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O filme planeta dos macacos ou os atuais programas televisivos de perfil educativo?

ANIMAIS e PEDAGOGIAS

Lesma" Pegajosa, nojenta. Leão" Assassino frio e sem coração. Aranha" Monstro de oito pernas. Assassina assustadora. Águas-vivas" Pequenas e malvadas. Lobos" Vilões. Panda" Animal bonitinho e simpático.

Sobre os animais, persiste entre nós o acentuado enfoque antropocêntrico. Para se chegar a essa conclusão não é difícil, basta observar o que dizem as crianças, folhear nossos livros didáticos ou assistir aqueles programas de televisão que se difundem atualmente sob um falso perfil educativo.
Admirem-se leitores, pois os exemplos acima não vieram de nossas crianças, mas de programas televisivos de grande prestígio e repercussão, divulgados por emissoras tradicionais na programação sobre temáticas da natureza. Essa produção em massa de percepções antropomórficas - adotadas por produtores e apresentadores de documentários que emprestam aos animais atitudes, raciocínios, atributos, angústias e preocupações tipicamente humanos - é contributo para confundir ainda mais as nossas idéias sobre os animais.
Rotular animais com atributos humanos é o mesmo que dizer que suas funções no ambiente estão única e exclusivamente relacionadas a nós. Nesse caso, questões relevantes como adaptação, evolução, modo de vida, habitat, são deixadas de lado. Diriam alguns que os objetivos da televisão é entreter e não ensinar, ou que as próprias ciências que investigam os seres vivos são produções humanas e também apresentariam esse viés. Sim, as abordagens antropocêntricas e utilitaristas estão implícitas nos conteúdos de Zoologia, seja na ciência, na escola ou na televisão, e abandoná-las não é tarefa fácil. No entanto, será mais difícil se a escola, que tem objetivos explícitos de ensino formal, não trabalhar no rompimento das concepções de ciência, televisão e da própria escola que, equivocadamente, se vinculem às características de neutralidade e verdade absoluta.
A breve seqüência de idéias aqui abordadas delineia-se em preocupações minhas (e de muitos outros, espero) sobre as persistentes ênfases antropocêntricas e utilitaristas dadas aos animais nos programas televisivos de falso perfil educativo e que se repetem em nossas salas de aula. Décadas atrás, por exemplo, aprendíamos que certos animais eram úteis porque do corpo deles podíamos extrair matéria-prima para confecção de coisas como pentes, perfumes e tintas. Mesmo sem incorrer em tolices desse tipo, o discurso atual não é tão diferente assim. Admiramos e preservamos alguns animais, enquanto torturamos e destruímos outros.
Antes que a seleção natural das espécies ceda lugar à seleção artificial, embasada em nossos preconceitos, sentimentos e valores, deveríamos lembrar que somos apenas mais uma espécie a habitar a Terra, nem melhor e nem pior que todos os demais viventes. Portanto, em resposta à questão do título, creio que a versão antiga da ficção Planeta dos Macacos (Planet of the Apes, 1968) serve melhor aos propósitos educativos que esses atuais e equivocados documentários que ainda focam o antropocentrismo.

Júlio César Castilho Razera


  
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Edição:

N.º 180
Ano 17, Julho 2008

Autoria:

Júlio César Castilho Razera
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Brasil
Júlio César Castilho Razera
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Brasil

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