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Indisciplina e violência nas escolas...

O lamentável episódio de indisciplina que teve lugar numa das salas de aula da Escola Secundária Carolina Michäelis permitiu-nos recordar que, no diz respeito à reflexão sobre a educação escolar, cada cabeça vale, pelo menos, uma sentença. Ainda que o exibicionismo de alguns, ou o voluntarismo de outros, possa explicar a Babel em que o debate sobre a indisciplina e a violência nas escolas se foi transformando, importa reconhecer que nem todos aí participaram de forma ingénua ou descomprometida.
Por detrás de algumas intervenções pressente-se tanto o apelo à dualização académica precoce dos percursos escolares dos alunos, como o apelo à dualização da sua vida escolar, em função da qual se admite o financiamento público das escolas privadas em nome de um bem comum que, afinal, não passa de um bem a que só alguns privilegiados terão acesso.
O que fazer?
Se não podemos nem devemos subestimar episódios como aqueles que tiveram lugar na escola do Porto, isso não significa que possamos estar de acordo com a sua judicialização, tal como defendeu o actual Procurador-Geral da República, ou que abordemos tais episódios em função, apenas, dos efeitos nefastos dos comportamentos disruptivos das crianças e dos jovens. O que fazer, então?
Em primeiro lugar, teremos que compreender que o acto de definir limites e de os fazer respeitar é, mais do que um problema, uma necessidade educativa. Em segundo lugar, somos obrigados a entender que educar e reprimir não são actos ou vocábulos equivalentes, quanto mais não seja porque é também através da educação que se criam as condições para que a repressão não seja um modo habitual de promover a regulação da vida em comum numa sociedade democrática. Em terceiro lugar, importa afirmar que os adultos não poderão negligenciar as suas responsabilidades como elementos de referência incontornáveis do processo de socialização das gerações mais jovens.
Dito isto, é inútil discutir se é, ou não, legítimo definir os limites que nos possam ajudar a reconhecer as fronteiras que permitem delimitar o nosso espaço do espaço dos outros, já que aquilo que, de facto, importa debater é, por um lado, como é que tal definição poderá ocorrer e, por outro, qual o papel que os adultos terão que assumir neste âmbito. Não se trata de ignorar as crianças e os jovens como seres responsáveis e proactivos no âmbito de um tal processo, mas tão somente reconhecer que essa responsabilidade e proactividade se criam, de forma contingente, através da relação que essas crianças e esses jovens estabelecem com os outros, nomeadamente com os adultos, e com o conjunto de referências simbólico-culturais em função do qual aquela relação se torna possível.
É reconhecendo que já ninguém acredita que o acto de educar possa ser tão simples, como a afirmação que «de pequenino é que se torce o pepino» dá a entender, que vale a pena abordar a problemática da indisciplina e da violência nas escolas para lá de todas as evidências que nos encadeiam o olhar e nos impedem de agir de forma mais fundamentada e, sobretudo, mais justa. Fá-lo-emos em próximos artigos, onde tentaremos contribuir para a discussão em torno do modo como as famílias das crianças e dos jovens, as escolas e o mundo onde estes vivem, contribuem para que essa indisciplina e essa violência se instalem e façam parte do nosso quotidiano, de forma a ser possível discutir como é que as poderemos enfrentar.
No que às escolas e aos docentes diz respeito, eis-nos perante uma opção que nos parece ser a única opção viável, tendo em conta que a visibilidade pública a que a indisciplina e a violência escolares têm tido nos órgãos de comunicação social, mais do que contribuir para o reconhecimento das dificuldades do trabalho e da acção docentes, tende a vulnerabilizar esse mesmo trabalho e essa mesma acção, mais do que contribuir para afirmar a especificidade das suas atribuições profissionais, contribui, quantas vezes, para justificar as vozes daqueles que os acusam de incompetência e de desleixo. É, de acordo com tal propósito, que se justifica, então, abordarmos a indisciplina e a violência nas escolas já não como fins em si mesmo, mas, igualmente, como expressão de outros problemas e desafios que não poderemos continuar a ignorar.

Ariana Cosme
Rui Trindade


  
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Edição:

N.º 178
Ano 17, Maio 2008

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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