A Joaquim Bairrão Ruivo
Há pouco mais de 20 anos, Simões Alberto, do PSD, mandava pôr fim à maior parte das experiências em Educação desenvolvidas em Portugal pela Direcção Geral do Ensino Básico. A atitude de não investir - num país ainda hoje tão árido em inovação pedagógica e (consequentemente?) bem ténue em sucesso escolar e educativo - significa por si só a opção de coarctar o desenvolvimento de competências essenciais nos cidadãos. De entre aquelas práticas inovadoras, distinguirei o Serviço de Apoio a Dificuldades de Aprendizagem que, no Porto, nasceu na freguesia da Vitória, em Setembro de 1983, com dois professores primários: um que desenvolvera já o projecto em Aljustrel e outro que se iniciava. Em termos resumidos, apoiava-se professores e alunos das escolas, hoje inexistentes, do Patronato de S. Bento da Vitória e de S. Miguel, nas ruas que lhes deram os nomes, a segunda uma pequena artéria que une a primeira à rua das Taipas e que foi, no tempo da Judiaria, a rua mais larga da cidade do Porto. O serviço baseava-se no Apoio Directo a crianças a que tinham sido identificadas os ditos obstáculos, com estratégias novas e materiais inovadores, sobretudo de inspiração em Freinet. Havia também reflexão em cooperação com os titulares da turma para que a intervenção pudesse ser coadjuvada. A formação continuada existiu desde a primeira hora. Da avaliação do trabalho se deu então conta. O projecto contou de início com a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (então na rua das Taipas) e com o pelouro da Educação da Junta de Freguesia da Vitória. Logo em 1984, dadas as necessidades identificadas em termos familiares, sociais e económicos, foi necessário o reforço de mais duas docentes; os elementos da equipa frequentavam formações pós-Magistério variáveis (Psicologia, Estudos Portugueses, Belas Artes) o que enriquecia a pluralidade de estratégias que se procurava. A equipa e o projecto designaram-se a partir daí como Unidade de Orientação Educativa (UOE) do Porto. O grupo da Faculdade de Psicologia crescia com mais assistentes e com estagiários e "fundia-se" naturalmente com a UOE. Todos investiam no envolvimento das crianças, com idades entre os seis e os catorze anos, considerando: a sua auto-estima por vezes já perdida, as famílias monoparentais ou inexistentes, a relação distante com os materiais da escola, as dificuldades nas relações saudáveis com os seus pares e o facto de a Escola fazer parte de um outro mundo que não tinha nada a ver com pais marinheiros que só tinham vindo uma noite ao Porto com os seus olhos azuis, ou com encarregados de educação homens da terceira mulher do segundo padrasto, ou ainda com a fome, o frio, a miséria. Rapidamente se reformularam projectos e a partir dessas carências se reuniram companheiros de outras instituições; para além da incorporação na área de intervenção da UOE das escolas de Carlos Alberto e da Pública que funcionava na Ordem do Carmo, por necessidades de intervenção mais precoce começou a trabalhar-se com as educadoras das Creches e Jardins de Infância, mas também com a Medicina Escolar, com a Assistência Social da área, com a Assistente Social do Tribunal de Família. A intervenção fazia-se assim em e de várias frentes. A Junta de Freguesia financiou material, a Fundação Calouste Gulbenkian subsidiou. Andava-se por ali; conhecia-se melhor a casa (?) e a família (?) de cada um; as escolas abriam-se, as turmas de repetentes desapareciam e, em apenas quatro anos, o insucesso escolar baixava de mais de 60% para uma percentagem que não atingia os 20%. Muitos dos alunos lá seguiram para o 2º ciclo, foram bons estudantes e continuaram; outros não permaneceram a estudar tanto, mas andam por aí, com um self confiante e com um sabor nos lábios a felicidade. Assim se demonstrou a eficácia de um projecto multidisciplinar de intervenção organizada e relativamente autónoma. O que estes meninos da Vitória, hoje com trinta ou mais anos de idade, não sabem, é que cada um deles traz dentro de si um pouco do homem que dinamizou com todas as suas sinergias, com toda a sua humildade e com todo o respeito pelos outros, nomeadamente pelos professores que então trabalharam ao seu lado: JOAQUIM BAIRRÃO RUIVO, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Chamam-lhe o pai ou o introdutor da intervenção precoce em Portugal. Sobre as suas capacidades científicas falará certamente quem de direito. Que aqui, nem para falar completamente da experiência desenvolvida há espaço. Basta-me prestar uma homenagem simples e franca ao Homem que sempre que me viu teve um abraço de alegria para me dar nem que estivesse acompanhado pelo Presidente da República, ao Homem que ficava sempre um pouco a falar dos meus e dos seus filhos ou das complicações do Ensino neste rectangulozito, ao Homem frontal capaz de admirar explicitadamente (o que nos sabe bem) o meu simples trabalho. De poucos silêncios, de muitas palavras e de muitos actos. O Homem que, afinal, como os meninos-homens da Vitória, também tenho trazido profissional e humanamente, talvez sem muita consciência disso, dentro de mim.
Rafael Tormenta
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