrente necessita de um tipo de acompanhamento diferente, pensando que ele utiliza o professor fundamentalmente como um orientador da sua aprendizagem".
Por estas razões, defende Gonçalves, é necessário ajustar os programas e estabelecer um percurso individual para a escola, fora do mecanismo regular do ensino recorrente, encontrando uma lógica própria para o seu funcionamento.
Na sua opinião, estas situações derivam da clara ausência de estratégia relativamente ao que deve ser o ensino em Portugal, já que os últimos vinte anos têm sido uma colecção sucessiva de experiências e de reformas que "não se sabe bem o que preconizam ou que finalidade pretendem".
"A tentativa e erro é uma fórmula boa para os cientistas, mas mau para quem lida com pessoas e com jovens em fase de aprendizagem. E não me parece que este seja um problema exclusivo do governo, mas de todos os agentes ligados ao ensino".

Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 86
Ano 8, Dezembro 1999

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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