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"É necessário um novo edifício e não obras de remendo"

Carmen Santos, coordenadora da direcção do Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculo, caracteriza, numa imagem, a situação profissional do sector:

Carmen Santos, 59 anos, actriz, é coordenadora da direcção do Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculo desde há um ano e meio. Aceitou este cargo por conhecer a difícil situação vivida pelos profissionais das artes do espectáculo em Portugal (ela própria é uma trabalhadora ?free-lance?) e por sentir que, apesar de tudo, acredita numa mudança. Nesta entrevista, Carmen Santos fala da precariedade contratual que caracteriza o sector e da indiferença do poder político face a esta questão, defendendo a ?necessidade urgente de estabelecer um estatuto profissional do artista?.

Em Portugal ainda não existe um estatuto profissional que regule a actividade dos profissionais das artes do espectáculo. Perante esta situação, de que forma tem evoluído a carreira dos criadores, intérpretes e técnicos em áreas como o teatro, a dança ou o cinema?

A própria ?situação? das artes do espectáculo em Portugal tem sofrido uma grande mudança. Questões económicas e técnicas, sobretudo, têm condicionado a evolução dos acontecimentos, influindo, por consequência, na carreira dos trabalhadores da área do espectáculo.
No teatro, as estruturas que se foram construindo ao longo do tempo foram praticamente pulverizadas ? deixou de haver uma maioria de companhias com um elenco fixo, para existir, nos nossos dias, alguns núcleos de produção fixos e muitos outros de existência pontual e, portanto, precária.
Daí que, numa perspectiva social, se passou de uma situação de maioria de trabalhadores com vínculo a uma entidade empregadora, assalariados com contrato de trabalho sem prazo, ou a longo termo, para uma situação em que a maioria dos trabalhadores das artes do espectáculo pertencem à categoria de trabalhadores ?free-lance?, isto é, por sua própria conta e risco.
Na prática, este processo levou a uma perversa passagem do estatuto de trabalhador por conta de outrem, para um estatuto de ?prestador de serviço?, categoria abusivamente reconhecida e comodamente controlada com o famigerado recibo verde.
No campo da dança, do audiovisual e do cinema a situação é semelhante. As companhias fixas de bailado estão também a desaparecer ? lembremos o recente caso de extinção abrupta da Companhia da Fundação Gulbenkian.
Por outro lado, a proliferação de canais televisivos e a consequente concorrência por audiências e receitas debilitou também as tramas das carreiras profissionais de criadores, intérpretes e técnicos desta área.

A que se deve a inexistência deste estatuto: à falta de vontade política dos organismos públicos que têm tutelado esta área ou à falta de iniciativa dos próprios profissionais?

Nos últimos dois ou três  anos, pelo menos, muitas têm sido as chamadas de atenção que o sector das artes do espectáculo tem vindo a efectuar junto do governo e da Assembleia da República.
Embora o assunto tenha já sido aflorado algumas vezes - como foi o recente caso de discussão na Assembleia da República da situação do bailado em Portugal - sempre em reuniões oficiais parcelares, nomeadamente com os vários sindicatos do sector ? e se tenha concordado com a necessidade de avançar com soluções para a difícil situação que se vive actualmente, nunca se concretizou, na prática, a adopção de medidas legislativas no sentido de traçar um novo rumo para este sector.
Trata-se, portanto, de uma falência de vontade politica relativamente aos ministérios da tutela - e estamos a falar de um percurso de vários períodos legislativos - e à própria Assembleia da República.

Concorda com o estabelecimento de um estatuto comum aos criadores/artistas e aos profissionais técnicos?

Sim, principalmente se tivermos em conta as bases gerais comuns que orientam a sua actividade. O próprio sector dos artistas/músicos intérpretes deveria estar também abrangido por este estatuto.

Quais são os principais pontos da plataforma reivindicativa do Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculo?

Há várias etapas fundamentais a implementar, nomeadamente um novo tipo de contratação que acabe com a verdadeira aberração do contrato de prestação de serviços, vulgo recibo verde; o estabelecimento de  tabelas mínimas de contratação; uma mais justa e eficaz situação no que diz respeito à Segurança Social, que cobra mas não protege; e, acima de tudo, uma organização sindical mais coesa, que permita lutar e alcançar os três objectivos básicos acima apontados.
O Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculo (STE) está a lutar por tudo isto, mas precisa do apoio e da contribuição de todos os trabalhadores das artes do espectáculo.

Que iniciativas tem tomado esta organização sindical no sentido de perseguir esses objectivos?

O STE tem tentado esforçadamente esclarecer os problemas e procurar soluções relativamente à situação do sector. Neste sentido, tem sido desenvolvido um trabalho de chamada de atenção junto dos trabalhadores no que respeita à consciência da desorganização que o caracteriza e da utilidade de procurar soluções colectivas.
O sindicato tem estado também em permanente contacto com as várias associações do sector  -  Plateia, Rampa e Rede ? bem como desenvolvido um trabalho de colaboração com o Sindicato dos Músicos no que diz respeito às maleitas comuns: trabalho precário, ausência de tabelas, contratação inadequada, falta de protecção social, entre outros problemas comuns.
Somos também uma das três organizações, juntamente com a Gestão de Direitos do Artista/Intérprete e a ACT ? Escola de Actores, que promove os ?Encontros ? Profissão Actor: o Futuro??, evento que tem suscitado um grande interesse por parte dos trabalhadores do sector.
O STE tem sobretudo alertado repetidamente a tutela competente para a necessidade urgente de estabelecer um estatuto profissional do artista, bem como a importância da participação nesse trabalho dos representantes profissionais do sector. Encontrar ?de cátedra? um qualquer estatuto, sem chamar à elaboração do mesmo os profissionais do ofício, parece-nos injusto e ineficaz e, sobretudo, anti-democrático.

Está em preparação alguma legislação de protecção social no que se refere aos trabalhadores intermitentes - como acontece em França, por exemplo? Não deveria, no mínimo, estar previsto um regime fiscal e de segurança social excepcional, tendo em conta que exercem uma actividade irregular?

O STE não tem conhecimento de qualquer iniciativa legislativa em preparação no que se refere a este tipo de trabalhadores. De qualquer forma, consideramos errado enveredar-se pelo avanço de medidas pontuais destinadas a remediar apenas algumas questões mais sonantes, como o regime fiscal e a segurança social. Tal iniciativa iria apenas adiar as soluções que são urgentes e, de facto, agravar a situação. Para caracterizar a actual situação com uma imagem, diria que é necessário um novo edifício e não obras de remendo.

Faz alguma ideia de que forma é encarada a situação dos trabalhadores intermitentes nos restantes países europeus?

Desconheço em profundidade o contexto das condições de protecção social dos trabalhadores deste sector em outros países da Europa. Contudo, sabemos que a França é o país mais avançado do ponto de vista do estatuto profissional e da protecção social. O sistema de ?intermitência? posto em prática neste país parece-nos o mais adequado para o sector dos artistas-intérpretes e técnicos do sector.
Há também, com toda a certeza, em todos os países ocidentais, uma organização sindical mais relevante resultante de uma maior adesão dos trabalhadores do sector, que em nada se compara com a situação vivida em Portugal. No nosso país, infelizmente, as pessoas ainda não tomaram consciência o que de útil e eficaz uma boa organização sindical traria para o sector das artes do espectáculo.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 150
Ano 14, Novembro 2005

Autoria:

Carmen Santos
Coordenadora da direcção do Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculo
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Carmen Santos
Coordenadora da direcção do Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculo
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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