Página  >  Edições  >  N.º 160  >  Nuvens cinzentas para o interior

Nuvens cinzentas para o interior

 

No distrito de Bragança apenas um quinto (86 em 440) dos professores do Primeiro Ciclo do Quadro de Zona Pedagógica obtiveram colocação no concurso de necessidades residuais. Em anos anteriores estes quadros não eram suficientes para atender às necessidades e houve sempre necessidade de recorrer a contratados.
O que mudou?
Por um lado, as novas regras possibilitaram que muitos docentes colocados em escolas fora do distrito, mas bem graduados, pudessem obter colocação perto dos seus locais de residência, por outro assistimos ao regresso da prioridade de colocação aos docentes que concorrem ao abrigo das condições específicas, isto é, aqueles ou os seus ascendentes, a quem prestam apoio, terem uma doença. Contudo a principal razão do sucedido foi a concentração das escolas em pólos escolares que diminui a oferta de lugares. Esta realidade é particularmente visível nos distritos do interior, nomeadamente Vila Real e Bragança. Neste distrito encerraram 225 escolas (cerca de três quartos do total) fruto da reorganização da rede escolar.
A situação que poderia ter sido há muito tratada e faseado no tempo, sempre foi escamoteada pelos responsáveis locais e a administração escolar que usaram a estratégia da avestruz, fechando os olhos ao óbvio: a diminuição da população escolar tornava insustentável de ano para ano a manutenção de escolas com uma, duas, três crianças. Aqui chegados, resta a conjuntura de quadros sobredimensionados de pessoal docente para os quais não se vê solução à vista, isto é, o que se fará a tantos professores com vínculo laborar ao Estado?
Com a premissa de que esta solução de concentração de crianças em pólos escolares, poderá ter visíveis benefícios para os alunos, os mais importantes neste processo, se as condições prometidas se concretizarem a nível de instalações, condições e apoios pedagógicos acrescidos, não pode deixar de se fazerem duas reflexões.
Primeira, a situação de muitos profissionais que vivem a situação com um misto de ansiedade e preocupação. Os quadros não vão poder renovar-se nos próximos anos, o que quer dizer que os putativos candidatos a ingressar na carreira docente terão de varrer o distrito das suas justas aspirações profissionais de nele poderem trabalhar. Aqueles que alimentavam a ideia de regressar ao seu distrito de origem e mantinham por aqui uma residência, terão de questionar seriamente a possibilidade de ir habitar definitivamente fora da região. Depois os que estão nos quadros já de si superlotados ficarão com mais dúvidas de trabalhar nas suas terras de origem, bem como a possibilidade, cada vez mais fundamentada pelo novo estatuto em fase de aprovação, de terem de trabalhar em quadros de zona pedagógica limítrofes, como sejam o Douro Sul (Viseu), Guarda, Vila Real também saturados.
Dirão os mais distraídos que tudo isto é irrelevante, é uma questão de classe, corporativista e que pouco importará aos bragançanos e aos portugueses os problemas de colocação de professores. Desenganem-se. É a região que fica sem quadros, com menos população, reflectindo-se o facto em todos os outros sectores da actividade económica. Mais, o que se passa com os professores reflectir-se-á brevemente em todos os outros sectores da administração pública, particularmente os municípios que têm os seus quadros de pessoal hiper saturados. As condições de rigor orçamental nas Finanças Públicas obrigarão também aqui ao redimensionamento dos quadros de pessoal.
Em segundo lugar, a reflexão necessária e consequente tem a ver com o desenvolvimento das regiões periféricas e o contínuo despovoamento das regiões do interior. O panorama dá uma ideia de irreversibilidade na desertificação humana e estes são sinais preocupantes para o futuro do interior. As aldeias nunca mais vão ser as mesmas e com o encerramento das escolas, encerra também uma das últimas esperanças para o mundo rural!


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 160
Ano 15, Outubro 2006

Autoria:

José Alegre Mesquita

José Alegre Mesquita

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo