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O cinema do instantâneo e sua repercussão no seio das crianças e adolescentes

Estudos sobre consumo e recepção constatam que a maioria das crianças e adolescentes preferem filmes de ação e se aborrecem com aqueles filmes que trabalham com grandes planos a subjetividade e com relatos intimistas. É possível afirmar que, ante as dificuldades de saber o que fazer com o passado e com o futuro, as culturas juvenis se consagram ao presente, ao instantâneo. São exemplo dessa cultura do instantâneo as salas de bate-papo simultâneas na internet, videoclips e música no volume máximo nas discotecas, no interior dos carros, na solidão do walkman. As novas salas de cinema são pequenas, não só para otimizar a mercantilização dos espaços de entretenimento, mas para amontoar os espectadores mais perto da tela e tornar mais intensa a violência dos filmes, ampliar a sucessão de momentos em que se atropela a narração. A hiperrealidade do instantâneo, a fugacidade dos discos que precisam ser escutados em cada semana, a velocidade de informação e a comunicação fácil que a audição propicia levaram Zygmunt Bauman a afirmar que hoje "a beleza é uma qualidade do acontecimento, não do objeto (...) a cultura é a habilidade para mudar de tema e posição muito rapidamente" (Costa, 2002). Na mesma direção se posiciona George Steiner quando sustenta que "a nossa, é uma cultura de casino e de azar, onde tudo se aposta e corre perigo; na qual tudo está calculado para gerar um máximo de impacto e uma obsolescência instantânea" (Idem). Tudo se passa tão rápido que para milhões de jovens de classe média e média baixa, o modelo de triunfo social é ser um ex-big brother.
Este "presentismo" não é uma característica peculiar dos jovens, pois é coerente com o modo como as políticas neoliberais reordenam ou "desordenam" as sociedades. O que fazer para reorientar este processo?
Não é fácil, sem dúvida, desprendermo-nos de um pragmatismo em educação que reinou durante muitos anos nas aulas de nossas escolas, e situou nas aprendizagens instrutivas (conhecimentos) a finalidade, quase exclusiva, do trabalho do professor. É óbvio, que as reformas educativas não se mostram eficazes enquanto não fizerem parte da cultura ou do modo de pensar daqueles que as vão aplicar. Por isso, falar de liberdade, respeito mútuo, solidariedade, etc. como proposta educativa, pode significar, todavia uma ocorrência singular, quando inexoravelmente estamos imersos numa carreira cuja meta desejada, e difícil, é o exercício de uma profissão para a qual somente se nos exigem conhecimentos e destrezas.
Na prática, sem dúvida, não é fácil separar as aprendizagens instrutivas das componentes atitudinais e valorativas. Em qualquer atuação docente estamos filtrando e projetando uma determinada concepção de pessoa, promovendo determinados valores, pelo que não podemos renunciar à nossa condição de humanos que vivem e atuam a partir de valores.
É impossível, portanto, subtrairmo-nos da condição de emissores de mensagens que chegam aos alunos codificadas e interpretadas a partir da nossa ótica pessoal. A escola não só "molda" o pensamento da criança oferecendo-lhe uma quantidade considerável de conhecimentos. Se isso fosse assim, dir-se-ia que a ação instrutiva-educativa ocorreria fora do tempo e do espaço.
Certamente, a experiência do valor será sempre contraditória, quer dizer, existirão sempre experiências de injustiça, intolerância, etc. Por isso, a apropriação do valor representa e exige uma opção-escolha do educando. E o ensino do valor deverá incidir sempre na preparação do educando para que ele possa fazer a melhor escolha. Não faz sentido, portanto, impor os valores num processo educativo. Se não oferecermos, entre muitas outras, as experiências dos valores que desejamos transmitir, a educação nesses valores converte-se numa tarefa impossível. Se não oferecermos a possibilidade de os nossos alunos verem outro tipo de cinema, como romper com os valores inculcados pelo cinema dominante?

Referências Bibliográficas

  • COSTA, Flávia, entrevista com Zygmunt Bauman: "Lo que queda de la belleza", Clarin, Suplemento Cultura y Nación, Buenos Aires, 7/12/02.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 171
Ano 16, Outubro 2007

Autoria:

José de Sousa Miguel Lopes
Univ. do Leste de Minas Gerais, Brasil
José de Sousa Miguel Lopes
Univ. do Leste de Minas Gerais, Brasil

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