Não é tarefa fácil viver entre diferentes. Parece ser mais fácil quando somos todos iguais, mas ainda assim a tensão social está eminente, pois o excesso de semelhança leva à busca da diferença, à reinvenção de si e à distinção
Conviver é viver com os outros [Xesus Jares], o que nem sempre é fácil. Contudo, “aprender a viver juntos” é hoje um dito que, felizmente, começa a entrar no vocabulário de muita gente. O Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, coordenado por Jacques Delors, terá contribuído para a incorporação desse dito e para o sentir dessa necessidade e formação para a interculturalidade. A Pedagogia Social, através da educação intercultural, da educação para a cidadania, da educação social, tem sido, provavelmente, o saber orientador dessa atitude de inclusão, acolhimento e hospitalidade [Isabel Baptista]. Atitude e prática de aprender a (con)viver. Na verdade, podemos viver de costas voltadas uns para os outros – em discordância, de mãos dadas – em concordância, o que resultaria numa possibilidade de postura dualista e bicultural. Num paradigma de maior complexidade, podemos aceitar que temos partes de nós que comunicam e se identificam com as de outros, ou não, levando a que, às vezes, nos identificamos com esses outros e outras vezes não. A Pedagogia Social e a Educação Social deverão sensibilizar, também, para a tomada de consciência da incompletude de cada um e para a potencialidade de enriquecimentos com a interação com os outros, mas também para a dificuldade que é viver entre diferentes, sejam pessoas, grupos sociais, grupos de pares, grupos étnicos, geracionais, etc.
Não é tarefa fácil viver entre diferentes. Parece ser mais fácil, ainda que mais monocultural e pobre, epistemologicamente, quando somos todos iguais. Mas, mesmo assim, a tensão social está também eminente, pois o excesso de semelhança leva à busca da diferença, à reinvenção de si (J. Kaufman, A Invenção de Si) e à distinção (Pierre Bourdieu). Para viver em sociedade, o que significa de alguma forma viver sempre entre diferentes, não bastam as palavras apregoadoras de maior abertura e tolerância ao outro. Urge uma prática e comunicação intercultural nos vários contextos da vida, que se posicione sobre uma compreensão do outro, uma intercompreensão, e que vá, claro, para além da tolerância, uma prática de educação social que a Pedagogia Social pode potenciar. Efetivamente, a tolerância não basta. Pelo menos como produto/valor acabado. Tolerar o outro, ainda que seja melhor que excluí-lo diretamente, é apenas aceitar que ele exista, sem mudança processual nossa ou dos outros em resultado da comunicação e interação. Assim, a tolerância pode muito bem resultar num processo de exclusão territorial, como é o caso dos guetos habitacionais e outros, e produzir mais incomunicação do que comunicação e troca linguística e cultural. Portanto, ser tolerante, ou tolerar a tolerância, é aceitar um mundo estático pouco aberto à convivência, o que implicaria, claro, viver com os outros e não à margem dos outros. Por outro lado, tolerar a intolerância é também ficar nesse lugar de conforto sociocultural e permitir, muitas vezes, a injustiça como prática social.
Conviver implica, também, saber comunicar. E comunicar significa “pôr em comum”. Na comunicação, muitas vezes, os estereótipos sociais constituem obstáculos ao entendimento dos outros. Os preconceitos tornam difícil a intercompreensão, sendo fundamental, nessas circunstâncias, um mediador intercultural na construção de uma espécie de protocolo que permita a comunicação através do domínio dos códigos cujo desconhecimento gera incompreensão, estranheza e conflito. Comunicar não passa, portanto, apenas por conhecer vocabulário, regras gramaticais e saber dizer. É preciso, também, saber ouvir, entender, e saber quando e como falar para que os outros nos entendam ao mesmo tempo que os entendemos. E isso implica competências sociais e competências interculturais. Competências hermenêuticas de pensar o mundo interior dos outros, multitopicamente. Rir ou falar dos outros é fácil, mas urge aprender a falar aos outros, como disse T. Todorov (Nous et les autres), para que possamos viver com os outros. Ou, como nos ensinou Paulo Freire, urge que o texto e o contexto se remetam mutuamente. Por vezes, as partes em interação conseguem ter suficientes competências mediadoras para a intercompreensão, outras vezes é preciso como que uma tradução não só linguística, mas também cultural, o trabalho de mediador intercultural, que surge como uma terceira pessoa que fomenta a intercompreensão e a interculturalidade num trabalho de mediação preventiva para que haja entendimento, mesmo que entre algumas tensões. Isto implica romper com a unilateralidade comunicativa, a típica informação das culturas hegemónicas para as menos dominantes, a obediência sempre dos mesmos. O mediador intercultural será um tradutor e facilitador e buscará vias para que a vivência não gere conflitos sociais e possibilite a (con)vivência. Quando o conflito emerge, o mediador tem um papel fundamental na gestão e resolução dos conflitos de entendimento, de decisão, opção, etc., que esperamos ir explorando neste espaço ao longo das próximas edições.
Ana Vieira Ricardo Vieira
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