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Alguns olhares sobre a figura do professor no cinema (I)

Neste artigo e nos três que se seguirão, abordarei a figura do professor no cinema. Iniciarei a minha análise com o filme «Quando tudo começa», de Bertrand Tavernier (França, 1999).
A trama focaliza a história do professor Daniel Lefebvre, que ensina crianças em Hernaing, uma pequena cidade que sofre com o fechamento das minas de carvão e enfrenta uma taxa alarmante de 34% de desemprego. Daniel e os outros professores são aconselhados a não se envolver com os problemas crônicos da comunidade, mas é impossível para Daniel permanecer imune à miséria, à falta de assistentes sociais, à indiferença do governo e aos sérios problemas domésticos que suas crianças enfrentam. Depois de um trágico incidente na escola, Lefebvre decide comandar uma campanha contra o governo local, reivindicando condições mínimas de vida e dignidade para a população. Além de dificuldades pessoais, como a doença do pai, um ex-mineiro que sofre de enfisema, ele irá enfrentar enormes dificuldades burocráticas e a maquinação das autoridades educacionais, que farão de tudo para colocar o professor na linha.
Houve uma época em que se acreditava no poder do cinema de agir na sociedade, e mudá-la para melhor. Hoje em dia quando se fala em influência do cinema está sempre se referindo a uma possibilidade nefasta de causar insensibilidade, violência, distanciamento. Pois bem, Bertrand Tavernier sempre foi um cineasta que acreditou no poder do cinema de falar de assuntos contemporâneos (não por acaso ele tem uma grande carreira também como documentarista), e de influenciar o mundo à sua volta.
Isso tudo para dizer que Quando Tudo Começa é um filme absolutamente político, um grito de socorro e uma carta de intenções, tudo ao mesmo tempo. Filme político não é um filme que trate de política, nem um filme partidário, mas antes um filme que quer expor sua ideologia e causar uma reação a partir das suas idéias. Nesse sentido, o bom cinema político tem estado em falta. O tempo da globalização tem como sua maior marca um estado de aceitação de certas opções do capitalismo mundial como verdades universais e necessárias. Tavernier tenta com este filme justamente mostrar que ele acredita que este sistema não está solucionando tudo, ou ainda, está solucionando bem pouco. Quando Tudo Começa propõe linhas de ação e postura positivas contra a perda de sensibilidade do humano, e ao mesmo tempo assume um formato quase documental. De fato, é quase impossível acreditar que são atores encenando a história deste diretor de escola maternal pública, que enfrenta a burocracia do Estado em várias frentes, tentando dar um tratamento humano e pessoal aos seus alunos que habitam as áreas mais pobres. A câmara na mão dá um senso de urgência, e o scope é usado não pelo espetáculo belo das imagens, mas para aumentar a captação desta realidade, dando outra abrangência às imagens. A montagem é inteligentíssima, pois se disfarça de contadora de histórias na medida em que registra momentos absolutamente banais, que quando somados dão veracidade maior ainda ao filme como "retrato de uma vida". Quando Tudo Começa é um filme feito para causar efeito no seu público, revolta, ação. Propõe uma atuação de cada um no melhoramento da sociedade. Nesse sentido é um filme vital e importante, além de ser cinema da melhor qualidade.

José de Sousa Miguel Lopes


  
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Edição:

N.º 177
Ano 17, Abril 2008

Autoria:

José de Sousa Miguel Lopes
Univ. do Leste de Minas Gerais, Brasil
José de Sousa Miguel Lopes
Univ. do Leste de Minas Gerais, Brasil

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