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Futuro do planeta num impasse

Balanço da XII conferência mundial sobre alterações climáticas

A XII Conferência Internacional sobre Alterações Climáticas, realizada em Nairobi no passado mês de Novembro, produziu resultados desanimadores. O objectivo central do encontro era o reforço do compromisso no âmbito da luta contra o aquecimento climático, indispensável para fazer face ao previsível desastre ecológico e económico que se adivinha nas próximas décadas. Os países mais industrializados, no entanto, mostraram-se pouco flexíveis nas suas cedências e nas contrapartidas oferecidas aos países mais pobres. Uma guerra desigual, onde os que mais poluem continuam, na prática, a demitir-se das suas responsabilidades.

Na sessão de abertura da XII Conferência Internacional sobre as Alterações Climáticas, Lars Müller, especialista em alterações climáticas da Comissão Europeia, lançou o alerta: as mudanças climáticas no planeta têm vindo a acelerar-se e as consequências poderão ser catastróficas se a temperatura global aumentar mais de 2ºC relativamente às temperaturas da era pré-industrial. Só em África, os especialistas calculam que até 2100 esse aumento poderá cifrar-se entre os 2ºC e os 6ºC.
O cenário, porém, dir-se-ia já catastrófico. De acordo com Claude Mandil, director executivo da Agência Internacional de Energia, só as emissões de dióxido de carbono (CO2) resultantes do sector energético aumentaram 1,2 milhões de toneladas entre 2003 e 2004, valor acima do previsto, em virtude do aumento do consumo de carvão, responsável por 60 por cento da total de emissões.
"Temos de aplicar urgentemente políticas alternativas de eficácia energética, pois de contrário as emissões de CO2 continuarão a aumentar nos próximos dez anos e criarão uma situação insustentável", acrescentou Mandil, explicando que, ao ritmo actual, em 2030 as energias fósseis (petróleo, gás e carvão) representarão ainda 85 por cento do consumo total de energia.
Para além das óbvias consequências sobre a biodiversidade e os ecossistemas, os especialistas lembram que as alterações climáticas põem também em causa a própria economia mundial.
De facto, e segundo um recente estudo encomendado pelo governo britânico ao ex-economista do Banco Mundial, Nicolas Stern, a subida da temperatura média poderá representar ao longo dos próximos 40 anos um custo estimado em 5,5 biliões de euros, impacto económico equivalente ao conjunto das duas guerras mundiais.
Uma outra estimativa, adiantada por Achim Steiner, director do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, aponta para que o custo das mudanças climáticas e os riscos inerentes às secas, inundações e outros desastres naturais poderá superar, a partir dessa data, um trilião de dólares anuais.
Mais do que a protecção do ambiente, o aspecto económico parece assim prevalecer agora como principal argumento para convencer os mais cépticos.

Países industrializados pouco solidários

Os principais penalizados com a instabilidade climática no futuro serão, paradoxalmente, os que menos poluem, em particular os países mais pobres de África e da Ásia, assolados por crescentes desastres naturais com significativo impacto na economia.
Nesse sentido, um dos principais desafios do encontro passava por reforçar os mecanismos destinados a apoiar o esforço de adaptação das economias dos países em desenvolvimento às novas exigências ambientais.
Entre eles, figuram o Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS) e o Fundo de Adaptação, ambos previstos no Protocolo de Kyoto, assinado em 1997, mas que até agora se têm revelado pouco eficientes nos seus propósitos.
O Fundo de Adaptação, por exemplo, dispõe para já de um orçamento de 3 milhões de dólares, quantia mais do que irrisória para alcançar os objectivos a que se propõe. Naquela que parece ter sido a única boa notícia saída da conferência, foi anunciado que este mecanismo deverá estar completamente operacional daqui a um ano, faltando, ainda assim, definir qual será o órgão responsável pela sua gestão, as modalidades de funcionamento ou o montante global do seu orçamento. O que equivale a dizer que, para já, não passa de uma boa intenção.
Quanto ao MDS, um dispositivo que permite aos principais países poluidores financiar projectos energéticos e industriais "limpos" nos países em desenvolvimento, reduzindo dessa forma a quota parte das suas próprias emissões poluentes, está ainda numa fase inicial e depende totalmente das doações voluntárias dos Estados e dos investidores privados. Neste capítulo, os países africanos queixam-se de atrair menos de 2% dos cerca de 400 projectos MDS em curso, dirigidos sobretudo às grandes economias emergentes, como a Índia, a China e o Brasil.
Esse será precisamente outro dos principais desafios a curto prazo: tentar convencer as economias emergentes a participar nos esforços da luta contra o aquecimento global. Nesse sentido, a Rússia propôs que estas três nações, que se encontram à margem do Protocolo de Kioto por serem considerados países em desenvolvimento, entrem de forma voluntário no acordo.
Apesar de se afirmar disponível para o diálogo, a China, que se prevê venha a ser o principal poluidor do planeta no final da próxima década, já fez saber que não está disposta a comprometer-se com metas quantitativas.

Balanço final pouco animador

Terminado o encontro, o balanço final é desanimador. Para além do relativo sucesso que constituiu o reforço institucional do Fundo de Adaptação, após onze dias de debate poucos resultados concretos foram alcançados. Em particular no que se refere ao estabelecimento de compromissos com vista à redução global da emissão de gases causadores do efeito de estufa, apontada como outra das principais metas do encontro de Nairobi.
Os Estados industrializados que assinaram o Protocolo de Kyoto, cuja primeira fase termina em 2012, acordaram sobre a necessidade de reduzir em 50 por cento as emissões de gases com efeito de estufa. Mas este princípio dificilmente será alcançado sem a participação das nações mais poluidoras, particularmente dos Estados Unidos, responsável por cerca de um terço total das emissões, que não apresentou qualquer proposta que o comprometa nesse sentido.
Aos olhos dos ambientalistas, que se mostraram muito críticos em relação à vontade política manifestada pelos países industrializados, o encontro foi considerado uma "decepção". A Rede Acção Climática - que agrupa algumas das principais organizações não governamentais de defesa do ambiente, como a Greenpeace ou o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) - denunciou a "falta de sentido de urgência" manifestado pelos delegados e criticou o "diálogo morno e sem finalidade, completamente desligado da realidade".
Resta, assim, esperar por 2008, altura em que será revisto o actual modelo do Protocolo de Kyoto, e aguardar por melhores notícias.


  
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Edição:

N.º 162
Ano 15, Dezembro 2006

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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