Página  >  Edições  >  N.º 164  >  Maias questionam "Apocalypto", filme de Mel Gibson sobre a sua civilização

Maias questionam "Apocalypto", filme de Mel Gibson sobre a sua civilização

O filme "Apocalypto", do realizador americano Mel Gibson, "é uma degradação do pouco que resta de nossa cultura", queixou-se um líder desta etnia, enquanto a estreia do filme despertou elogios e críticas do público.
O filme de Gibson é "um jogo com o acervo cultural da etnia" Maia, disse à AFP Feliciano Chan Ake, general Maia que preside à instituição o Grande Indígena Maia A.C. Chan Ake criticou ainda a participação de maias no filme rodado no sudeste do México. "Para quem fez o filme, é um prémio, um reconhecimento, dinheiro. Mas para os Maias, é uma ofensa. Quem vende a nossa cultura, vende as nossas crenças, vende a nossa gente", acrescentou o líder Maia do Estado de Quintana Roo, onde se situa o famoso balneário de Cancún.
Participaram das filmagens de "Apocalypto" pelo menos 12 pessoas de etnia Maia, entre elas Isidra Hoil, de apenas 8 anos, que interpretou uma menina afectada por uma doença contagiosa que pressagia o fim da grande civilização peninsular.
Totalmente falado em Maia, o filme conta a história de um jovem que, após ser capturado, consegue fugir e reencontrar a família. A trama é entremeada por cenas sangrentas e muito violentas, que se sucedem durante as mais de duas horas de projecção.
Sobre os sacrifícios humanos exibidos no filme, o dirigente Maia considerou que foram muito exagerados. "Existiu, sim, um tipo de sacrifício às divindades, mas os Maias foram e são pacíficos, não buscavam lutas, embora seja certo que não se deixaram dominar pelos espanhóis ou pelos astecas. O Maia é livre", afirmou.
Ele explicou que o conselho a que preside integra uma organização nacional que abrange 56 etnias do México, sustentando que em Quintana Roo "há cerca de 10.000 Maias". Embora tenha dito que também existem outros, ele lamentou que "nem todos procurem preservar o pouco que nos resta do nosso acervo cultural".
A estreia do filme em Cancún foi um sucesso absoluto, mas muitos espectadores concordaram com as críticas sobre o tratamento dado à cultura Maia, enquanto outros consideraram-no apenas "um filme de acção". "Viemos por curiosidade porque é o filme da moda", disse à AFP Francisco Tun Tuz, que disse ter gostado do filme como uma produção hollywoodiana, embora se tenha queixado da violência e da má dicção da língua aborígene.
Dado que a sua língua natal é o Maia, Tun Tuz assegurou que só a menina e o velho da tribo "falam verdadeiro Maia, os outros tentam, mas não dão a entoação adequada, não alongam as vogais onde devem fazê-lo". Ele insistiu que o filme "é pura ficção, nada histórico, é um filme mais comercial, nada que nos eduque sobre as nossas raízes".
Rolando Pérez, outro espectador, lamentou que "com a riqueza, a complexidade da cultura Maia, o filme se centre apenas num aspecto sanguinário dos nossos ancestrais". "O sentido bélico dos Maias foi engendrado quando contactaram com os toltecas, mas a sua cultura foi muito mais rica e significativa", disse, opondo-se às cenas de violência.
Na capital mexicana, os espectadores divergiram sobre a superprodução, qualificando-a simplesmente como "uma porcaria" ou "muito realista". "É uma porcaria, apresenta os Maias como animais. Ou Mel Gibson é incompetente ou queria denegrir-nos", disse, indignado, à AFP Luís Galicia, ao sair de uma sessão no primeiro dia de exibição.
Para Marco González, ao contrário, o filme "é a verdade, é muito realista. Se você ler os livros, (verá) que foi assim, não há motivo para se escandalizar", acrescentando que "todos os sacrifícios tinham uma justificação".
Na verdade, fazer cinema não é, obrigatoriamente, fazer História ou, provavelmente nunca é fazer história. Mas um filme não ganha nada quando não tem em conta o rigor histórico. O filme de Mel Gibson é fracote e está longe de outras obras do autor. O realizador resolveu contar uma sua versão dos finais da história da civilização Maia. Esqueceu, ou pôs de lado, a construção da civilização Maia e colocou o enfoque no que ele entende por ter sido a sua decadência, a crueldade, a violência. É a visão dele. Muito longe da realidade, com crueldade que baste e muito sangue. Porque a civilização Maia faz parte dos programas de História, se o filme por aí passar, convém aos professores de História debater e problematizar, não vão os alunos, comer gato por lebre.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 164
Ano 16, Fevereiro 2007

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
AFP
Agence France-Presse
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
AFP
Agence France-Presse

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo