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Não Podemos Ignoar - Programas de consciencialização anti-minas - A Educação ao serviço da Paz

Lidar com o perigo das minas anti-pessoal é, hoje em dia, um desafio colocado diariamente a milhões de pessoas em vários países do mundo. Afeganistão, Angola, Cambodja, El Salvador, Iraque, Moçambique, Ruanda, ex-Jugoslávia ou Somália são só alguns daqueles que integram esta autêntica lista negra. Só na Bósnia-Herzegovina, e segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), foram colocadas mais de 3 milhões destes engenhos durante os quatro anos de guerra civil. O processo de remoção, lento e oneroso, já foi iniciado, mas existe uma urgência premente de consciencializar e formar as populações, em particular a escolar, sobre o perigo que elas representam.
As estatísticas relativas a outros países demonstram que as minas terrestres, e em particular as anti-pessoal, constituem um enorme risco mesmo posteriormente ao conflito. No Cambodja, por exemplo, uma pessoa em cada 236 sofreu mutilações causadas por este tipo de arma. Em Angola, uma em cada 470, no norte da Somália uma em cada mil e no Vietname uma em cada 2800.
As crianças são as vítimas mais desprotegidas. A sua curiosidade natural e o gosto por jogos ao ar livre faz delas alvos particularmente vulneráveis. A isto, junta-se o facto de terem menos possibilidades de sobrevivência por se encontrarem mais perto do centro da onda de choque e dos seus corpos pequenos não resistirem à perda de sangue. Mais de 50 por cento das vítimas morre na explosão e as restantes ficam gravemente feridas ou permanentemente inválidas.
É no sentido de contrariar estes cenários de guerra psicológica que surgem alguns dos primeiros programas de consciencialização e formação sobre os perigos das minas terrestres, elaborados pelo 'International Rescue Commitee' (Comité Internacional de Ajuda), pela Universidade do Nebraska (EUA) e por outras organizações que participaram numa operação sem fronteiras, levada a cabo no Paquistão e no Afeganistão, em finais dos anos oitenta. O plano de acção estabelecido para o programa de consciencialização baseou-se na informação recolhida por meio de questionários e através de conversas estabelecidas com desactivadores de minas que trabalhavam no terreno. A partir desta experiência, produziram-se diversos materiais educativos, onde se incluíam, entre outros, roupa estampada com desenhos dos tipos de minas mais frequentes naquele país.
Um programa semelhante, baseado nesta intervenção, foi introduzido em 1990 nos campos de refugiados situados na fronteira entre a Tailândia e o Cambodja. Uma vez mais, elaborou-se um questionário destinado a recolher informação que servisse para estruturar um programa especificamente adaptado ao contexto cambojano. Incluiram-se perguntas sobre aspectos mais técnicos, como, por exemplo, a forma de identificar e evitar as minas terrestres anti-pessoal. As respostas ao questionário permitiram introduzir mudanças na percepção do programa, o qual levou à formulação de um plano de acção e de consciencialização mais flexível.

Aprender com os erros

Estas primeiras experiências permitiram identificar problemas e extrair variadas conclusões.
A primeira, que os primeiros programas tendiam a centrar-se, sobretudo, na informação técnica, privilegiando elementos como os perigos fisícos inerentes às minas, os tipos de zonas onde seria mais provável encontrá-las, a sua identificação, os indícios da sua presença, as técnicas para as evitar e qual o procedimento a tomar numa área minada. Além disso, eles não se baseavam no trabalho com a comunidade, carecendo de inserção local e, em geral, os educadores deslocavam-se a um local, apresentavam o seu material (com pouca ou nenhuma intervenção da comunidade local) e partiam.
Segundo, que os planos de acção não eram nem interactivos nem adaptados à idade e ao sexo, e que não existia (mesmo actualmente, até certo ponto) qualquer coordenação e intercâmbio de informação entre os organismos e organizações que trabalhavam neste campo.
Terceiro, que em certos países se torna necessário os programas serem mais sensíveis e adaptarem-se melhor às particularidades culturais, para que possam ser totalmente eficazes.
Por último, que estes programas não foram objecto de qualquer supervisão regular e continuada, nem tão pouco de uma avaliação imediatamente posterior. Por esta razão, apesar de saber-se que muitas pessoas tiveram acesso a eles, torna-se muito difícil - se não impossível - estabelecer dados precisos sobre o seu alcance e impacto nas populações.
Em geral, adianta ainda o relatório, foi difícil levar a cabo este tipo de formação nas escolas por causa da rigidez imposta pelos programas de estudos obrigatórios. Quando este tema se integrava num programa de estudos já de si sobrecarregado, fazia-se uma apresentação breve, numa situação específica e bem estruturada, muitas vezes vinculada às operações de retirada de minas. Mas, desta maneira, a consciencialização sobre os perigos das minas integrava-se nas operações de desactivação e não no sistema escolar. É o que acontece na maioria dos programas elaborados, com este fim, por todo o mundo.
Tal, no entanto, deve-se em parte ao facto destes programas serem levados a cabo por quem melhor conhece o assunto: os técnicos de desactivação de minas, por um lado, e os que se ocupam das vítimas, como o pessoal médico, por outro. Só muito recentemente os governos nacionais aceitaram a ideia de que as minas demorariam a desaparecer e que têm pela frente um problema de longa duração.

Aprender brincando

Dando-se conta das razões atrás mencionadas, a UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO, em coordenação com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, na Somália, e com a UNICEF, no Ruanda, elaborou um conjunto de elementos destinados a servir de auxiliares didácticos na consciencialização sobre as minas, partindo de uma metodologia não formal e dirigidos às escolas e aos jovens.
Este material é apresentado numa caixa onde existem dados para a formação dos docentes, um vídeo para a educação do público em geral e um esboço de um espectáculo itinerante. Um conjunto de auxiliares didácticos, destinados a ajudar o professor e os alunos a compreender os perigos das minas e artefactos explosivos por detonar, assim como conviver com eles em segurança. Esta caixa, porém, foi concebida apenas como um recurso, já que cabe ao docente escolher as actividades e adaptá-las às possibilidades das crianças do ensino básico.
Os materiais incluídos permitem ao docente escolher entre diversas actividades e utilizá-las nas diferentes áreas temáticas. Os auxiliares pedagógicos, centrados na atenção da criança mais do que em métodos formais, baseiam-se na ideia de que se pode aprender melhor 'fazendo' do que 'vendo' ou 'ouvindo' (geralmente, recordamos 20 por cento do que ouvimos, 40 por cento do que vemos e 80 por cento do que fazemos).
O programa passa também por uma etapa em que se pede às crianças para se envolverem no processo de reflexão e nas actividades, de forma a verificar a sua capacidade de inserção na aplicação prática do apreendido. Os jogos devem ter um interesse intrínseco de modo a que a aprendizagem se faça através do jogo.

Orientações para a formação de instrutores

Apesar das crianças que vivem em países minados terem já estado em contacto com diversas acções de consciencialização para estes perigos, o mais provável será que elas nunca tenham sido objecto de qualquer programa apoiado num contexto educativo. Como os materiais mais eficazes são aqueles que funcionam interactivamente e segundo os interesses das crianças, (sobretudo se comparados com os programas escolares normais), eles constituem sempre um desafio para o docente, tanto no que respeita ao conteúdo como à metodologia. Uma boa formação na implementação dos materiais do programa capacita-os para apresentar aos seus alunos uma informação que poderá salvar-lhes a vida.
O processo de formação pode ser levado a cabo com a assistência de organizações internacionais (como a UNICEF e OIE), em coordenação com o ministério de Educação do país e com as academias e institutos de professores, de forma a conduzir-se um programa de capacitação conjunta de docentes no exercício e na formação prévia, destinado a levar por diante nas escolas um trabalho de consciencialização.
O programa e os seus auxiliares didácticos devem ser inicialmente implementados a partir uma experiência piloto, para verificar a sua pertinência e eficácia nas escolas. Uma vez concluída esta etapa e a sua correspondente avaliação, poder-se-ão efectuar as mudanças consideradas adequadas antes de iniciar a formação conjunta dos docentes, estruturado segundo o método de progressão em rede.
Uma primeira equipa de formadores nacionais é capacitada por um instrutor internacional numa jornada de quatro dias, ao cabo dos quais fica habilitada como Equipa da Primeira Fase de Formação. Este grupo, por sua vez, orientará outros professores, seleccionados nas suas zonas de origem, para o projecto piloto. Seguidamente, os docentes que participam nestas acções terão a seu cargo a formação dos colegas das respectivas escolas, escolhidas para acolher o projecto. Aí, a formação inicial durará outros quatro dias, havendo, posteriormente, uma formação quinzenal de um dia, destinada a desenvolver as aptidões e atitudes adequadas e a supervisionar a implementação dos materiais pedagógicos do programa.
O acompanhamento e a avaliação formam parte integrante do programa de formação. Graças à metodologia do plano piloto, obtém-se uma experiência válida que poderá servir de modelo para a caixa de auxiliares didácticos, antes de implementá-la em grande escala. Assim, poderá evitar-se custos desnecessários e torná-la rentável do ponto de vista do custo e do nível educativo.
A segunda fase de formação seguirá a mesma metodologia, levando a que os instrutores nacionais formem representantes noutras regiões, para o qual utilizarão o método mais apropriado e de maior eficácia, determinado pelos custos.

A necessidade de coordenar
a informação educativa

A ideia de que as escolas devem assumir a responsabilidade de consciencializar e formar os seus alunos sobre os problemas que rodeiam as minas deve constituir a base de toda a estratégia conjunta das organizações que trabalham este tema. Este aspecto constitui a indicação primordial do interesse inerente à preparação de um plano de acção humanitário. Ao recordar à geração do pós-guerra o horror quotidiano representado pelas minas, tentam recriar-se os valores da paz e da reconciliação.
O relatório da UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO a partir do qual estas informações foram retiradas, foi elaborado com a intenção de iniciar um processo permanente de informação e de investigação no campo da educação sobre as minas terrestres anti-pessoal, integrando um processo contínuo reunido na Global Information Network in Education - GINIE (Rede Mundial de Informação sobre a Educação) da Universidade de Pittsburgh (http://www.pitt.edu/).
O GINIE é um banco de dados 'on-line' sobre a educação em nações em crise e transição, no qual são apresentados materiais de qualidade, instrumentos de trabalho e planos de acção elaborados para determinadas situações específicas, podendo, todavia, serem adaptados e aplicados em outros contextos possibilitam o acesso 'on-line' a materiais educativos que foram ou são utilizados em cenários reais, sob a premissa de que a experiência adquirida em determinadas situações pode também servir de inspiração a outras.

Fonte: UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO
'A consciencialização sobre as minas anti-pessoal'


  
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Edição:

N.º 67
Ano 7, Abril 1998

Autoria:

UNESCO

UNESCO

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