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Centros de Explicações

«- Um, dois, três explicadores, os que forem precisos mas esse madraço que me não chumbe o ano - berrou o pai da sala, de pé, para a mãe»
(Explicação dos Pássaros, António Lobo Antunes, 1981)

Diz-se que o Homem é o único animal que tropeça duas vezes na mesma pedra. Daí a renovada esperança com que alunos e famílias iniciam cada ano lectivo mesmo quando o histórico escolar exigiria cautelas redobradas e a procura atempada de apoios complementares. É que as sistemáticas dificuldades na Matemática, Física ou Inglês não se esvaem só porque se mudou de ano, de escola ou de professor. Também aqui não há milagres.
As pautas do 1º período trazem-nos de volta à realidade e as segundas avaliações, as da Páscoa, não deixam margem para mais esperanças vãs: o filho continua a preguiçar; não sabe mesmo estudar (apesar do hodierno "estudo acompanhado"); ou, na versão estudantil, «a culpa é do professor que não ensina como deve ser». Há então que tomar decisões drásticas, com mais um rombo na economia doméstica, pois a alternativa será, inevitavelmente, o indesejado "chumbo".
Achar um explicador, usando a rede informal de contactos quer na própria escola quer na vizinhança, era a solução clássica. Uma actividade sazonal (com um pico no último período do ano lectivo e vésperas de exames) que florescendo em mercado paralelo (mas longe de ser clandestino) era exercida, em regra, por jovens universitários ou professores ávidos de um acréscimo no seu parco salário.
Só que nos dias de hoje o exercício individual da actividade profissional tende a desaparecer. Até as ditas profissões liberais, como o advogado, o médico ou o arquitecto, trabalham agora em equipas que se constituem em empresas. Algo de semelhante se passa na esfera da educação com o próspero negócio dos "Centro de Explicações e Apoio Escolar". São espaços devidamente sinalizados, bem visíveis nos nossos bairros, que anunciam, como qualquer outra área comercial, os seus produtos, as suas especialidades pedagógicas, os seus métodos de ensino e os seus clientes-alvo. Dessas pequenas empresas há as de espectro largo, que fazem de tudo um pouco e que, implicitamente, recorrendo ao uso do diminutivo ? "Cantinho do Estudo, Centro de Explicações, Apoio Escolar e ATL" ? apontam para um público mais jovem. Em sentido contrário, e menos comum, as que apostam na especialização disciplinar (numa clara analogia ao treino desportivo) ? "Mathnasium - Ginásio de Matemática". Outras, mais vocacionados para o pós-aulas, ajudam nos trabalhos de casa e na criação de hábitos de estudo ? "TPC Lab", "Depois do Toque". Umas sobem a fasquia e acenam com termos associados à excelência individual ? "Genius", "Sábios & Companhia". E ainda as que aderem à onda da terminologia inglesa ? "Teen Academy"*. O investimento nas técnicas de marketing denota já uma disputa concorrencial em torno deste nicho de mercado. A oferta é variada e segmentada segundo as idades, as necessidades, os gostos e as exigências? mas não acessível a todas as carteiras.
Quatro fenómenos aparecem associados à emergência deste negócio educativo: (i) a persistência dos maus resultados académicos tanto no básico como no secundário; (ii) a política de retorno aos exames e a sua progressiva generalização aos anos terminais de todos os ciclos de ensino; (iii) o crescente desemprego docente num sistema público de ensino incapaz de absorver os jovens licenciados (no recente relatório divulgado pelo MCTES, 15,8% dos graduados com cursos de formação de professores estavam inscritos nos centros de emprego; pior só os das ciências empresariais com 16,2%); (iv) a corrente do «empreendedorismo» que plasmou o discurso económico e invadiu, em força, os bolonheses planos curriculares das formações superiores. Ou seja, se não tens emprego? abre um negócio!

* Todas as empresas aqui referidas, e passe a publicidade, funcionam nas localidades a que me encontro ligado, por motivos profissionais e familiares, Setúbal, Cascais e Ericeira.

Luís Souta


  
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Edição:

N.º 177
Ano 17, Abril 2008

Autoria:

Luís Souta
Instituto Politécnico de Setúbal
Luís Souta
Instituto Politécnico de Setúbal

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