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Na alegria e na tristeza

Casamentos e divórcios

Há quem case a pensar que ?se não der não dá?. Quem acredite ainda na frase ?para todo o sempre?. E quem veja no divórcio a ?solução de um erro?. Numa altura em que se realizam cada vez mais divórcios e menos casamentos [Ver caixa: Indicadores Sociais de 2004], estas são histórias que podiam ser as de qualquer pessoa.

Nunca pensaram em separação. ?Houve discussões, arrelias, mas tudo era ultrapassado com compreensão?, diz Amílcar Beirão, 72 anos. Várias vezes essa será uma palavra usada para descrever os 43 anos de casamento com Maria Luísa Beirão, 64 anos. No conforto da sala de estar da casa que habitam, o casal acede a falar do seu matrimónio. ?Hoje em dia os casais partem já para o casamento com a ideia de separação.?
É o ?espírito de sacrifício? que no entender de Maria Luísa falta aos casais mais novos. O marido discorda. ?Sacrifício?? Luísa divaga. Recorda a sua dedicação ao lar e aos filhos. ?Como não trabalhava fui sempre uma Gata Borralheira??, desabafa. O marido olha-a com carinho. ?Não! Tu foste a princesinha do lar!? Maria Luísa sorri e afaga o antebraço do marido pousado no braço da poltrona onde está sentado. Os dois estão lado a lado. 
Amílcar retoma a questão do ?espírito de sacrifício? levantada pela esposa. ?Se um não ceder e o outro também não, os dois nunca se encontrarão no meio.? O problema dizem é que os tempos são de ?individualismos e independências?. Uma espécie de ?se me estiveres a chatear eu vou-me embora? que mina a possibilidade do diálogo. 
?É preciso conversar!?, remata Maria Luísa. E para que se entenda a importância deste aspecto numa relação conta um episódio caricato da sua vida em comum. Amílcar é pediatra. Como tal o seu dia era passado em consultas e alternado em urgências hospitalares. A sua profissão fazia-o sair de casa logo cedo pela manhã e retornar tarde na noite. ?Certa vez, a minha necessidade de conversar com ele era tão grande que eu marquei uma consulta para falarmos!? Amílcar não contem o riso ao recordar o episódio. ?Imagine eu a pedir que entrasse o próximo paciente e ela a entrar consultório dentro!?
A vontade de estar mais próxima do marido levou Maria Luísa a chamar a si a tarefa de trabalhar no atendimento do consultório de pediatria do marido nas horas extraordinárias que lhe ocupavam as consultas. Deixava os filhos a dormir e das 21h até à última consulta ficava com o marido: ?Estava perto dele, não falávamos muito, mas estávamos juntos.?
Confiança. Constitui, juntamente com as palavras acima sublinhadas, um outro pilar da vida conjugal. É Amílcar que a elege. Recordando que sem confiança poderia ter sido difícil o facto de trabalhar numa área - a da saúde - onde o sexo feminino ainda hoje é preponderante. ?Se não houver confiança o ambiente conjugal degrada-se!?
Outro elemento que antigamente ajudava a estabilizar o casamento eram os filhos, aponta Maria Luísa. O marido concorda. Mas lamenta o facto de nos dias que correm a tendência dos casais seja para ver nos filhos um conjunto de ?complicações?. ?Não deixam os pais saírem à noite??
Paixão, amor, amizade. Amílcar e Maria Luísa reflectem, a pedido, sobre qual das três palavras caracterizam a sua relação. ?Não é a paixão no termo real??, inicia Amílcar. ?Não é o amor dos 20 anos?, complementa Maria Luísa olhando o marido que retoma a palavra: ?É uma vontade de viver juntos!? A continuidade de uma vida que os dois escolheram.

A solução de um erro

?O divórcio foi a solução de um erro.? É desta forma que Andreia Gomes, 28 anos, vê hoje o seu casamento. Tinha 23 anos e uma vivência em comum com o namorado quando decidiram casar. ?Foi algo que surgiu na sequência do fim do curso e não foi muito pensado?, admite. Ao fim de dois anos a separação impôs-se. ?As pessoas não deviam casar antes de perceberem o peso que os problemas têm nas suas vidas.?
Defendendo a ?transparência? entre o casal, Andreia Gomes concorda com o casal Beirão e escolhe o ?diálogo? como a peça basilar do casamento. ?Mas as vontades individuais devem ser sempre valorizadas?, ressalva. ?Antigamente a anulação da individualidade garantia um casamento de sucesso, hoje já não!?
É de anulação que fala a história de Maria Rosa, 73 anos. ?O senhor já reparou que tem uma criada em casa?? A pergunta foi feita pelo juiz do Tribunal de Família ao então ainda marido de Maria Rosa na sessão que deu início ao processo de divórcio do casal.
Foi a ruptura com uma vida de 42 anos de casados marcada pelos maus tratos. ?Sofria eu e os meus filhos...? Ainda assim, quem ouve Maria Rosa, 73 anos de idade, percebe que facilmente permaneceria casada, não tivesse sido o marido a pedir a separação. ?Não tinha coragem, entendia que o casamento era para toda a vida.? Está sozinha desde então. Já lá vão oito anos. Nunca pensou em casar de novo.
Quem conhece a sua história não se cansa de dizer que hoje Maria Rosa vive como uma ?rainha?. ?Porque não tenho quem mande em mim!?, reflecte sentada no sofá de sua casa, um apartamento acolhedor, numa zona residencial recentemente construída. Mesmo em frente à casa térrea onde viveu durante o casamento. Tem amizades de um e do outro lado da rua. Conta com a presença assídua dos filhos, embora há muito tempo criados. Vantagens de uma separação, como a própria reconhece. ?O falecido?, como apelida o ex - marido, ainda vivo, ?não foi um bom pai, nem um bom companheiro?. Razão pela qual Maria Rosa sabe que o afastamento do marido teve, sobretudo, uma contrapartida: ter mais próximos de si os dois filhos do casal.
Do processo de divórcio Maria Rosa guarda algum pesar. Primeiro a separação do dinheiro do casal. A lista de bens apresentada pela advogada do marido a quando as partilhas. A ?lata? do marido ao incluir na lista de bens a repartir um serviço de 73 peças da Vista Alegre compradas por si ?a cartões? com o dinheiro do seu trabalho. Depois a morosidade. Um ano até que no seu Bilhete de Identidade pudesse ter escrito ?Divorciada? no estado civil. Uma palavra imprescindível para fazer a escritura de um novo apartamento sem correr o risco do ex-marido poder reclamar a ?sua? parte. E, assim, atira Maria Rosa, ?andar com a vida para a frente?.

?Compreensão não significa submissão?

Casou com a perspectiva de estar a construir algo que será ?para sempre? e não com a ideia pré-concebida do ?se não der, separo-me?. Liliana Goretti tem 26 anos e está casada há cinco meses. ?Sei que ainda estou na fase do encantamento?, sorri. A sua vida, diz bem disposta, ?melhorou? com o casamento: ?Dantes tínhamos de sair para estarmos juntos, agora não porque temos a nossa casa!? 
  ?Gerir as famílias é a parte mais complicada do casamento?, constata Liliana Goretti. ?É preciso ter em conta quantas vezes se vai a casa de uns e de outros.? Pais e sogros à parte, as mudanças sentidas na passagem de um estado civil para o outro não foram muitas. ?Tornei-me mais tolerante do que quando namorava.? A razão é simples de entender. Partilhar o mesmo tecto é mais fácil quando ?há harmonia?: ?Se queres estar bem com a outra pessoa sabes que não podes ?disparatar?!?
É na falta de tolerância que Liliana Goretti encontra um dos motivo para o fracasso dos casamentos. ?Compreensão não significa submissão?, diz para justificar alguma confusão que fazem entre estas duas palavras muitos casais. ?Cada um deve pensar que as coisas não podem ser sempre à sua maneira!?
Liliana Gorreti conhece a história de Maria Rosa. Põem-se no lugar dela e se assim fosse não teria tolerado nada do que a vizinha tolerou. ?As pessoas agora sabem que não têm necessidade de serem infelizes?, por isso, o divórcio é mesmo um bem maior, reconhece Liliana Goretti. E talvez a pensar numa situação real surge um desabafo: ?Há casais que se separam depois de três meses de casamento e são criticados, mas é tempo suficiente para se sofrer bastante!?

Instituto Nacional de Estatística

Indicadores Sociais de 2004

O número de casamentos diminuiu em 23% relativamente ao ano de 2000, de acordo com a edição de 2004 dos Indicadores Sociais, divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística.
A idade média do primeiro casamento tem vindo a aumentar. Nos homens para os 30 anos, nas mulheres para os 28,5. Do mesmo modo também tem subido a idade média do divórcio, passando para os 41,7 anos (mais 2,4 anos que em 2003). Uma situação que se verifica em ambos os sexos.


  
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Edição:

N.º 152
Ano 15, Janeiro 2006

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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