Enquanto os políticos e os cientistas ingleses andam às voltas com as maravilhas e os perigos da produção e do consumo de comida geneticamente modificada, a comunicação social debate também uma outra questão que, no imediato, afecta muito mais o cidadão comum desta ilha: o racismo nas ruas e nas escolas. Depois de muitos anos de relações mais ou menos difíceis entre pessoas de diferentes raças e religiões, as angústias das minorias começaram, finalmente, a ter reflexos nos discursos políticos e a ganhar tempo de antena nos principais noticiários televisivos. Mas... Foi preciso acontecer uma tragédia. Provavelmente, foi "apenas" mais uma tragédia: o espancamento, na via pública, de Stephen Lawrence, um jovem negro, até à morte. Só que desta vez, a família da vítima batalhou para não deixar cair o caso em esquecimento. Para os pais e os irmãos, nunca houve dúvidas: tratou-se de um crime de teor racista. A família - que chegou a ser descrita nos jornais como uma família normal (!), com um nível de vida acima da média das famílias inglesas - iniciou uma forte campanha, exigindo que a polícia metropolitana assumisse a investigação do caso como um crime racista. Parece-me que a opinião pública se deixou impressionar pela forma como a família se mostrou ao país. Mas ainda bem! Foi como se, de repente, o inglês médio começasse a perceber que, afinal, entre as famílias de negros, indianos ou chineses também há gente honesta, trabalhadora e respeitável. Para pasmo do cidadão racista, esta família é elegante e educada. E foi no uso dos argumentos da razão que conseguiu mobilizar a atenção do país para a onda de violência racista que começava a aumentar perante a imobilidade da polícia metropolitana. Aliás, esta força policial foi acusada, na praça pública, de ser racista. O Governo inglês não teve outra alternativa senão intervir. A primeira coisa a fazer foi "limpar" a imagem da polícia metropolitana. De repente, as duplas de polícias passaram a ser mistas, como nos filmes americanos. Depois, foi feito um extenso relatório sobre os acontecimentos que rodearam a morte do jovem Lawrence. E o caso continua nos tribunais. Agora é preciso ver onde tudo começa. Coincidência ou não, o Governo mostra-se também preocupado com um fenómeno que se verifica há anos mas que nunca mereceu atenção especial: as escolas britânicas têm vindo a reprovar quase em massa os alunos negros. Perante o caso de Stephen Lawrence e perante a constatação de que os alunos negros estão a ser sistematicamente afastados da possibilidade de atingir os mesmos resultados do que os outros colegas, o ministro da Educação veio a público dizer que o Governo se sente forçado a lançar um olhar mais atento sobre a forma como as escolas da Grã-Bretanha servem as comunidades negra e asiática. Foram precisos muitos anos e algumas tragédias (porque há outras para além de Lawrence, mas não tão mediáticas). Os exames nacionais dos alunos britânicos mostram que os piores níveis de desempenho pertencem às crianças e jovens que têm ascendências em África, nas Caraíbas ou no Bangladesh. Por outro lado, de acordo com um estudo feito em 50 escolas urbanas, são também estes alunos os que têm os "records" de expulsão das salas de aulas. Aquilo que se questiona são os motivos deste insucesso e desta indisciplina. Enquanto alguns acusam os próprios professores brancos e até os alunos da mesma cor de serem racistas, outros preferem seguir um caminho menos polémico. Uma das explicações que o Governo encontrou foi a das dificuldades no domínio da língua inglesa por parte dos alunos oriundos de minorias étnicas e a inadequação dos currículos britânicos à diversidade de culturas, raças, línguas e religiões que começaram a juntar-se dentro da mesma sala de aula. Estratégia do Governo: dar 430 milhões de libras para um período de três anos para aulas de língua inglesa para os alunos que têm outra língua materna, estimular o respeito pela diversidade entre as crianças e os jovens, alterar os currículos. Uma das formas de atingir este último objectivo é passar a integrar indivíduos negros nos textos e nas imagens estudadas, identificando-os como modelos positivos de comportamento. À primeira vista parece ridiculamente pouco. Mas é um começo. Embora palavras como "inclusão" e "tolerância" surjam quase como utopias, pode até ser que este seja um bom começo. Hália Costa Santos Universidade de Leicester/Inglaterra
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