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Novas oportunidades, velhos problemas

A campanha na televisão contra o abandono escolar está aí em spots que mostram gente conhecida do público em vidas alternativas resultado de terem desistido de estudar. Judite de Sousa, reconhecida jornalista televisiva, é apresentada a trabalhar numa banca de jornais.
Da responsabilidade conjunta do Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social, o programa Novas Oportunidades, anunciado na campanha dirige-se a jovens e adultos. Em relação aos primeiros, o objectivo é "dar resposta aos baixos níveis de escolarização dos jovens através da diversificação das vias de educação e formação, pelo reforço do número de vagas de natureza profissionalizante e da exigência em garantir melhores taxas de aproveitamento escolar". Em relação aos adultos, o "objectivo é a elevação dos níveis de qualificação de base", por isso, "as acções dirigem-se a pessoas com mais de 18 anos que não concluíram o 9º ano de escolaridade ou o ensino secundário". Lê-se no site criado para a apresentação do programa: www.novasoportunidades.gov.pt.
Talvez a mensagem chegue àqueles que desistiram ou estão a pensar desistir dos estudos. Mas outra questão se coloca? Que dizer de quem deixou de estudar e fez carreira sobre um passado de insucesso e abandono escolar? Imagina-se a vida alternativa de Cristiano Ronaldo se em vez de enveredar pela carreira de jogador de futebol tivesse estudado para ser professor de Educação Física? Estaria a leccionar? Ou no desemprego? Joana, António, Raquel, Daniela, Hugo, têm visões concretas do que significa deixar os estudos. A opção evidencia alguma decepção com o sistema educativo que não corresponde às expectativas de todos. Qualquer um deles poderia ser um sujeito do programa Novas Oportunidades. Todos eles já tentaram as antigas oportunidades, cursos profissionais e tecnológicos, cursos subsidiados pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, Ensino Recorrente. Alguns tencionam aderir à nova coqueluche dos centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências. Certificar anos perdidos. Outros já não querem perder tempo com mais estudos. Ingressaram e progrediram no mundo do trabalho sem eles.

Joana Freitas, 18 anos

Fala com a mãe ao telemóvel. Despediu-se da confeitaria onde trabalhava há poucos meses, em Gaia. Motivo. Muitas horas de trabalho não remuneradas. Um patrão com a mania de chamar as funcionárias ao escritório. Diz à mãe que tem em vista outro emprego. Um anúncio no jornal onde pediam trabalhadores para os campos de tulipas na Holanda. "O homem pareceu de confiança!" As palavras de Joana Freitas não parecem tranquilizar a mãe. Do outro lado adivinham-se as preocupações. A distância. A precariedade. As notícias que aparecem dando conta de trabalhadores portugueses escravizados. Afinal, apesar da vivência profissional iniciada aos 15, Joana tem apenas 18 anos. Abandonou a Escola Básica 2+3 dos Carvalhos, em Gaia no 3º período do 8º ano.

Dificuldades económicas
Joana não desistiu por vontade própria. "Era boa aluna, tanto que os meus professores acharam uma estupidez eu largar a escola mesmo no 3º período, porque tinha boas notas e ia passar para o 9º ano." Recorda-se que costumava sentar-se sempre nos lugares da frente. "Nunca achei piada a quem não prestava atenção às aulas, porque afinal os pais faziam o esforço de pagar os livros e havia os intervalos para brincar e conversar..." Á sua volta os colegas chegavam a perder o ano por faltas. "O 8º e o 9º ano é mesmo assim, o pessoal começa-se a baldar, a fumar, a namorar... essas coisas".
Joana nunca foi influenciada. Desistiu porque a vida trocou as voltas à mãe. Desempregada e divorciada "não tinha ninguém que a ajudasse". E assim Joana pôs mãos à obra. Já tinha alguma experiência no ramo da hotelaria. "De trabalhar nuns cafezitos..." Ainda sem ter a idade legal. Por isso, não teve problemas em ir trabalhar para o balcão de uma confeitaria na Baixa portuense.

O Ensino Recorrente
Entretanto, alguns dos seus antigos professores incentivaram Joana a frequentar o Ensino Recorrente, na Escola Secundária António Sérgio, também em Gaia. Mas Joana só lá "aguentou" meio ano. Até completar os 16 anos. "Estudar à noite é muito mais difícil!, admite. "O estudo é menos acompanhado, não há aquele apoio do professor que existe no ensino regular!"
Além disso, o horário de trabalho não permitia a frequência assídua às aulas. "Saía às 20h do trabalho, as aulas começavam às 18h30, duravam até às 23h e eu pegava ao emprego às 7h", justifica Joana. Da parte da entidade patronal Joana não teve qualquer condescendência. Nem chegou a recorrer ao Estatuto de Estudante Trabalhadora porque não viu que isso pudesse alterar alguma coisa. O cansaço venceu-a e seguiu-se uma nova desistência.

Novas oportunidades?
Voltar a estudar é algo que ainda está nos planos de Joana. "Não é o curso que garante o emprego, mas acho que ter um diploma dá uma motivação diferente." Uma das coisas que lhe tem feito falta, mesmo no ramo da hotelaria tem sido o conhecimento das línguas. "Sobretudo o Inglês e o Francês para falar com os clientes estrangeiros."
Há pouco tempo Joana soube de uns cursos profissionais de duração de dois anos. E para o próximo ano lectivo está a pensar frequentar o de Auxiliar de Acção Médica.
Mas por enquanto a prioridade é arranjar emprego. Joana vive sozinha em casa alugada. Tem uma renda para pagar. E não irá beneficiar do subsídio de desemprego, pois foi ela quem disse não ao abuso que dela faziam enquanto trabalhadora.
O novo emprego não será em balcões de confeitarias. "De empregada de balcão a evolução é para a copa", ironiza Joana. A progressão no emprego é algo que a preocupa. "Ser empregada de balcão não é emprego para vida!" E cortar tulipas, será? Joana sorri à pergunta. "Não será um emprego para toda a vida mas quero arriscar!"

Holanda e as tulipas
Na ultima entrevista a que foi, concorreu a um emprego para ir para a Holanda trabalhar no campo no corte de flores e frutos. Os intermediários de uma empresa holandesa apresentaram-lhe um contrato de três meses. Prometeram-lhe habitação gratuita juntamente com outros portugueses. Transporte para os campos. Tudo escrito num papel que o senhor que lhe inspirou confiança lhe pôs nas mãos. "Sou nova, se não for agora para fora ganhar algum dinheiro, em Portugal não se ganha nada!" Por isso outra das hipóteses de Joana é a Suíça. "Tenho um amigo que trabalha lá num talho, ganha três mil euros e diz que me arranja emprego a cortar carnes!" Adivinha-se mais uma preocupação para a mãe da Joana. "A minha irmã diz que sou louca!" Mas Joana está segura, vai formosa, pela verdura. Os estudos nunca lhe fizeram falta, garante. Universidade? "Para quê? Os licenciados estão piores que nós! Ainda se isso fosse uma mais valia, mas não é!"
Fala do que sabe. Vê-os competir com ela aos anúncios que pedem operadoras de caixa para supermercados e hipermercados, ofertas de emprego de três meses e "toca a andar". Ao telefone a mãe avisa-a de que viu um anúncio para um supermercado nos Carvalhos, em Gaia. Joana vai lá. "Não sou daquelas que acordam ao meio-dia para procurar emprego", alerta. Mas uma coisa não implica a desistência da outra. A mãe lembra que a Holanda é longe e prevê as saudades que Joana sentirá dos amigos. A resposta às preocupações maternas é rápida: "Chora-se lá umas horas com as plantas e depois passa!"

António Tavares, 29 anos

19h30. António Tavares chega apressado do seu escritório. Aos 29 anos e depois de "andar a trabalhar para os outros" decidiu estabelecer-se por conta própria como vendedor de ferramentas e outros produtos relacionados com automóveis. Nunca teve tanto trabalho como agora. Deixa o carro mal estacionado e entra no café afogueado. Tinha de estar a essa hora no centro de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) que frequenta no Instituto de Soldadura e Qualidade para validar o 9ºano.
O seu percurso escolar foi interrompido no 8º ano. Foi expulso por indisciplina da Escola Preparatória dos Carvalhos, Gaia, nome que na altura recebia a actual EB 2+3. A solução para continuar a estudar foi o ingresso no ensino recorrente na Escola Secundária Almeida Garrett, em Gaia. "Mas não consegui ir às aulas". "Estava a trabalhar na Telepizza e entre ir marrar para as aulas nocturnas e jogar matrecos com os amigos..." Adivinha-se a escolha.
A opção desta vez é a de faltar ao RVCC para falar sobre esta nova experiência. Está a tentar certificar o 9º ano. Sabe que não lhe vão ensinar o que devia ter aprendido oficialmente no ensino obrigatório. "Não é uma questão de adquirir conhecimentos, mas de ver que conhecimentos já temos", explica António. No seu caso, exemplifica, utiliza a Internet para fazer pesquisas de clientes para os seus produtos. Mas quando tem de escrever no Word ou fazer tabelas... "Chamo o meu sobrinho para me explicar como se faz!", graceja.

A falta que a formação faz
Durante a sua vida profissional sentiu várias vezes a falta do diploma do 9ºano. E de conhecimentos? A resposta provoca alguma hesitação: "Para algumas áreas acho que nem se justificam certas disciplinas tão teóricas, justificavam-se disciplinas mais objectivas e adaptadas ao que o aluno quer seguir!" Na sua actividade profissional admite que ter mais conhecimentos de matemática e contabilidade "fariam a diferença". Mas ainda não é no RVCC que vai conseguir aprender o que lhe falta. "Até porque isto não é um curso!" Quando acabar de certificar o 9º ano, António tem a aspiração de, através do RVCC, poder chegar até ao 12ºano. "É só mesmo para ter mais um bocado de habilitações", constata. "Até porque saímos do RVCC com um 9º ano, mas não saímos a saber mais matemática, nem história..." Apesar de reconhecer certas limitações de formação, não terá tempo de as colmatar com cursos. "É na prática do dia-a-dia que vou tentando aprender o que não sei..."

Cursos para adultos mal desenvolvidos
A idade e as aspirações de constituir família barram outras alternativas. "Não estou disposto a perder mais tempo da minha vida com estudos". E exemplifica como o investimento em formação pode ser mesmo um perda de tempo: "Fui tirar um curso técnico-profissional de chapeiro de automóveis e reparador de carroçaria já demasiado tarde em 2003/04. Mas há uma coisa que os nossos governantes fazem muito mal. Um aluno entra para o curso e dizem-nos que vamos sair dali artistas, é tudo muito bonito, mas a duração dos cursos é só de nove meses e ao fim não servem para formar ninguém", queixa-se António. E vai mais longe nas suas críticas: "Estes cursos são feitos para despistagem de estatísticas ao nível de desemprego!" E porquê? "Porque estive num curso onde a maioria dos alunos que os frequentavam andavam em tratamento, ou seja, pessoas problemáticas [toxicodependentes, ex-presidiários] que o sistema não tinha mais onde colocar e não estavam nada interessados em tirar um curso, estavam lá porque a bolsa era de 400 euros por mês!"
Neste cenário, quem como António pretendia realmente aprender alguma coisa de carroçaria fica frustrado. "As expectativas que tinha que eram as de me estabelecer por conta própria foram por água abaixo", lamenta. "Se o curso tivesse sido bem desenvolvido eu poderia ter tirado muito mais partido dele!" No fim do curso foi colocado em estágio numa empresa durante dois meses, seguiu-se um contrato de seis e depois a rescisão.

Outras decepções
A ideia de criar uma empresa é uma aspiração de que António não desiste. Neste momento tem um projecto de Criação da Própria Empresa no Instituto de Emprego e Formação Profissional.
Mas para grande surpresa de António o projecto que o IEFP requeria implicava a apresentação de estatísticas e previsões de lucros, algo que nunca poderia calcular sem ajuda. "Se eu percebo de pneus e quero abrir um negócio nesse ramo é porque tenho uma noção de cabeça de quanto a loja pode rentabilizar, mas não sei pôr isso no papel." Por isso, António viu-se obrigado a recorrer aos serviços de uma contabilista que lhe pediu 1000 euros pelo trabalho. António pagou metade sem garantia de que o projecto fosse aprovado. Perdeu o dinheiro e ganhou outra frustração. O projecto foi arquivado.

Raquel Costa, 18 anos

É alta, loira, tem olhos azuis e apresenta-se sorridente. Tem 18 anos, embora aparente ser mais velha. Talvez por isso sinta que já não tem idade para andar no 10º ano. Frequenta um curso tecnológico de Acção Social na Escola Secundária de Rio Tinto, mas o que aprende não está a corresponder às suas expectativas. Raquel Costa, equaciona por isso desistir de estudar. Porque a escolha do curso se não gosta do que aprende? "O curso se calhar motiva-me, a forma como está a ser dado é que não", justifica-se. "Nunca tive nada de prático, é um curso muito mais teórico do que esperava!"

Abandono à vista
A decisão de desistir está quase tomada. Raquel já se inscreveu em várias lojas de roupa de supermercados. Mas o que realmente gostava de fazer era trabalhar com idosos. Nunca comentou com os professores os seus planos de deixar a escola. "É a minha opção mas se calhar uma aluna com 18 anos ainda a andar no 10ª ano não faz muita diferença para eles que desista!" Já os pais não concordam com o abandono, mas aceitam a decisão de Raquel.
Sobre o seu passado escolar Raquel relata: "Nunca fui uma aluna muito estudiosa, não gosto de estudar, não tenho boas notas, mas também não são péssimas." Na Escola Secundária Alexandre Herculano, Porto, repetiu duas vezes o 10ºano. Este ano mudou-se para a Escola Secundária de Rio Tinto porque o curso que frequentava fechou na anterior escola. Na nova escola, "os professores são menos exigentes" por isso Raquel diz estar a "tirar melhores notas".
A área da Acção Social, queixa-se Raquel, "não está muito desenvolvida". "Quando andava no Alexandre cheguei-me a queixar [aos professores] da falta de prática mas disseram-me que tinham de dar os programas que eram exigidos e mais nada..." Raquel tentou procurar o mesmo curso no ensino profissional com a expectativa de encontrar a tal prática mas não encontrou oferta nesta área e a este nível não existe.

As amigas
"Tenho amigas que já desistiram de estudar e estão a trabalhar, outras que já estiveram a trabalhar e voltaram a estudar", ri. Um pouco de tudo quando os objectivos estão sem rumo. Sobre si diz. "Não me vou andar a arrastar pela escola quando não gosto de estudar!" No que toca ao ingresso no mercado de trabalho, a motivação é outra. "Vou receber um ordenado, ter as minhas próprias coisas, não digo que um dia não me possa arrepender desta opção, mas também se não experimentar..."

Daniela Mendes, 21 anos

"Tinha sete negativas, 18 anos e andava a passear os livros!" É desta forma directa que Daniela Mendes responde à pergunta sobre o que a levou a abandonar a Escola Secundária Alexandre Herculano, onde repetia pela segunda vez o 10º ano. "Nada me puxava para estudar, andava na área das Humanidades, mas só ia à escola para estar com os amigos", confessa.
"No inicio do secundário ainda era boa aluna e até me esforçava, mas depois comecei a ter matérias que não me agradavam e perdi o interesse completo." As Ciências interessavam-lhe. "Gostava e era boa aluna a Química e a Física..." O problema era a Matemática. E assim Daniela deixou a escola. "Foi a melhor opção na altura". Os professores tentaram dizer-lhe que era jovem de mais para abandonar a escola. Os pais apoiaram. "Já tinha reprovado duas vezes no 10º ano, na Escola Secundária Alexandre Herculano, por isso os meus pais concordaram com a minha decisão de ir trabalhar."

Falta de bases gera desmotivação
Entre os seus amigos há histórias de abandono semelhantes. A razão é explicada de forma simples mas incisiva: "A agente vai para o 10º ano sem bases, chega lá não tem motivação nenhuma e acabamos por desistir de estudar!" A falta de preparação na opinião de Daniela começa logo no "ciclo", depois "a pessoa até quer fazer o 12º ano, mas não tem hipóteses nenhumas na escola regular!", lamenta e pensa que se tivesse feito o ensino básico noutra escola que não a do Cerco do Porto, talvez as coisas tivessem sido diferentes.
Depois de sair do ensino regular Daniela ainda esteve um ano a frequentar o ensino recorrente. Mas as coisas não correram bem. "É um ensino mais fácil, os professores não são tão exigentes, só que as pessoas que andavam no recorrente comigo podiam ser meus pais, então eu não me sentia nada à vontade!" Desistiu e pôs os pés ao caminho.

Primeiro o emprego...
Como já costumava trabalhar numa residencial nas férias, a adaptação ao mercado de trabalho "não foi nada de mais", desdramatiza Daniela. "Fui trabalhar para uma sapataria, mas é claro que as coisas são um bocadinho diferentes." A falta de colegas da mesma idade e a responsabilidade acrescida, são o lado mais escurecido da moeda que ao fim do mês faz esquecer as amarguras laborais.
No exercício desta actividade sentiu falta de alguns conhecimentos que a escola lhe devia ter dado. "Quando estamos a lidar com o público o português é essencial", admite a jovem confessando que, por vezes sentira dificuldades em se expressar com os clientes. "Na escola usamos muito a 'nossa língua' [o calão] no emprego não podemos falar assim..." Por causa dessa incapacidade comunicativa e de não ter o 9º ano, o patrão recusou-se a fazer um contrato a Daniela. Que desta forma esteve cinco meses a trabalhar ilegalmente e depois foi despedida. Foi então que Daniela decidiu voltar a estudar.

O regresso aos estudos
Em Setembro de 2006, Daniela matriculou-se num curso tecnológico de Auxiliar de Acção Educativa, uma iniciativa do IEFP que decorre num Externato ligado à Universidade Católica, no Porto. Tem duração de três anos e dará a equivalência ao 12º ano. Espera sair do curso apta a trabalhar ou com idosos ou com crianças. "É uma área que me agrada, e que parece ter muitas saídas." Daniela gostava de ir trabalhar para um lar, coisa que deverá acontecer já no final do curso através de um estágio curricular. Mas as suas expectativas não ficam por aqui, Daniela Mendes gostaria de ingressar no ensino superior na mesma área da Acção Social.

Discriminação na escola
Queixam-se de discriminação por parte dos professores que leccionam nas escolas inseridas nos Bairros Sociais, onde moram Daniela e Ana, uma amiga e colega de curso que a acompanha na entrevista, mas não quer prestar declarações. "Os professores estão-se a marimbar, porque pensam que os alunos vão acabar por ser drogados ou marginais", diz Ana à surdina. "Os professores não pensam que os alunos que moram nos Bairros não têm pais que os levem a ver isto ou aquilo e que têm de dobrar os estudos e o esforço em relação aos outros que moram noutras zonas", continua Ana no mesmo registo contestatário. "O Estado tem as escolas abertas no meio dos Bairros, mas não se preocupa muito com o que se passa lá", acusa Daniela. No seu discurso de calão, Daniela e Ana, reclamam mais atenção pedagógica, menos discriminação. "Numa turma de 20 alunos, se houver três de Bairro, são postos à parte", admite Daniela. Ana prossegue: "Há professores que nem nos olham de frente e se temos uma dúvida, explicam assim por alto..."

Hugo Miguel, 20 anos

Os pais adoeceram e Hugo Miguel foi forçado a abandonar a escola para cuidar deles. Tinha 16 anos. Frequentava o 8º ano na Escola Secundária de Oliveira Martins, no Porto. Recorda com convicção que era bom aluno. Que o brinco na orelha e a t-shirt de cavas não o contradigam, assegura. "Era bom aluno a matemática, a inglês..."
Na escola, os amigos tentaram convencê-lo em não desistir. Hugo até chegou a desabafar com alguns professores sobre os motivos que o levavam a abandonar a escola, mas ninguém pode fazer nada por ele. Perguntaram-lhe apenas se a hipótese de voltar à escola estava em aberto, Hugo respondeu: "Talvez um dia".

Evoluir com a experiência
Aos 20 anos nunca mais viu esse dia chegar. "Trabalhar e estudar é muito difícil", desculpa-se. Hugo começou por trabalhar num talho, a fazer entregas de carne. "Era fácil, não custava nada", recorda. Hoje, ao fim de quatro anos já subiu à categoria de cortador. Foi evoluindo à medida que os anos de aprendizagem foram passando. Nunca sentiu que, na área em que trabalhava, ter mais ou menos escolaridade pesasse no ordenado que recebia ao fim do mês. "Tudo o que sei é suficiente e dentro da minha arte aprendi a fazer tudo sozinho."
Se tivesse tido oportunidade de ter prosseguido os estudos até à Universidade, o sonho de Hugo Miguel seria estudar Medicina Dentária. Já ouviu falar na campanha Novas Oportunidades, mas torce o nariz. "Não vale a pena!" As suas aspirações conseguem ser mais realistas: "Um dia, quero ser dono do meu próprio talho!"


  
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Edição:

N.º 167
Ano 16, Maio 2007

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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