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A era pós-genómica da Biologia (3ª parte)

Um novo conceito de Medicina?

A importância dos projectos científicos na área das ciências biológicas é frequentemente justificada em função dos contributos esperados para a medicina e saúde humana. O projecto de sequenciação do genoma humano não constitui excepção à regra. Quais as expectativas reais que podemos ter neste campo?
Para além do impacto previsível na rapidez do avanço do conhecimento científico, espera-se que no prazo de uma década ocorra uma pequena revolução na prática médica, com ênfase particular na prevenção da doença. Trata-se daquilo a que alguns chamam o advento da medicina personalizada, por oposição a uma abordagem de pronto-a-vestir, em que uma mesma medida é aplicada a toda uma população composta por indivíduos diferentes. As imagens mediáticas do efeito do conhecimento dos genes no exercício da medicina deram origem a duas metáforas curiosas: a do ?código de barras da doença?, que seria atribuído a cada recém-nascido após a análise do seu genoma, constituindo um registo de todas as suas susceptibilidades a doença futuras; e a do ?medicamento personalizado?, feito à medida do doente, com o seu nome próprio no rótulo. Estas são, obviamente, visões exageradas, de um determinismo genético extremo e que encerram a ideia algo assustadora de que entraremos numa era em que a nossa saúde futura (ou falta dela) estará determinada à nascença, sem lugar para a incerteza. O que será então uma visão realista dos benefícios da ?medicina genómica??
A relação entre genes e doença é há muito conhecida, sublinhada pela plétora de doenças hereditárias raras, para muitas das quais já é possível efectuar testes genéticos de diagnóstico. As doenças comuns como, por exemplo, a aterosclerose ou asma, são mais complexas nas suas origens, mas têm também uma evidente base genética. De facto, sabe-se que existem variantes de diversos genes humanos que, sendo normais e frequentes, conferem ao seu portador predisposição para estas doenças, ainda que de baixo risco. O projecto do genoma humano, ao caracterizar a diversidade genética humana e ao promover o desenvolvimento de tecnologias que permitem de forma eficiente e fácil identificar milhares de variantes numa única análise, vem permitir uma abordagem integrada das bases genéticas das doenças comuns. Prevê-se assim o desenvolvimento de testes de predisposição, baseados em estudos de associação entre a presença de uma variante genética e o aparecimento de doença. No entanto, a avaliação da predisposição não é mais do que uma estimativa do risco baseada num estudo estatístico da população. O valor dessa estimativa é extremamente limitado por factores complexos como o ambiente e o contexto genético e individual em que se insere a variante genética em causa.
A existência destes testes de predisposição permitirá o desenvolvimento de novas práticas preventivas,  permitindo identificar o risco de doença ainda antes do seu aparecimento e, dessa forma, promover cuidados de saúde apropriados. No entanto, a aparente simplicidade destas premissas esbarram na complexidade do indivíduo e do seu ambiente, nomeadamente na resposta individual ao conhecimento de que se tem ou não predisposição para determinada doença. Diversos estudos assinalam que este conhecimento frequentemente não resulta em maiores cuidados de saúde e pode mesmo ter consequências negativas, como a depressão.
A ideia dos medicamentos personalizados assenta no mesmo princípio de estabelecer uma associação entre diferenças genéticas individuais e a resposta aos fármacos. Assim, para indivíduos com a mesma doença, um medicamento poderá ser extremamente eficiente, não surtir efeito porque não é bem absorvido ou ser tóxico porque não é eliminado, aspectos estes que são condicionados por genes específicos. A determinação das características genéticas individuais permitirá adequar de melhor forma os medicamentos a cada doente.
Assim, em consequência do projecto de sequenciação do genoma humano, o aumento de informação disponível sobre a variabilidade genética humana levará a uma melhor estimativa do risco e prognóstico, resultando numa actuação clínica mais precisa. No entanto, face à complexidade do doente individual e do seu ambiente, restará sempre uma margem considerável de incerteza.

Nota:
Os textos anteriores da autora podem ser lidos no endereço web: http://www.apagina.pt/arquivo/FichaDeAutor.asp?ID=685


  
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Edição:

N.º 155
Ano 15, Abril 2006

Autoria:

Margarida Gama Carvalho
Faculdade de Medicina de Lisboa e Instituto de Medicina Molecular
Margarida Gama Carvalho
Faculdade de Medicina de Lisboa e Instituto de Medicina Molecular

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