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Memórias e praticas instituintes na escola

Um olhar sobre o cotidiano das escolas dos anos iniciais do Ensino Fundamental (1), no Brasil, aponta para um conjunto de tensões que se materializam em dificuldades estruturais para o trabalho docente. Contexto que leva a uma dinâmica ?apressada? no sentido de que os profissionais da educação precisam ?dar conta? das muitas exigências do dia-a-dia. É a vivência de um ?presenteísmo? longe do passado e do futuro.
Insistindo em movimentos de resistência, o trabalho que, aqui, relatamos tem como foco a análise das possibilidades instituintes da memória no cotidiano da escola de Ensino Fundamental, por meio do desenvolvimento de um ?Pólo de Memória e Narração? em uma escola pública de São Gonçalo/RJ(2). Buscamos, no trabalho memorialístico, constituir espaços/tempos de ressignificação da docência, de produção de imagens e fazeres instituintes, fazeres que recuperem antigos sonhos de justiça, que questionem práticas instituídas, afirmando formas instigantes de estar na profissão(3).
Como definir o conceito de ?experiência instituinte??  Esta reflexão nos leva ao encontro das contribuições de Walter Benjamin (1993) (4), ressaltando o sentido das ?experiências plenas?, que se traduzem por uma tessitura coletiva e pela possibilidade de abertura polifônica.  A experiência instituinte se afirma como uma experiência comum, partilhada por um grupo, contrapondo-se desta forma a vivência pontual e fragmentada do sujeito isolado de seus pares.  É aberta, não se apresenta como ?símbolo?, com um significado unilateral, mas como ?alegoria? por seus múltiplos sentidos e leituras.
Partindo dessa perspectiva, mergulhamos na escola. O trabalho realizado com os alunos/as teve como objetivos resgatar o conceito de memória e possibilitar um espaço para rememoração e partilha de experiências. Em cada uma das oficinas, o envolvimento com as turmas foi produzindo diferentes narrativas e interações. Inicialmente, as crianças ficaram tímidas, mas foram se soltando, rindo, contando suas histórias pessoais e escolares.
Nos desenhos da 4ª série, encontramos a centralidade do jogo e da brincadeira na infância.  A brincadeira como forma de representação e aproximação da realidade.  As crianças também registraram, como lembranças significativas, alguns ?preciosos? momentos do cotidiano escolar como a aula de educação física, a aula-passeio no planetário, a chegada na escola, as datas comemorativas.  As imagens nos reportam à escola como espaço de convivência e amizade.
Com os professores/as, o grupo vivenciou a  reflexão sobre a memória e a experiência da narração.  Tivemos o encontro de histórias pessoais e profissionais tanto das alunas-pesquisadoras quanto dos professores/as da escola.  Histórias que nos levam a um caldo comum: a escolha da profissão docente, as diversidades e conflitos da práxis pedagógica cotidiana.  Momentos marcantes, avanços e refluxos. E, assim, nos relatos encontramos a memória como festejo, festejo da possibilidade de encontro e partilha. 
A pesquisa desenvolvida indicou que o trabalho memorialístico pode contribuir com o fazer de professores/as e alunos/as na medida que mobiliza fragmentos o passado, dando um sentido de identidade para o fazer pedagógico individual e coletivo.  Possibilita, também, um olhar para o futuro da escola, da profissão docente e da vida.  A recuperação da memória da escola sinaliza movimentos instituintes, na formação de alunos/as e professores/as, que se dá quando a escola constitui momentos para o intercâmbio de experiências e saberes.
Foi, assim, que encontramos, na voz dos alunos/as, professores/as e da comunidade, a beleza da poesia que envolve os sentidos da memória.  Uma memória construída no coletivo, como emoção e comemoração:  ?é uma coisa como carinho, uma festa, um  casamento etc.? , ?é uma coisa quente, antiga, que faz chorar, que faz rir?.  Uma memória instituinte que é capaz de prometer.(5)

1) Corresponde, em Portugal, aos quatro primeiros anos do Ensino Básico ? 1º ciclo.
2) Este é resultado de uma proposta de uma pesquisa articulada ao Projeto ?Vozes da Educação: Memória e História das Escolas de São Gonçalo? e foi desenvolvido juntamente com um grupo de alunas do 8º período do Curso de Pedagogia da Faculdade de Formação de Professores da UERJ, no 1º semestre de 2002.
3) LINHARES, Célia F. S. Experiências Instituintes em Escolas Públicas: memórias e projetos para a formação de professores.  RJ, Projeto de Pesquisa/CNPq.
4) BENJAMIN, Walter.  (1993) Obras Escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo, Editora Brasiliense.
5) Os textos citados fazem parte da produção dos alunos/as da escola nas oficinas desenvolvidas pelas alunas-pesquisadoras.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 153
Ano 15, Fevereiro 2006

Autoria:

Inês Ferreira de Souza Bragança
Professora da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ? FFP/UERJ e do Curso de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá ? UNESA
Inês Ferreira de Souza Bragança
Professora da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ? FFP/UERJ e do Curso de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá ? UNESA

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