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Ser pai, Saber amar incondicionalmente

Estou consciente de ter escrito um texto no jornal, cujo título ?Sermos Pais, a profissão mais antiga e desprestigiada da História?. Um texto com citações, debates, definições, comparações, enfim, um texto de erudito que, sem saber como, vai citando, de forma natural, enquanto escreve. Mas, ser pai também é acordar de noite porque um descendente está a asfixiar e a necessitar de ajuda imediata. É a dor da incerteza, é a dor do amor incondicional que não tem descanso, é a doçura convertida em desespero, é a luta com escudo e elmo para manter o mais pequeno. E, enquanto travamos esta batalha (verdadeiro milagre da vida) não pensamos, não sentimos, apenas nos concentramos na luta que acaba por permitir a continuação da vida desse ser pequeno a quem tanto amamos. Roxo, brônquios fechados por uma teia fabricada por um indecente vírus que apareceu sem saber de onde. Ou, sabemos, mas não queremos recordar. Existem bactérias e vírus que nos rodeiam sem nos apercebermos. Não somos capazes de ver ou entender que existem, tão intensa é a nossa alegria ao levarmos o nosso pequeno a passear, a alegria de o poder mostrar aos outros membros da família, aos nossos amigos, exibimo-nos com o pequeno ser que, no dizer de Wilfred Bion em 1961 ? Cogitations e em 1962 ? Learning from experience, nasce já no nosso pensamento. Tanto desejamos ser pai, que antes de o conceber, o imaginamos, brincamos, beijamos, andamos às cavalitas, vamos juntando berlindes, temos piões classificados para o dia que...somos capazes de o ver tal e qual se pensa deve ser ou virá a ser. Podíamos partilhar esse prazer com a mãe, mas prazer de pai é prazer solitário, calado, imaginário, ternurento, como se esse homem fosse a mulher que traz a criança no seu ventre. Prazer que dinamiza esse não esperado acordar nocturno em que vimos que o fruto do nosso imaginário, está quase a partir, a deixar-nos. E, sem pensar mais, aplicamos essa resiliência de Cyrulnik ou inaudita capacidade de construção humana. E, sem saber como, nem de que maneira, o reconstrói e o faz ficar vivo e a saltitar. Alguma frase salta de repente da nossa cabeça: ter filhos é um prazer, mas criá-los, pode ser um martírio e a nossa atitude muda do imaginário de berlindes, à vigilância permanente enquanto o pequeno se faz adulto, e entende o desenvolvimento da vida e, assim, acabamos por viver em paz: sabemos que aprendeu, do nosso próprio exemplo, das nossas noites acordadas e dos nossos dias de observação silenciosa, que a criança percebe nos seus sentimentos inconscientes, esses que ficam gravados na História do indivíduo. Amor de pai, um Cid Campeador, que nem chora nem tem raiva: vê, ouve, vigia, toma conta, ama e ensina. Com a esperança que os mais novos aprendam o debate com os factos da vida, provar os perigos e afastar-se deles, aceitar que as palavras ditas e o gesto autoritário, seja apenas um incentivo para continuar a aprender e a interagir com outros seres humanos.
Este amor de pai, transferido para outros mais novos, em idade ou em saber, trabalha sem descanso a preparar novas ideias para transferir de forma adequada e conveniente, na base do debate, com amplidão de entendimentos, com coordenação com outros saberes, que permita a síntese de uma ideia já provada, com hipóteses de outros autores. É este o processo que dinamiza o saber comparativo, que ensina o amor de pai. Crianças maduras em idade mas fracas em dedicação ao cuidado de si próprias e no respeito a um pai que vela o ano inteiro com o objectivo de ensinar apenas um facto: saber precisa de leituras, de paciência, de confronto consigo próprio, de aceitar os erros pessoais, de saber perguntar, corrigir e melhorar o que tem sido indicado como ausente no debate, aprender as regras para não se afogar, para não ficar roxo por falta de ar, mas sim empenhado em aceitar a experiência de quem mais percebe, pela dedicação imensa ao longo do tempo, transmitida com respeito e a altura adequada à capacidade de entendimento.
Ser pai é ser professor. Ser professor, é a vida sem descanso para avançar nas experiências de transmitir saber e pedagogia ou processo estruturado de retirar ideias do pensamento de outros e ganhar as forças e o oxigénio suficientes e necessários que levam a uma aceitação de si próprio e a uma clara, limpa, serena e tranquila disposição na relação com os que comigo aprendem. E, se um pai tem confiança em mim e se permite entender o meu texto, olhar a minha cara no espelho, esse pai pensa de mim o que o seu imaginário já experimentado, criou. Mãos estendidas que ajudam a não sufocar, por falta de saber ou por falta de técnicas que são retiradas do ser mais experiente, no qual acredito porque permite melhorar o amor à vida. Comigo e com os meus colegas de carteira ou de vida. Aos que oiço e ajudo, tanto quanto aprendi ao saber ser independente por aceitar as técnicas da respiração que o meu ?cota? teve a paciência e o amor de me transferir. Ser pai, o trabalho mais benevolente do mundo. Construído para as novas gerações serem adultas no saber e na idade, ao aceitar a História e a sua lógica. Nem sempre favorável ao indivíduo, mas aprendida ao longo do tempo, mata os vírus que retiram a capacidade de respirar o ar sadio do saber amar os outros e de me respeitar a mim mesmo.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 145
Ano 14, Maio 2005

Autoria:

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Ana Paula Vieira da Silva

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Ana Paula Vieira da Silva

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