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Linhas e Pontos

Vejo as vidas das pessoas como linhas e os momentos decisivos como pontos. Em cada ponto - com maior ou menor consciência, com maior ou menor interferência dos outros - vamos definindo o nosso futuro. Ou porque seguimos na mesma direcção, ou porque nos inclinamos mais para um lado ou para outro. Para trás nunca se volta. Como em todas as opções que se fazem, ficamos sempre sem saber como seria a nossa vida se tivéssemos optado por outro caminho. As pessoas que vivem bem com as opções que fizeram nos tais pontos da vida podem dar-se por relativamente felizes. Desde que as opções tenham sido efectivamente suas. Depois há os outros, que vêem a sua vida a seguir um rumo completamente inesperado. Sem o esperarem. Sem o desejarem.

No Reino Unido questionam-se as políticas de acolhimento de refugiados e o dinheiro canalizado para eles. Os milhares de kosovares que chegam, quase sempre escondidos em camiões, juntam-se a muitos outros que já ca estavam. O Governo britânico está no meio de um fogo cruzado. Por um lado, é acusado de gastar demasiado dinheiro com estas pessoas que fogem da guerra, da miséria, da discriminação ou da tortura. Por outro lado, é acusado de tratar estas pessoas com pouca humanidade. Ou seja, há aqueles que não gostam que o dinheiro dos seus impostos vá para gente de outras culturas que vêm para o seu país viver muito abaixo do limiar da pobreza. E há os outros que não admitem que a ajuda seja dada em "vouchers" de supermercado em vez de dinheiro, como se os refugiados não fossem capazes de gerir esse pequeníssimo fundo de maneio. E há ainda quem não goste nada do tratamento supostamente especial que os kosovares estão a ter em relação aos outros refugiados que aqui chegaram primeiro.

Pois claro que está em causa o suor de quem desconta para um Estado... A questão é que estes contribuintes nunca devem ter visto surgir nas linhas das suas vidas os tais pontos que mudam tudo. Por certo que não sabem o que é perder o emprego. Como saberão o que é perder tudo?

As opiniões dividem-se e a BBC criou um fórum on-line para debater este assunto lançando a questão: "Temos a obrigação moral de ajudar os refugiados?". Surgiram os inevitáveis comentários defendendo que antes de mais o Reino Unido deveria ajudar os seus próprios cidadãos que vivem nas ruas, assim como melhorar os sistemas de saúde e de educação. "A caridade começa em casa", dizem uns. Outros dizem que o Reino Unido "não pode absorver todos os pobres e todos os oprimidos do mundo". Pois não, mas dava jeito que alguém o fizesse. Sobretudo as nações que em qualquer ponto da sua História decidiram entrar em territórios de outros povos. Mas parece que a responsabilidade sobre os outros povos só existe quando há uma relação de soberania.

Claro que também há comentários claramente favoráveis ao acolhimento dos refugiados. Um dos participantes neste fórum lembra que muitas destas pessoas podem acrescentar riqueza ao país. E eu acrescento que, certamente, entre os milhares de refugiados que chegam a este país, muito têm formações específicas que podem ser úteis em várias áreas do desenvolvimento. Não quero dizer que estes devam ter melhor tratamento do que as pessoas sem formação. Como não defendo que os kosovares devam ser melhores recebidos de que todos os que chegam da Algéria, do Ruanda, da Etiópia, do Sri Lanka e outros. Aliás, junto-me àqueles que questionam: o que fizeram os países ditos desenvolvidos nestes casos? Muito pouco ou mesmo nada. No tal fórum da BBC, há um testemunho de um refugiado que me incomodou profundamente: "É uma humilhação para nós. É melhor morrer logo na Algéria do que estar aqui em Inglaterra e ser humilhado um dia atrás do outro.". Não será isto suficiente para mudar as ideias de quem se recusa a ajudar os refugiados?

Hália Costa Santos
Universidade de Leicester (UK)


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 81
Ano 8, Junho 1999

Autoria:

Hália Costa Santos
Jornalista
Hália Costa Santos
Jornalista

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