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Tendências

Os fotógrafos assobiam. Tímidos no início. Depois irritados. Fazem-no para ?dizer? que há gente a mais na passarela. As pessoas afastam-se para os lados. Os flashes sucedem-se frenéticos. Captando, do fundo do cenário de onde surgirão as manequins, o nome do estilista.
De óculos de sol, num ambiente escuro, entra uma celebridade. Alta. Magra. Vestida de preto. As objectivas colam-se a ela, obrigando os fotógrafos a saltar das cadeiras estrategicamente colocadas à cabeça da passarela. Atropelam-se numa tentativa de apanhar o melhor ângulo. A mulher pára e posa, sem contudo tirar os óculos. Sorri. Leva a mão ao cabelo e lentamente dispõe-se a desocultar os olhos... Um gesto que chega contudo tarde de mais. Apenas um instante para deixar de ser a atracção. Outra mulher entra na sala. As objectivas correm na sua direcção.
É um rosto desnudado. Demasiadamente contorcido. De quem está habituado à maçada do protagonismo e ainda assim não se conforma. A mulher destoa. Um corpo demasiado vulgar num figurino caro. Entre os ?críticos? de moda que esperam o inicio do desfile alguém comenta num sussurro que não será publicado: ?É o marido que escolhe a roupa com que ela se apresenta em público. Ele é um entendido nestas coisas do glamour. Ela não sai de casa sem ter o aval dele.? Depois o silêncio. A mulher ocupa o seu lugar entre o presidente da câmara e o organizador do evento. Os dois homens sorriem só enquanto são fotografados. Depois os seguranças tratam de afastar as objectivas. Chega de flashes. O desfile vai começar.
Segura. Aparentemente. Pisa o tapete azul da passarela com sapatos de pano. Veste uns corsários de linho ?azul desmaiado?. Uma blusa de seda ?vermelho vivo?. Ao ombro uma mala feita de corda. Andar pouco natural. Ombros puxados para trás. Olhar vazio. Expressão padronizada. Perdeu a conta às estações. Desfila já a colecção Primavera-Verão do próximo ano. Mas fora do tapete o Verão ainda não acabou. Ninguém pensa no Inverno. Só o mundo da moda vive em antecipação. Ela também.
Vinte e quatro anos. Fim de carreira à vista de todos. Colegas de bastidores cada vez mais novos a arrecadarem as solicitações que um dia foram suas. Oito anos a passar roupa não lhe deram tempo para pensar noutra actividade. Um rosto bonito. Apenas demasiado convencional para proporcionar o sucesso sonhado na carreira. Nada de dramas. Apenas uma certa tristeza. Na poupança um balanço positivo. Na carteira alguns contactos. O proveito só verá na hora em que os flashes deixarem de disparar. Talvez nem lhes sinta as saudades.
Veste roupa. Tira roupa. Não em si. Nas manequins. É assistente. Veste-as. Despe-as. Vai buscar os sapatos. As carteiras. Os lenços. Aperta-os segundo o esquema desenhado pelo estilista. Tudo pormenorizado. A ritmo acelerado.
Muitos castings falhados, portofólios feitos por um fotografo barato, e a oportunidade de entrar no mundo da moda, ainda que pelos bastidores pareceu-lhe bem. Um glamour pouco compensador. Mas promissor. Pelo menos assim acreditava. Porque um dia, sem que ela esperasse, alguém havia de reparar nela. Na sua beleza. Afinal ela estava sempre lá, onde estava a moda.


  
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Edição:

N.º 149
Ano 14, Outubro 2005

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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