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As visitas do poeta Gonçalves Dias às escolas do interior amazônico brasileiro (1861)

Durante o século XIX, os governos das províncias brasileiras criaram instituições educativas dirigidas à população livre, como escolas públicas, institutos e colônias de ensino artesanal e agrícola, bem como asilos para a educação feminina, inseridos no projeto de formação do povo brasileiro (os cidadãos).
A região da Amazônia brasileira, representada pelas províncias do Amazonas e do Pará, participou deste processo, com maior intensidade, na segunda metade do século XIX. Em Fevereiro de 1861, o prestigiado poeta Antonio Gonçalves Dias chegou a Manaus, capital do Amazonas, sendo logo nomeado pelo presidente da Província, visitador das escolas públicas do Rio Solimões. Na viagem, o poeta e etnógrafo maranhense, Gonçalves Dias, alcançou o Peru, e na volta entregou ao governo um relatório de sua viagem, descrevendo a situação das escolas visitadas, dos alunos e das famílias.
Gonçalves Dias permaneceu no Amazonas por nove meses, tendo feito mais duas excursões de visitas às escolas: uma pelo Rio Madeira e outra pelo Rio Negro. A última excursão resultou no Diário da viagem ao Rio Negro.
No caso da região amazônica, a formação do cidadão implicava não somente no conhecimento dos direitos e deveres pela população livre, como era defendido pelos agentes educacionais de outras partes do Império. O aprendizado do português e a sedentarização da população do interior foram necessidades reclamadas pelos inspetores e diretores da instrução na região.
 Desabituar-se da língua geral (nheengatu), falada pelos meninos em casa e nas ruas, consistia na primeira tarefa das escolas das freguesias e vilas do interior, objetivo ressaltado com grande ênfase por Gonçalves Dias na comissão dirigida às escolas primárias situadas ao longo do Rio Solimões, em 1861.
A ?vida ambulante? dos habitantes era outro fator a ser enfrentado de forma a aumentar a freqüência às escolas e evitar o afastamento das aulas por quatro a cinco meses ao ano, quando ?pobres e ricos? iam à pescaria. A perspectiva de Gonçalves Dias era a da formação da nacionalidade, levando-o a defender a intervenção do governo central na instrução pública das províncias, contrariamente ao que determinou o Ato Adicional de 1834, que responsabilizou os governos provinciais pela instrução primária e secundária.
Gonçalves Dias tinha grande conhecimento das instituições educativas, do Brasil e do exterior. Não faz comparações diretamente, mas sua análise é pontuada por esse repertório. Compartilha com a visão dos grupos dominantes da região a respeito da ?vida errante? da população amazônica, principalmente no que se refere ao nomadismo dos índios. Morando em pobres choupanas, esta população não teria em apreço a casa; abandona-a tão logo chega o período da pesca, levando as crianças consigo, não porque não tenha com quem deixá-las no povoado, mas porque muito se afeiçoam a elas ou precisam de seus préstimos. Os meninos, ?por mais verdes que sejão sempre podem e sabem governar a canôa?, dizia ele. Dias constata que a verdadeira propriedade das famílias é a canoa, símbolo da mobilidade, e não a casa, que os prenderia ao local.
Na Amazônia, a interiorização da escola pública se tornou uma meta dos governos, sobretudo, a partir da década de 1870. O crescimento do número de escolas masculinas e femininas nas duas últimas décadas do Império é notório na região, nas capitais e nas cidades, vilas e povoados do interior. Assim, a despeito dos obstáculos exaustivamente descritos pelas autoridades da instrução pública, a população do interior não necessariamente rejeitou o esforço educacional dos governos.

Bibliografia

  • DIAS, Antonio Gonçalves, 1861 Documento n.1 do Relatório da Província do Amazonas, 3/5/1861. Relatório da inspeção das escolas públicas do Rio Solimões, Amazonas.
  • PEREIRA, Lúcia Miguel. A vida de Gonçalves Dias, contendo o diário da viagem de Gonçalves Dias ao rio Negro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 149
Ano 14, Outubro 2005

Autoria:

Irma Rizzini
Doutorada em História Social (UFRJ/IFCS) e pesquisadora pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro no Núcleo de Ensino e Pesquisa em História da Educação da Faculdade de Educação
Irma Rizzini
Doutorada em História Social (UFRJ/IFCS) e pesquisadora pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro no Núcleo de Ensino e Pesquisa em História da Educação da Faculdade de Educação

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