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Por uma “revolução integrada”

O presidente do Governo Regional da Madeira não quer pessoas educadas, confiantes e de livre pensamento, porque essas ficam fora de controlo. A manutenção de uma certa ignorância faz parte do sistema e do seu projecto.

O relatório “O Estado da Educação 2010” não adianta nada que nós, madeirenses, não soubéssemos. Apenas confirma, entre outros aspectos, os piores resultados do país na retenção, no abandono, na qualificação profissional – aos quais se junta o péssimo aproveitamento escolar global dos estudantes que se submetem aos exames de 9º e 12º anos. O problema é que, perante os factos, o Governo Regional da Madeira continua a ignorar e a enjeitar responsabilidades. Começo pelos rankings, sobre os quais mantenho uma grande reserva. Olho-os, apenas, como um mero indicador. E o que constato? Em 31 escolas, 26 estão situadas entre o 360º e o 1.228ºlugares, com catorze acima do milésimo lugar entre 1.295 estabelecimentos de Ensino Básico do país. Mais, em 25 escolas, a média foi inferior ao nível 3. A isto chama-se desastre da política regional de Educação. Mas nada disto é estranho em função de uma região que, sublinha Alfredo Bruto da Costa (2008), apresenta 50% da população em risco de pobreza e 15% em pobreza persistente. Não é de estranhar, quando o presidente do Governo diz para uma criança que ficou retida: não te importes, eu também perdi vários anos e hoje sou presidente.
Grande exemplo, digo eu! Um responsável político que diz uma enormidade destas deveria ser "demitido". Pelo Povo, claro, porque atenta contra o futuro. Pode parecer perverso, mas esta é a realidade que se esconde para além do folclore político: o presidente do Governo Regional não quer pessoas educadas, confiantes e de livre pensamento, porque essas ficam fora de controlo. A manutenção de uma certa ignorância faz parte deste sistema e do seu projecto. O analfabetismo, no conceito do nosso tempo, é a primeira causa do nosso atraso e a justificação para 36 anos de poder absoluto. Uma população sobre a qual tivesse recaído uma honesta política educativa não andava por aí anestesiada, pobre e dependente. Pelo contrário, era empreendedora e construtora do seu futuro, com óbvios reflexos na economia regional.
O governo sabe que o sistema educativo não se confina ao parque infra-estrutural e aos rituais das inaugurações. Tão importante quanto as condições de trabalho, é o que se operacionaliza no interior do espaço escolar. Um sistema que apresenta aqueles resultados é, obviamente, um sistema condenado. E quem, com responsabilidades governativas, intencionalmente, não actua no âmago dos problemas, comete um crime social e um crime contra a sua terra. É crime político destinar, em oito anos, mais de 300 milhões para o desporto e deixar as escolas com facturas por liquidar há dois anos. A cura para o sistema educativo não se resolve com a política do penso rápido. O sistema precisa de uma “revolução integrada”, que passa pela gratuitidade; pelo número de alunos por escola/turma; por uma completa autonomia, que respeite a identidade da escola; pela diferenciação pedagógica; por uma Escola atractiva; pela cultura de desempenho, e não pela classificação de desempenho; pela desburocratização; pela ausência de medo e de subserviência das direcções executivas e dos professores em geral; pela retirada da “tralha” que inunda a Escola de iniciativas, em detrimento do essencial; pelo investimento imediato, ao primeiro sinal de não assimilação de conteúdos; pelo respeito pelos ritmos de aprendizagem; pela formação dos docentes numa perspectiva cultural, assente, também, na capacidade de dizer não; pelos currículos e programas; por atitudes que valorizem a dignidade pública da função docente; por políticas de família muito sérias e exigentes; por uma Escola como espaço de respeito, disciplina, rigor e de caminho para a excelência. A cura está num ataque à organização social e às políticas económicas geradoras de desemprego. Porque as desigualdades reflectem-se na escola. Tudo isto implica uma “revolução integrada”, projectada para resultados que só poderão ser sensíveis 15/20 anos depois.
Mas há que partir, porque as velhas formas de actuar, os velhos formatos, não conseguem dar resposta aos desafios do futuro.

André Escórcio


  
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Edição:

Edição N.º 191, série II
Inverno 2010

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