Página  >  Edições  >  N.º 173  >  Os Jesuítas Na Terra Dos Brazis

Os Jesuítas Na Terra Dos Brazis

Dos velhos caminhos litorâneos tupiniquins [caminho do mar]
às bocas-de-sertão guaranis m?byanas [piabiyu].

Subsídios para uma compreensão da importância das Aldeias Nativas no entorno de Piratininga e na geografia do Piabiyu
e da educação colonial jesuítica.

Dos ?Brazis? & Das Entradas Jesuíticas

Na Serra do Mar

1 - "A região é tão grande que dizem de três partes em que se dividisse o mundo ocuparia duas [...] Tem muitos frutos de diversas qualidades e muito saborosos. No mar igualmente muito peixe e bom" ? NÓBREGA, Manoel da. Carta, Agosto de 1549;
2 - "Ajuntamo-nos quatro Padres aqui e alguns Irmãos [...] e nos determinamos em Nosso senhor de entrar pela terra a dentro, porque esta Capitania é a mais conveniente que todas as outras. E, considerando a qualidade destes gentios que é ter pouca constância em deixar os costumes em que são criados, assentamos ir 100 léguas daqui a fazer uma casa, e nela recolher os filhos dos gentios, e fazer ajuntar muitos índios em uma grande cidade, fazendo-os viver conforme a razão [...]" ? idem. Carta, Fevereiro de 1553.

Das 12 aldeias mais próximas de Piratininga

"[...]se disse a primeira missa naquela terra numa pobre casinha, e em Piratininga [...], se começou de propósito a conversão do Brasil, sendo esta a primeira igreja que se fez entre o gentio.
Junto desta vila, ao principio havia 12 aldeias, não muito grandes, de Índios, a uma, duas ou três léguas por água e por terra..."
[ANCHIETA, 1584].

Das aldeias citadas
"...e eles ocupam o planalto da Serra do Mar a construir segundo a orientação física que têm da civilização ibérica: a Moradia obedece às circunstâncias geo-meteorológicas com adaptações objectivamente sociais, i.e., cada Fogo é uma base da Ocupação que se fixa, religiosa, económica e politicamente, por isso, quando os jesuítas, e particularmente Anchieta, citam as doze aldeias nativas [tupis e guaranis] quinhentistas ao largo de Piratininga, ele fala de ?Emboú?/?Mboy?, ?Itapeerica?/?Tapiipissapé? ou ?Bariri?/M?baroeri?, etc. [conforme os estudiosos Toledo Rendon e Machado d?Oliveira], eles referem-se à adaptação geológica necessária ao acto colonial que aprende a estar com os povos nativos e a sua maneira de sobreviver..." [MACEDO, 1975].

I ? Serra do Mar

Acima daquilo que os primeiros colonos & náufragos europeus acham melhor denominar como "a muralha", pela dificuldade de subida que era a Serra do Mar, mesmo pelo Caminho do Mar, ou Trilha dos Tupiniquins, eles encontram pela Borda do Campo a ligação ribeirinha, pela mata ciliar, com outras trilhas, como a Piabiyu ? e, sabe-se, todo o caminhar nativo é feito pelos sons do vento e das águas, precisamente como o caminhar ibérico, que foi nómada antes de institucionalizar fronteiras nacionais, a começar por Portugal. Isso foi registado, em poesia e em crónica, pelos padres jesuítas, e mais por Nóbrega e Anchieta. Alguns dos detalhes encontram-se, também, em alguns inventários de colonos e mineradores abastados, além dos testamentos, principalmente no que se refere, como no caso dos Dias Paes e dos Borba Gato, do Pires e dos Camargo, dos Almeida e dos Taques, Bicudo, Godoy e Sardinha e outros, a sesmarias instaladas em aldeias nativas como Taboam, Bariri, Tapiipissapé, Koty, Carapocuyba, etc. É uma historiografia de respeito à qual poucos historiadores têm feito incursões de pesquisa.
As referências testamentárias [algumas registadas em plena campanha bandeirista] relativas a aldeias nativas incluídas em sesmarias da Capitania de S. Vicente, e à moradia em arquitectura de taipal, constitui uma história à parte no contexto brasileiro da Serra do Mar e dos sertões piabiyuanos. Relatos que impressionam pelo que as ordens religiosas recebem desses neo-feudais; que impressionam pelo que dizem das escravarias constituídas com tupis e kaingángs, guaianazes e guaranis, primeiro, e depois, com negros africanos, enquanto ?peças? próprias para o ?escambo? em oportunidades mercantis favoráveis, ou de agradecimento familiar; que impressionam pela dever ?cumprido? do "reinol" na barbárie colonialista, barbárie que foi muitas vezes um acto pessoal de vingança [ex.: os Paes e os Tavares, enquanto cristãos-novos, de que os jesuítas são as vítimas principais], ou de ascensão político-económica de muita raça e na mesma proporção de barbaridade [ex.: os Sardinha], que leva à destruição dos povos nativos [BARCELLOS & PIÑON, 2001].
Em tal quadro sócio-colonial, em que é que os padres da Sociedade de Jesus (SJ) são importantes? 1º- pela colaboração directa no esforço da colonização imperial portuguesa que serve unicamente a Família Real e não a Nação, que se despovoa e não produz os bens necessários para todas as pessoas; 2º- pelos serviços de logística criados na construção das suas "casas" e que servem aos cada vez mais aventureiros-mineradores empenhados em ter o mesmo poder das cabeças reinantes. É nesta primeira e precária logística rural-missionária que a SJ percebe a possibilidade de construir ela-mesma um império teocrático, e solicita sesmarias e mais sesmarias, na maioria das vezes, em nome dos povos nativos, ou por terceiros, no caso, desses aventureiros-mineradores e, depois, dos bandeirantes..., terras que aos poucos vão sendo doadas aos próprios jesuítas [!] e a outras congregações vaticanianas.
No planalto da Serra do Mar e nos sertões próximos, que incluem ou ladeiam o Piabiyu, o mando é efectivamente jesuítico, o que já desperta invejas e ódios por parte de muitos colonos, principalmente os novos-cristãos, ou judeus.
Enquanto isso, entre aldeias como Mbarueri, Pinheiros, Arassaryguana, Koty, Itapeerica/Tapiissapé, os padres da SJ preparam a longa caminhada piabiyuana para o sul da Linha de Tordesilhas e ao alcance da Coroa castelhana. Percebem que Portugal será Castela em breve pelos acontecimentos entre as linhagens ibéricas e falta de sucessão na Coroa lusa.
Se a preocupação dos padres e confrades, ou irmãos, da SJ, nada tem a ver com a Nação portuguesa, mas com a Coroa bragantina e os desígnios do Papado romano-católico, tanto as epístolas nobreguenses como as anchietanianas são marcos históricos na definição da ocupação luso-vaticana a levar a cabo na terra dos Brazis. De tal maneira assim é que já antes de chegar a S. Vicente, o padre Nóbrega se havia determinado a conhecer os caminhos do sul dos quais tem conhecimento pelos karau-yos. O padre Serafim Leite, na sua compilação de estudos sobre os eventos da SJ no Brasil, é muito claro: "São Paulo de Piratininga e Maniçoba [...] marcos avançados, postos no interior, a caminho do Paraguay". Sabe ele que para Nóbrega o importante não é São Paulo dos Campos de Piratininga, que havia fundado, o importante são as terras guaranis ao sul e além do Tratado de Tordesilhas.
E enquanto nas regiões de mineração, como Arassaryguana, os jesuítas estabelecem também fazendas próprias, porque os minérios também têm importância para a SJ como lastro económico direccionado ao império jesuítico a ser iniciado no sul do Brasil, os colonos estabelecem ainda na sua fase quinhentista de fixação, grandes núcleos agro-pecuários e vinhedos, que produzem o abastecimento de alimentos à Vila jesuítica e ao número cada vez maior de fogos portugueses e castelhanos. Assim, crescem as aldeias [nativas, tomadas pelos colonos portugueses] de actividade económica agrícola e mineradora, mas a Vila de São Paulo dos Campos de Piratininga, o marco imperial luso-vaticano da Serra do Mar, tem a mesma sorte que Portugal vive: o despovoamento.
E é o jesuíta Anchieta quem nos diz dessa verdadeira e barbara história da religiosa e cultural conversão dos Povos da Floresta, da qual é protagonista:
"[...] Os cristãos nascidos de pai português e mãe brasílica de que fiz menção no último quadrimestre, estão tão duros e cegos que cresce cada vez mais o ódio duro que nos têm. Não o podendo exercer contra nós por obras, aplicam-no para a ruína dos índios de maneira que já destruíram completamente uma aldeia em que morava o Padre Francisco Pires e o Padre Vicente Rodrigues, incitando os índios a matar os contrários e a comer sua carne. [...] Mas ainda não basta aos agentes do demónio. Se pudessem até os próprios portugueses afastariam da fé cristã.
Vamos sofrendo com paciência que depois da tempestade vem a bonança. Especialmente agora que se encontrou grande abundância de oiro e prata, ferro e outros metais com que enchem as próprias casas onde moram; o que levará o Sereníssimo Rei de Portugal a mandar para aqui uma força armada e numerosos exércitos, que dêem cabo de todos os malvados que resistem à pregação de Evangelho e os sujeitem ao jugo da escravidão"
? in "Ir. José de Anchieta ao Padre Inácio de Loyola ? São Vicente ? Março de 1555".
Entre antas, papagaios, tucanos, arassarys, cutias, macacos, onças, muita fruta, muito peixe, vivem os padres da SJ. E convivem precariamente com os colonos. Mas convivem. Pelo que "a Caza" mandada construir por Manoel da Nóbrega acima da Serra do Mar representa unicamente um ponto de partida para o sonho: o império jesuítico.

II ? Entre Piratininga e o Sertão dos Brazis
o Sonho do Império Jesuítico

Os jesuítas imitam os templários que, em Portugal, foram rebaptizados como cavaleiros da Ordem de Cristo. Tornam-se uma potência económica com uma mão-de-obra barata [os nativos ?amansados? sob a ameaça das escopetas e das espadas, como lembra Anchieta] e os favores da Coroa lusa completamente submissa ao Vaticano depois do assassinato de João II [MARQUES, 1997], o grande rei europeu que havia dado seguimento aos estudos e experimentações científico-mercantis do seu avô Pedro, o famoso Infante das 7 Partidas e, na verdade, o precursor dos Descobrimentos Geográficos, glória e história que o irmão, Henrique, tomou para si e para a Ordem de Cristo. Possuir a força místico-económica templária é o sonho na circunstância americana dos jesuítas. E estão perto. Têm capelas-colégios na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo dos Campos de Piratininga, e possuem fazendas ricas em sesmarias além da serra e já no coração do sertão do planalto nobreguense. As terras do Sul pelo Caminho do Peru [Piabiyu] é o destino e é a certeza para um mundo novo jesuítico que as epístolas dos padres denunciam.
"Os templários usaram e abusaram do poder financeiro e bélico, nunca foram místicos, extorquiram reinos e nações, e um dia, com o Vaticano e a Monarquia Católica de olho nesse Poder paralelo, foram atirados na fogueira da Inquisição..., não por serem ?hereges?, mas por terem mais Poder que o Papa, que o Rei... Não por acaso, nos tempos áureos do Reino de Jerusalém, muitos dos seus padres-cavaleiros foram parar na forca por abuso militar ou por usura. E em Portugal, pelo apoio prestado a Afonso I, o rei fundador, receberam terras e povos constituindo-se num Poder paralelo e medieval que, em conluio com a Casa bragantina, acabaria por levar ao assassinato do infante-regente Pedro e do seu neto e rei João I, no séc. XV" [BARCELLOS, 1987/88]. Os jesuítas caem na mesma armadilha financeira: mais poderosos do que os colonos, não sabem estabelecer um diálogo sócio-económico adequado e criam um atrito político e ideológico de grande perigo no coração dos Brazis.
Um dos ?irmãos? jesuítas ordenados por Nóbrega, na terra dos Brazis, é António Rodrigues, que depois de ter sido o primeiro mestre-escola da aldeia-capela de Piratininga esteve na fundação de Buenos Aires, do Rio de Janeiro e de Asunción. É ele, que morre em 1569, quem ilustra ainda mais o sonho do império jesuítico junto de Nóbrega e de Anchieta ao dar a perceber as inúmeras vantagens de se trabalhar com nativos mais dados ao diálogo e até à conversão religiosa, como os guaranis m?byanos de Asunción, que são da mesma família dos encontrados no Piabiyu. Para o padre Nóbrega é um sonho: doente, morre em 1570. Mas fica Anchieta e fica uma legião de novos padres e ?irmãos? dispostos à aventura do império teocrático jesuítico.
Ainda em 1556, o capitão Ruy Melgarejo estabelece a Ciudad Real del Guayrá, na confluência dos rios Piquiri e Paraná, onde os guaranis têm uma importância social e mística muito grande. Para os jesuítas, o Paraguay é a meta. Os guaranis? Um desafio imperialmente religioso.

III ? Educação & Colonização

"Os jesuítas catequizam a colonizar mentes. Fazem da Educação uma arma tão negativa e tão poderosa como a espada, o azeite fervido ou a tortura. Uma autêntica lavagem cerebral que, apesar da Língua geral Tupi-Guarani, falada até finais do século XVII, consegue eliminar os traços de várias línguas nativas justapondo a portuguesa das orações. Algumas civilizações locais, como a Tupi e a Guarani, resistem, mas não têm futuro diante da força das escopetas e das espadas que são escudo último dos padres jesuítas, para lembrar aqui cartas de Anchieta que podem ser lidas na Biblioteca de Évora e também na Torre do Tombo."
[LIFFEY & MACEDO, 1982]
No que se pode denominar como "a Educação Jesuítica para o Povo", existe "uma didáctica de tortura psíquica para minar a Cultura da pessoa a ser colonizada, e uma pedagogia de empreendimentos localizados no acto quotidiano dessa pessoa, para a aprisionar ao conceito ser conquistado que tem de aprender a ser escravo, sendo aí o aprendizado da Língua do conquistador uma peça importante para imposição tanto do padre que representa o Catolicismo quanto do Absolutismo imperial que impõe a destruição. E numa primeira fase, como foi feito no Brasil, pode até o padre/colono aprender a Fala Nativa, mas apenas para abrir o caminho para sua destruição" [idem].
O trabalho dos padres jesuítas foi de tal importância que o Papa João XXIII, séculos depois, "nomeou" Manoel da Nóbrega como Bandeirante de Deus. E, em pleno séc. XXI, querem dar a Anchieta o estatuto de santo. Tais "dignificações" dizem tudo sobre a importância dos jesuítas "brasileiros" no estabelecimento da Cristandade católica no Novo Mundo. Mas, eles serviram até esse momento, o do estabelecimento, não no momento em que decidiram criar um império teocrático próprio. E os bandeirantes novos-cristãos que no séc. XVII destruíram as reduções jesuíticas, no sul do Brasil e no Paraguay, serviram a si próprios servindo o Vaticano através de Castela, que entre 1580 e 1640 teve o Trono português nas mãos.
É desse tempo quinhentista, o seguinte: "[...] Erasmo de Rótterdam (1512), con respecto a la Educación, afirmaba que el conocimiento de las cosas es más importante al de las palabras; Françoise Rabelais (1532) sostenía que la ciencia sin conciencia es más que ruina del alma; y Michel Eyquem señor de Montaigne (1580), llegó a afirmar que hay que educar el juicio del alumno más que llenar su cabeza de palabras..." [VIDAL, 1967].
O que os jesuítas fazem na terra dos Brazis...? Separam o Conhecimento nativo, que deveria estar [sempre] educacionalmente assente, para impingirem uma Retórica entre "terços", "pais-nossos" e "avés-marias", às vezes com acompanhamento de viola braguesa... talvez para que os brazis não esqueçam a gaita-de-foles soprada na Bahia, naquele Abril de 1500! Aplicam o fundamento da ladainha mística como tortura psíquica para uma lavagem cerebral junto dos nativos e também dos colonos analfabetos. Na verdade, não alfabetizam, criam ignorância entre os nativos que, mesmo a viverem a sua circunstância geográfica, já perderam a circunstância social do mando da terra e estão a um passo de perderem a sua circunstância comunicacional. O que os jesuítas fazem na terra dos Brazis...? Através da catequese e do ensino forçado da Língua portuguesa, canonizam a tortura como peça didáctica para uma pedagogia colonialista. Nesse acto colonial praticado conscientemente, política e religiosamente, está a Cultura do Poder dominante e conquistador [REIS, 2003] que une Clero e Casas monárquicas. A acção didáctico-pedagógica colonial da SJ é uma das mais negras páginas da História humana, só comparada às das Cruzadas e Inquisição católicas, à destruição da Civilização Celta, e, mais recentemente, aos holocaustos provocados pelas ditaduras milico-fascistas e neo-liberais, entre 1938 e 2003.
O trabalho educacional jesuítico na terra dos Brazis tem por base o escopo colonialista, nem é o acto pedagógico libertador porque não tem como instrumento didáctico o Saber e a Raiz Cultural nativas, i.e., sobrepõe a um Povo e a um Continente o traço sócio-cultural de quem chega e conquista.
Da mesma maneira que os colonos tomam uma aldeia nativa e a rebaptizam com a ?fábrica? de uma Capela cristã, também os jesuítas tomam a Cultura nativa e a rebaptizam com a Língua portuguesa ladainhando orações incompreensíveis. Eis aqui a metodologia da retórica milico-católica dos tempos das Cruzadas aplicada a uma nova milícia, que teve em Manuel I o suporte iniciador quando ele, rei a suceder ao assassinado João II, preterindo a Ordem de Santiago [e ao seu almirante Vasco da Gama] em favor da Ordem de Cristo [e ao condestável Pedro Álvares Cabral], deu as condições institucionais para a alteração do conceito das expedições científico-mercantis pedro-joaninas transformando-as em armadas coloniais do absolutismo manuelino-bragantino. Aquilo a que o Vaticano não tivera acesso com João II [ser Poder na Casa Real portuguesa], chegou-lhe de mão beijada com o bragantino Manuel I, e foi aí que o surgimento da Sociedade de Jesus mereceu todo o apoio do Papado enquanto milícia mística para abrir os caminhos da Colonização luso-vaticana na terra dos Brazis. Assim, a Pedagogia educacional praticada pelos jesuítas não poderia ter como base cultural outra proposta que não fosse a Cultura do Poder colonial/colonizador.
Aos poucos, percebendo que o acto educacional jesuítico não passa de um ?conto do vigário?, até os colonos se afastam e buscam abrigo em outras confrarias [franciscanos, beneditinos, etc.], pelo que os jesuítas ficam exclusivamente entre os guaranis m?byanos no sul brasileiro e na fronteira paraguaia. Para defenderem a Vila de Piratininga vão buscar nativos entre as doze aldeias da boca-de-sertão piabiyuano, até com ajuda directa de colonos e sesmeiros, bandeirantes e mineradores, como Dias Paes e os Sardinha, pai e filho, que arregimentam milhares de ?peças das suas escravarias?. Se por um lado isso é demonstrativo de algum respeito que essa gente poderosa ainda lhes tem, logo é percebido que o poder temporal jesuítico é reforçado, enquanto que o poder dos colonos perde e o desenvolvimento estagna nas aldeias tomadas aos Brazis. Tão imbuídos os jesuítas estão na aplicabilidade do seu conceito pedagógico que esquecem de se adequarem à nova realidade social: a terra dos Brazis já é uma colónia. Não é mais um continente a desbravar misticamente. Já existe uma Sociedade Civil que prefere erguer uma Capela para abrir uma nova Aldeia sem a "consultoria" jesuítica. O espaço jesuítico na Serra do Mar está em ruptura, enquanto as outras confrarias lhe bordejam o poder sesmeiro, como acontece no Guayará, quando têm de fugir dos bandeirantes paulistas e não recebem a ajuda "cristã" dos representantes paraguaios do Vaticano.
Do absolutismo colonial da retórica pedagógica aplicada pela SJ na terra dos Brazis resta, no final do séc. XVII, uma massa de padres em fuga e uma massa de povos nativos com as aldeias destruídas e sem perspectivas humanas. Por isso, analisar o colonialismo luso-vaticano no Brasil é analisar o absolutismo pedagógico dos jesuítas e a sua importância na ocupação anti-natural praticada contra os Brazis.

Notas:

EXPEDIÇÕES CIENTÍFICO-MERCANTIS PEDRO-JOANINAS ? Foi o infante Pedro, duque de Coimbra e também Regente, na menoridade do sobrinho Afonso, quem deu início às expedições marítimas, sob um conceito científico e mercantil, no séc. XV, a partir dos litorais de Aveiro e de Buarcos [a mítica ?escola de Sagres? nunca existiu], utilizando a experiência dos pescadores; esse conceito de trabalho exploratório, que o irmão, o infante Henrique [falsamente dito ?o navegador?], nunca quis para si, foi continuado pelo neto e rei João II. Tanto o infante Pedro como o rei João II foram assassinados [Pedro na batalha de Alfarrobeira, em 1448, e João II, envenenado lentamente, ao longo de 1494 e 1495] com manifesta actuação de bastidores da Ordem de Cristo e da Casa bragantina, contrários às políticas públicas pedro-joaninas.
(Nota do editor: ler a propósito «1437 Nasce um assassino! A propósito do covarde Infante Henrique», in jornal a PÁGINA da educação, n.º 172, Novembro 2007, p. 45 ? www.apagina.pt)
GUARANIS & GUAIANAZES ? O engenheiro e pesquisador de História, Theodoro Sampaio apud Dicionário de Montoya, afirma que "os guaianazes são guaranis", o que, na opinião de João Barcellos, "aferindo-se os dados existentes, embora poucos, dos históricos da Carapocuyba e Koty, assim como de Japuíba, M?Boy e Itapeerica/Tapiipissapé, percebe-se que os nativos têm, na era jesuítica quinhentista, um mesmo procedimento nómada circunscrito aos seus próprios caminhos, como o Piabiyu, no que se deve somente pôr de lado, neste caso, os Kaingángs. Nem é por acaso que surge uma Língua geral Tupi-Guarani em meio aos ensinamentos da portuguesa nas capelas da SJ...".
KAINGÁNGS ? É um povo pouco tido como referência por ter habitado isolado dos outros nativos e defendendo ferozmente essa posição nos topos serranos, principalmente, quer em São Paulo como em Santa Catarina. Também, foi um dos últimos povos da floresta a ser dominado pelos colonos europeus. Os Kaingángs pertencem à família do grupo da Língua Jê.
MANIÇOBA ? [ou Japuíba] "Quando os jesuítas fundaram São Paulo em torno da promissora Piratininga, como bastiões da conquista do planalto, outras povoações coevas apareceram. Formavam sem dúvida um cinturão jesuítico defensivo e de penetração, mui além das roças de Jeribatiba, as povoações de Itaquaquecetuba, Carapicuíba, Itapecerica, M'boy. Era amplo esse cinturão jesuítico, pois Nóbrega, solicitado pelos nativos, penetrou quarenta léguas de Piratininga e formou uma pequena redução ao redor de uma capela na aldeia dos carijós, na Japuíba ou Maniçoba" [ARAÚJO, 1920].
SOCIEDADE/COMPANHIA DE JESUS (SJ) ? Milícia católica fundada por LOYOLA, Ignácio [1491-1556] e aceita pelo Papado romano em 1540. Os padres da SJ ficaram com a missão específica de ajudar na colonização da terra dos Brazis aplicando a catequese e a educação retórica permitida pelo Vaticano.
TAPIIPISSAPÉ ? do Guarani, Tapii ? q.s. Anta/Tapir + pysape ? q.s. Unha dos Pés. O que se lê como Tapiipisape/Unha-de-Anta. Referindo-se a um lugar, como no caso dos inventários/testamentos de colonos e bandeirantes [os Borba Gato e os Gato, por ex.], lê-se Aldeia da Unha de Anta / Aldeia de Tapiipissapé, que os padres jesuítas alteraram para Itapeerica, na sua sanha de adaptarem os nomes nativos tupis e guaranis para uma linguagem mais perto do galego-português, ou dando nome de santos católicos ou interpretações indiciando a natureza geográfica: Itapecerica [Ita = Pedra + Peerica = Afiada/Pontiaguda]. O padre Anchieta, na sua carta de 1584, sobre "Informação do Brasil e de suas Capitanias", observa que os nativos às "...suas antas chamam tapiîretê...", animais da família tapirus terrestris, que abundam nas aldeias da boca-do-sertão, e que dão nome Tapiipissapé [q.s. Unha de Anta] a uma delas.
TAIPAL ? Designação que vem do termo TAIPA, que é a aplicação da argila/terra enquanto matéria-prima na construção de moradias, e foi apreendida como técnica [TAIPAL] pelos celtiberos das comunidades árabes da península.

Bibliografia

ARAÚJO, Alceu Maynard - in "Dança da Santa Cruz". Jornal Correio Paulistano. São Paulo /Br. [12.02.1920, 3º Caderno, p.10].
ANCHIETA, José de [1534-1597/sj] ? "Informação do Brasil e de suas Capitanias"; in "Materiais e Achegas para a História e Geografia do Brasil" ? ABREU, Capistrano, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro / Br., 1886.
........................................................... ? "Cartas. Informações, fragmentos históricos e sermões", Ed Itatiaia. Belo Horizonte ? MG/Br., 1988.
AS MILÍCIAS CATÓLICAS NO NOVO MUNDO E NO DEGRAU PRIVILEGIADO DA COROAS IBÉRICAS / OU: DE COMO A CASA BRAGANTINA ESPOLIOU O POVO PORTUGUÊS ? panflo/ensaio; vários autores sob pseudónimos. Distribuição clandestina nas escolas secundárias do Minho [Guimarães, Barcelos, Braga, Viana do Castelo], norte de Portugal, Pt, 1973.
BARCELLOS, João & PIÑÕN, Mariana d?Almeida y ? in "Depois Das Cruzadas: Uma Barbárie Colonial No Novo Mundo", panflo/confª, Rio de Janeiro. Br., 2001.
--------------------------------------------- ? in "Lendo De Anchieta A Santificação Do Genocídio Sul-Americano", panflo/Confª.
BARCELLOS, João ? in "Ordem do Templo: O Primeiro Grande Capitalismo Organizado Globalmente Sob As Vestes Místicas", ensaio; Porto/Pt, 1987 & Búzios/Br., 1988.
CARTAS JESUÍTAS, SÉC XVI ? Biblioteca de Évora. Évora/Pt.
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SÃO PAULO ? Revista; Rendon e d?Oliveira, estudos sobre as aldeias primitivas.
LEITE, Serafim ? "Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil, vol I (1538-1553)". Comissão do IV Centenário da cidade de São Paulo, Br.,1956.
........................... ? "Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil, vol II (1553-1558)" Comissão do IV Centenário da cidade de São Paulo, Br., 1956.
LIFFEY, Hanne & MACEDO J. C. ? in "Capelas, Colonialismos & Poder Místico: Entre Templários & Jesuítas", panflo-confª; Tomar/Pt, 1982.
MACEDO, J. C. ? "A Importância Dos Padres Jesuítas Na Ocupação E Na Colonização Do Brasil A Partir Da Aldeia De Piratininga" / "Uma Leitura Das Cartas Da Milícia Jesuítica", ensaio; Coimbra/Pt, 1975. Évora/Pt, Fevereiro de 1976.
------------------- ? in "Guerra de Guerrilha no Planalto da Serra do Mar: ou, de como os jesuítas se transformaram na santa milícia da Colonização lusa na Capitania de S. Vicente". Ensaio, Coimbra/Pt, 1975.
MARQUES, Alfredo Pinheiro ? in "Vida e Obra do ?Príncipe Perfeito? Dom João II"; Centro de Estudos Mar / CEMAR, Figueira da Foz / Pt, 1997.
NÓBREGA, Manoel da ? in "Diálogo sobre a Conversão do Gentio". Edição Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lisboa/Pt, 1954.
REIS, Manuel ? in "Hipotecas Graves Da Civilização Ocidental"; Ed Edicon + Centro de Estudos do Humanismo Crítico + Grupo Granja, São Paulo / Br., 2003.
VIDAL, Maria ? in "La Educación y La Instrucción", ensayo. Chile, 1967.
VOCABULÁRIO GUARANI-PORTUGUÊS ? SAMPAIO, Mário Arnaud [Org.]; L&PM Editores, Porto Alegre / RS, Br., 1986.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 173
Ano 16, Dezembro 2007

Autoria:

João Barcellos

João Barcellos

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo